O Secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, é gaúcho, ex-agente federal e principal responsável pela política de confrontação com o tráfico de drogas na capital e arredores. Dizem que foi ele que inventou as UPPs, o que é difícil de acreditar, porque o modelo foi implantado na Colômbia anos antes. Entre a bandidagem carioca e fluminense, é conhecido como “MC Beltrame”. Vários raps no estilo “proibidão” já foram compostos para ele – todos bastante desagradáveis. Mas o xerife Beltrame tem aprovação irrestrita do governo e apoio da classe média e das elites. Se for candidato a alguma coisa que dependa de voto direto, será eleito. Depois de faturar a ocupação do Complexo do Alemão, em conjunto com as forças armadas, agora se meteu numa grande encrenca.
Uma investigação do Ministério Público estadual revelou uma rede de apoio e proteção ao crime organizado, protagonizada por 45 policiais civis e militares, incluindo dois delegados de nível superior e gente ligada às milícias, os grupos paramilitares que expulsam traficantes e ocupam favelas em benefício próprio. Os promotores obtiveram autorização para grampear os telefones de todos eles e juntaram provas de que os “agentes da lei” estavam vendendo informações privilegiadas aos bandidos, alertando para operações nas áreas do tráfico. Foi assim que o traficante Nen (Antônio Francisco Bomfim Lopes, 33 anos), chefe do movimento na Rocinha, escapou de uma batida na comunidade. Os promotores também descobriram que a rede apreendia armas e as revendia para os traficantes. Apreendia drogas e as devolvia para o crime, com preços superfaturados. Também contrabandeava armamentos do Paraguai e estava envolvida com a máfia dos bingos. Elementos rivais eram assassinados e os corpos desapareciam. A rede estava, inclusive, relacionada a grupos de extermínio na Baixada Fluminense e em Niterói. Atuava em favor dos banqueiros do jogo do bicho, todos envolvidos com a jogatina eletrônica.
Após colecionar centenas de horas de gravações, vídeos e fotografias de toda a cambada, os promotores obtiveram mandados judiciais para busca, apreensão e prisão dos 45 policiais de carreira envolvidos. Foi nesse ponto, diante de um tremendo escândalo, que o assunto foi levado ao governador Sérgio Cabral e ao xerife Beltrame. Ambos concordaram que deveria ser desencadeada uma grande operação para desbaratar o esquema de corrupção. Mas, como fazer isso com a própria polícia do Rio, altamente contaminada? A solução foi pedir ajuda à Polícia Federal: centenas de agentes inclusive de outros estados, foram mobilizados. O governo do Rio não confiava na sua própria polícia. Resultado: a Operação Guilhotina atingiu em cheio a cúpula da segurança estadual. Dos 45 procurados, 31 foram presos, sendo o primeiro deles o subchefe da Polícia Civil estadual, um dos “heróis” da batalha do Alemão, que deu entrevistas ao Jornal Nacional e ao Fantástico, destacando as maravilhas da operação policial contra o narcotráfico instalado nas favelas da região. O delegado Carlos Antônio de Oliveira, agora, era o bandido procurado pelos federais.
Logo depois, o delegado chefe da Polícia Civil, Allan Turnowski, pediu as contas, alegando que houve abusos na Operação Guilhotina. Pedido aceito, a delegada Martha Rocha, que tem nome de misse Brasil, assumiu a pasta. E deve ter sido a primeira mulher a ocupar a chefia da polícia carioca. Prometeu destituir todo o comando da polícia, numa demonstração de que o núcleo dirigente da segurança pública havia apodrecido. Ato contínuo, a ADEPOL (Associação dos Delegados de Polícia) pediu a cabeça de Beltrame, exigindo a sua renúncia. E não para por aí: o próprio delegado Turnowski foi convidado a depor na PF e acabou indiciado por vazamento de informações sigilosas. Ou seja: o caos na segurança pública do Rio.
Uma coisa é promover expedições punitivas contra o povo pobre – outra, bem diferente, é cortar na própria carne. Entre os efetivos das forças de segurança do Rio, seus dependentes e pensionistas, estamos falando de um grupo de eleitores de mais de 400 mil votantes. Mexer com esse segmento é extremamente delicado. Curiosamente – e quase engraçado – é ver como essa crise confirma as denúncia do cineasta José Padilha, em “Tropa de Elite 2”, assim como o que venho escrevendo há tantos anos. Não é possível reescrever a história da segurança pública no Rio sem atingir privilégios consolidados há meio século.
Acabar com a banda podre da polícia é fundamental. Não é admissível que criminosos de farda e distintivo continuem impunes. No entanto, o custo político disso é incalculável. Será que eles (os governantes, os políticos em geral) terão a coragem suficiente para seguir adiante? Duvido! E você, leitor, o que acha?
Carlos,
Em relação ao lançamento do seu livro,fiquei com uma dúvida:
Eu tenho o CV-PCC -Irmandade do Crime. É o mesmo conteúdo desse lançamento?
Se nao é, qual é o foco deste livro?
Obrigado
Henrique
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Henrique,
escrevi três livros sobre o tema da violência urbana e o crime organizado.
1. Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado, Ed. Record, 1994, agora relançado em edição de bolso pela BestBolso, do Grupo Esditorial Record.
2. CV_PCC – A irmandade do crime – Ed. Record 2004, agora na 10 edição.
3. O Assalto ao Poder – Ed. Record, 2010.
Os três volumes compõem a minha trilogia sobre a matéria. Tratam do surgimento das organizações criminosas no Brasil, da globalização do crime e do ataque às instituições democráticas, à política e à economia por parte de megaempreendimentos criminosos.
Abs
Camorim
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Carlos,
Estou acabando de ler o seu livro CV_PCC – A irmandade do crime. Parabéns pela bela obra, e o que vemos há muitos anos é a repetição de erros, de sujeira e falta de competência policial.
Sobre o post; nós que moramos fora do estado do Rio tivemos a impressão que a política do combate ao tráfico aliado ao advento no Brasil das UUP’s era uma maravilha de outro mundo, o secretário Mariano Beltrame visto como um mágico, a pessoa que fez o que muitos não conseguiram. Não posso de deixar o meu inocente espanto.
Também gostaria de pedir dicas sobre leituras da escalada da violência no Rio, assunto que me interessa muito.
Grande abraço de um fã
Rafael Petry
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Caro Rafael,
A situação da segurança pública no Rio – e em quase todo o país – é mesmo um espanto. As UPPs são uma iniciativa interessante, mas frequentemente anulada pela corrupção policial e pelos seguidos desmandos contra o povo pobre. Do jeito que estão, terminam sendo um pequeno “estado de sítio” nas comunidades juridicamente indefesas. As UPPs deveriam ser seguidas de uma reforma do aparelho de segurança e de medidas para devolver a cidadania às favelas e periferias. Sem isso, nada feito!
Sobre livros:
eu mesmo tenho mais dois sobre o tema: “Comando Vermelho – A históruia secreta do crime organizado” e “Assalto ao Poder”. Você pode consultar também “Cidade Partida”, do Zuenir Ventura”; “PCC – A facção”, de Fátima Souza; “Cobras e Lagartos”, de Josmar Jozimo; além de vários títulos do jornalista Júlio Ludemir. “Falcão – os meninos do tráfico”, do MV Bill, é um clássico.
Abs
Camorim
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