Escrevi este artigo em memória de Hiromi Sato, assassinada pelo marido no fim de semana (20/21 de abril). Foi no apartamento do casal, em Higienópolis, São Paulo. O crime brutal chocou o país. E levantou ainda mais alto a bandeira da luta contra a violência doméstica e o massacre de mulheres.
O holocausto de Hiromi Sato
Carlos Amorim
Enterramos a Hiromi na manhã da terça-feira. Um dia luminoso e frio. Nós a colocamos na terra avermelhada do Cemitério da Paz, entre árvores antigas e vegetação bem cuidada. Os sons do sino de cobre budista perambulavam entre nossa dor e pesar. Como se viessem do próprio ar. Um alívio precário e sutil para tanto sofrimento. Os cânticos do sutra dos mortos, na voz perfeita do monge, se repetiam como um mantra. Versos que falam do nascimento e da vida – e não dos horrores que presenciamos nos últimos dias. Aquele sacerdote veio do mosteiro do Jardim da Saúde, bairro onde Hiró, como a chamávamos carinhosamente, passou a maior parte da vida.
Tive dificuldade para reconhecer a Hiromi Sato no velório. Protegida por maquiagem pesada, não era mais a mulher que conheci. O sorriso fácil que ela tinha – ao mesmo tempo tímido – desapareceu. Os dentes dela foram quebrados. E a prótese mortuária que colocaram no lugar mantinha os lábios entreabertos numa súplica estranha. Cremes e tintas disfarçavam um trauma sofrido na face esquerda, além de incontáveis pequenos ferimentos no rosto.
Hiromi foi assassinada pelo próprio marido, o advogado Sérgio Gadelha, um homem ensandecido.
A violência que desabou sobre ela foi tamanha, que os peritos disseram que vai ser difícil precisar a hora do crime. Tantos foram os ferimentos e lesões por todo o corpo. Estava arrebentada na parte posterior do crânio. No colo e no pescoço havia um enorme hematoma roxo, resultado do estrangulamento. Entre o tórax e a barriga, outra grande mancha escura, possivelmente por conta e uma hemorragia interna, talvez consequência de um pisão ou de pontapés.
Assim foi o holocausto de Hiromi Sato.
Ela não tinha ferimentos nas mãos. Nem unhas quebradas. Isso seria típico de quem tentou se defender. O marido assassino, bem maior e mais pesado do que ela, não apresentava um único arranhão que se saiba. Hiró não pode se defender. Ou não teve tempo. Ou não estava consciente. Talvez a pancada na cabeça a tenha desacordado. E o massacre veio depois, covardemente.
Os dois se conheciam há uns trinta anos, trabalharam juntos. Mas estavam casados há pouco tempo. Talvez uns dois anos. Sérgio disse que era apaixonado e a matou por ciúmes de um antigo namorado. Nem o calçamento de pedra do cemitério acredita nisso.
Eu gostava do Sérgio. Era um cara brincalhão, divertido, piadista. Contava histórias de suas viagens, citava poesias de memória. Falava um inglês macarrônico, porém corretíssimo. Quando bebia – e o sujeito bebia muito -, mancava ainda mais da perna direita e ficava mais engraçado. Sérgio e Hiromi estiveram na minha casa várias vezes. Mariê e eu os recebíamos com satisfação. Nunca vi um gesto que fosse de agressividade entre eles. Mas Hiromi foi morta a pancadas. E o Sérgio que eu conhecia se dissolveu numa névoa de malignidade. Para mim, o monstro apareceu de repente, no último fim de semana. Agora só o vejo pela televisão e nas fotos dos jornais. Está calmo e distanciado. Traz no rosto uma arrogância inexplicável. O policial que o prendeu contou que estava sentado no sofá da sala assistindo a TV. Enquanto a mulher, caída no chão do quarto e quase nua, queimava o seu último carma. De Sérgio, os vizinhos falam barbaridades. Inclusive que correu com uma faca atrás de uma das suas ex-mulheres. Têm medo dele. Nós não sabíamos dessas coisas. Tinha até outras passagens pela polícia.
Algemado e sendo colocado no camburão da polícia, diante das câmeras, falou aos repórteres sumariamente: “não tenho nada a dizer”.
A confusão no apartamento da Rua Pará começou na sexta-feira. Os viszinhos ouviram gritos e coisas se quebrando. Os vizinhos – repito – tiveram dificuldade para dormir, tão grande foi a barulheira. E os desentendimentos continuaram na madrugada do sábado. Depois, o silêncio sinistro. Todos nós achamos que foi aí que ela morreu. Por volta da meia-noite de domingo para segunda, a filha do Sérgio chegou de viagem. Juliana telefonou para o apartamento e o pai teria dito a ela: “venha rápido para cá, porque fiz uma grande bobagem”. Imaginem: uma bobagem. Hiró já estava morta. Há quanto tempo, não se sabe.
Sérgio não fez qualquer tentativa de pedir ajuda para a mulher. Curioso: o porteiro reparou que ele saiu do prédio duas vezes. Mas não pediu socorro a ninguém. Foi comer alguma coisa? Quem sabe um cinema? Ou comprar outra garrafa de uísque? Ninguém sabe.
Ao chegar à cena do crime, Juliana ligou para Tomi, irmã da mulher trucidada. Disse que era preciso chamar uma ambulância, porque Hiromi “está muito mal”. Tomi ligou e disparou em seu carro para o apartamento de Higienópolis, imaginando que fosse uma crise glicêmica da irmã diabética. Mas, como sabemos, Hiromi já era. Tomi viu o corpo da irmã jogado no chão, ensanguentado. Ao chegar ao apartamento, os paramédicos que lá estavam já haviam se dado conta de que era um homicídio e chamaram a polícia.
Este é – resumidamente – o roteiro da tragédia que caiu sobre todos nós no último fim de semana. É o texto de uma violência desmedida que nos deixa sem saídas. Espero que os juízes que vão decidir o caso tenham piedade de nós. Tenham pena de nós, que ficamos por aqui.
Para a pequena Hiromi, que tinha mãos de criança, desejo a luz e um silêncio delicado que possa lavar seus gritos em nossas mentes. E deixar só o sorriso fácil e meio tímido.
A você, Sérgio, desejo sinceramente que apodreça no fundo de uma cela. E que nunca mais veja a luz do sol.
Muito lindo o texto, pai! Me emocionei muito lendo o que você escreveu, mas ao mesmo tempo fica aquele aperto ruim, medo e revolta. Eu espero que esse cara pague da maneira correta: apodrecendo na cadeia.
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Infelizmente nossa justiça é corrupta, o sem-vergonha já está em casa, em prisão domiciliar. Nossa amiga Hiromi morreu e sua morte ficará impune!
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Oi, Carlos
Parabéns pelo seu texto sobre a Hiromi. Ao lado da descrição jornalística dos fatos, dos detalhes bárbaros do crime – alguns dos quais eu não tinha conhecimento ainda – há também uma carga de emoção que o torna belo e comovente, apesar de toda a tragédia contida nele.
Myrian Sassaki
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o CANALHA já tá na rua….
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Bom dia pessoal,
Depois de ter ficado em uma “clínica de repouso” agora o MONSTRO esta no conforto do lar dele, lar esse onde assassinou minha amiga!
Fui por mais de 20 anos e sou amiga da Hiromi. Indignada como todos e em contato com a família e promotora estamos organizando uma manifestação para que a impunidade não prevaleça como sempre nesse país! …… Precisamos de mais vozes ….. a participação de um numero grande de pessoas é essencial para sermos ouvidos. Peço ajuda de todos, da forma que for possível …..
nancydeoliveira1@gmail.com
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