Impeachment não é golpe. O golpe está na trama montada para derrubar o governo de qualquer maneira. Envolve a grande mídia, parte do judiciário, a elite econômica e a maioria do Congresso conservador e oportunista. E a classe média vai na onda.

impeachment 33

Sob protestos, OAB pede impeachment de Dilma. Imagem Globonews

                                   A velha raposa da política fluminense, o jornalista Carlos Lacerda, o maior inimigo de Vargas e de Jango, já dizia: não dá para governar este país sem a classe média. A classe média (ou pequena-burguesia, como diziam os clássicos) tem horror de olhar para baixo na escala social. Ela se identifica com o andar de cima. Deseja subir na vida de qualquer maneira e se torna prisioneira da propaganda e da sociedade de consumo. Qualquer moda pega. Pode ser até jogar um balde de gelo na cabeça. No Brasil, porém, é o segmento mais ativo politicamente.

                                   É a classe média que compra e leva às ruas a opinião que vem ”de cima”, daqueles que supostamente “chagaram lá”. Tem sido assim ao longo da história brasileira: esteve no centro dos movimentos militares, como o tenentismo e outros; amava JK e temia Jango, supostamente um comunista desvairado, identificado com o povinho lá de baixo; apoiou o golpe de 1964 e depois lutou contra ele; aplaudiu a redemocratização, mas elegeu Collor (quem confiscou a poupança não foram os comunistas); depois, entre divertida e furiosa, pintou a cara; teve em FHC uma espécie de guru, mas aderiu ao PT e consagrou Lula, que teve 87% de aprovação. E o metalúrgico nordestino, quanto mais ampliou a classe média e aumentou a escolaridade, especialmente com distribuição de renda, mais inimigos arrumou.  

impeachmet 09

Eduardo Cunha: esquecido na discussão do impeachment.

                                   Nas últimas eleições proporcionais, a classe média construiu um Parlamento de maioria conservadora e reacionária, repleto de cunhas, bolsonaros e felicianos. Eles foram votados na classe média urbana. Agora, altamente sugestionada pelas elites, vai derrubar Dilma Rousseff e execrar o PT e as esquerdas por um longo período de tempo. Depois muda de novo, ao sabor das novidades. Vive de uma unanimidade ocasional. Sempre.  

                                   Apesar dos 31 anos de democracia pós-ditadura, a sociedade brasileira não foi capaz de criar os mecanismos políticos reguladores. Não tem grandes organizações populares, capazes de impedir soluções que desconsiderem os interesses nacionais, como agora. As centrais sindicais não possuem articulações para fazer diferença na crise. Aqui, o sindicalismo de resultados excluiu uma coisa que já se chamou de consciência política. Parar o país? Nem pensar. Quem para o país é o patronato ligado aos transportes. E os movimentos do campo, como o MST, perderam o foco há muito tempo, tanto que não se fala mais em reforma agrária, substituída que foi pelo apelido de sustentabilidade. Sobre a posse da terra, em tempos de mecanização e tecnologia agrária, não se diz mais nada.

                                   Neste cenário, quem aparece? A classe média. Vai para as ruas como quem vai ao estádio. Pura festa. No carnaval deste ano, lançou-se à folia como se não houvesse amanhã. E foi ainda no mês passado, quando o  desastre econômico campeava. Mas também não é organizada, a não ser pelas redes sociais. Não tem lideranças, a ponto de não se saber com quem negociar. Nem Aécio, nem Bolsonaro conseguiram falar às multidões. E onde essa classe média busca inspiração? Na mídia. Especialmente na televisão e na Internet. Ouvimos no botequim aquilo mesmo que o comentarista de TV disse na véspera. A classe média fica falando consigo mesma, no bar ou na Web. E nada melhor do que parecer bem informado. Mas, informado por quem? Não há nenhuma interação de classes. Classes, o que é mesmo isso?

aécio

Cadê o Aécio? Por que sumiu?

                                   Se houvesse um amplo plebiscito nacional para saber se o impeachment de Dilma é justo ou não, haveria um empate. A classe média representa mais ou menos a metade dos eleitores. Há milhões que não se manifestam e que votariam não. Mas quem aparece, como sempre, é a classe média, colorida e barulhenta. Quando houve o plebiscito do desarmamento, o povão votou pelo não. Porque é lá embaixo, na base da sociedade, que a violência é maior. O povão (e parte da classe média) achou que o cidadão comum tinha direito de defender a família.

                                   A classe média tem um comportamento político pendular. Vai do ódio a Jango à resistência armada desabrida contra a ditadura. E erra muito, como está errando agora. Quer – e provavelmente vai – derrubar o governo. Mas não sabe o que virá em seguida. Passeando pelo Facebook, tenho visto: “primeiro a gente tira a Dilma – depois a gente vê”. E as pessoas parecem não se dar conta de que o impeachment está sendo conduzido por um Congresso repleto de aproveitadores, muitos dos quais acusados de crimes. E será pela via indireta, sem povo. Já não tínhamos superado isso? Por que não se grita: “plebiscito, já!”.

                                   Seguindo o trio elétrico, sorridentes e borbulhantes, caminhamos para o caos. Quem se importa?

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
Esse post foi publicado em Politica e sociedade. Bookmark o link permanente.

8 respostas para Impeachment não é golpe. O golpe está na trama montada para derrubar o governo de qualquer maneira. Envolve a grande mídia, parte do judiciário, a elite econômica e a maioria do Congresso conservador e oportunista. E a classe média vai na onda.

  1. José Antonio Severo disse:

    • Amorim: você está certo. A palavra “golpe” está sendo empregada com muita liberalidade. O mais certo é “deposição”. Em tese, no estado de direito, todos os poderosos podem ser depostos. É preciso observar as leis e atender à garantias. Neste caso brasileiro, a presidente Diloma Rousseff está no poder seguindo as normas constitucionais. Para ser deposta é preciso que sejam observadas determinadas condições. Neste caso em pauta, ela é acusada de crime de reponsabilidade. Quem acusa é o poder Legislativo. Quem dá a palavra final é o Judiciário, ou seja, o Supremo Tribunal Federal. Se o STF disser que o processo é legal e reconhece o crime, a presidente estará fora do poder. Há um rito: primeiro o poder político, o Legislativo, diz que ela deve ser processada. Esta a fase atual em debate na comissão da Câmara. Quando sair o relatório da comissão, sed negativo, Dilma pode impugnar seu texto e, com um mandato de segurança, impedir liminarmente que o mesmo seja votado no plenário. Este será o primeiro embate, até ser julgado o mérito. Se não há crime, não há julgamento. Antes de o processo chegar à sua primeira fase já irá para uma batalha judicial que pode levar meses. Esta seria uma situação confortável para a oposição, chegando às eleições de outubro com a presidente sangrando, pendurada num processo político, chefiado um estado cujo governo estará entregue ao ex-presidente Lula. Este terá de convencer o País de que é ele que manda, para assim com sua credibilidade retomar o crescimento da economia. Como a crise é de confiança e o sistema econômico confia em Lula, ele é chave para debelar o desemprego, que é a crise mais devastadora para o poder político da presidente e de seu governo neste momento

    Curtir

  2. Andre Krauss disse:

    “É a classe média que compra e leva às ruas a opinião que vem ”de cima”, daqueles que supostamente “chagaram lá”.”
    Sério isso? No século XXI? Marilena Chauí escrevendo aqui?

    Curtir

    • Carlos Amorim disse:

      André.
      Obrigado pelo comentário. Continue participando do nosso site.
      O que atesta a liberdade de expressão numa sociedade democrática não é a opinião de uma pessoa ou de um segmento. Esta liberdade está na pluralidade de opiniões. Respeito a sua. Sim: o problema de classe continua no século 21.
      Forte abraço,
      Camorim

      Curtir

      • Andre Krauss disse:

        Defenderei até o último fio de cabelo o seu direito de opinar diferentemente de mim. Não concordo com a luta de classes, creio que é um conceito há muito ultrapassado e comprovado na prática que o ser humano não tem a capacidade de se entregar “pelo social” – é sempre corrompido no processo.

        Conheci se trabalho lendo e gostando muito da sua abordagem no CV_PCC que era desvinculado da política. Continuarei a lê-lo aqui porque gosto do seu estilo e até mesmo para ver opiniões “do outro lado”.

        Serei “pentelho” às vezes…

        Um abraço.

        Curtir

  3. Diana disse:

    De acordo com o André.Esse comentário vindo de um militante de classe média…q lutou pela democracia…. q agora esquece de defender… preferindo teorias da conspiração à factos.

    Não entendo. Nunca entenderei.

    Como defende um governo corrupto q quebrou o Brasil?

    Por não ter melhor, deixamos a Dilma e PT roubar???

    Inacreditável.

    Curtir

    • Carlos Amorim disse:

      Querida Diana,
      justamente porque lutei pela democracia, a duras penas, aprendi que a defesa da liberdade é uma coisa ampla e que envolve muitas opiniões. Essa história de “vamos derrubar o governo”, vinda da direita ou da esquerda, não me convence mais. O fiel da balança é o povo, não esse Congresso oportunista e venal. É preciso lembrar que este país tem 204 milhões de habitantes. E que está dividido. Minha tarefa, como jornalista, é avaliar todas as vertentes de opinião, incluindo a minha própria, Aqui no site eu canso de esculhambar o governo, apontando os erros, condeno a corrupção, acuso gente poderosa, inclusive no judiciário. Já disse e vou repetir: precisamos de grandes estadistas, não de oportunistas baratos. Devíamos convocar um plebiscito para decidir se vamos ou não convocar novas eleições. Esta seria a saída realmente democrática. Ou você prefere Temer e Cunha no poder?
      Com o carinho de sempre,
      /Camorim

      Curtir

      • Ayr Tavares disse:

        Realmente, está difícil. Precisamos dialogar, mas com ânimos exaltados não dá!
        Minhas observações: Percebo que a sociedade brasileira se dividiu, politicamente, entre os da direita, cujo papel parece ser o de exterminar a esquerda; os da esquerda, cujo papel parece ser o de exterminar a direita. Felizmente, além das pessoas de direita e das pessoas de esquerda, há um terceiro grupo em formação, o grupo das pessoas inteligentes, cujo PAPEL parece ser o de examinar as teses da direita, as antíteses da esquerda e, com o que cada facção tiver de bom, formar sínteses capazes de fazer do Brasil um país economicamente desenvolvido, socialmente justo, politicamente livre a ambientalmente preservado. Como identificar e mobilizar as pessoas inteligentes, eis a questão? Ajude quem puder.
        Ayr

        Curtir

  4. Carlos Amorim disse:

    Caro,
    obrigado pelo comentário. Lúcido. Bem escrito. Correto.
    Sim: precisamos reunir a inteligência brasileira. Assim teremos um país melhor, como você aponta. No entanto, é preciso saber que a corrupção não é um evento petista. É um câncer que vem de tempos imemoriais. Agora está nua, nos jornais, na televisão. Isto, por si só, já é um sinal de que estamos evoluindo, Agora: derrubar um governo tão ruim quanto o da Dilma é fácil. Difícil é encontrar uma saída que faça sentido. Não será com Temer e Cunha, certamente. Deveríamos convocar novas eleições. Essa é a minha opinião. Não sou eleitor do PT. Não tenho financiadores. Vivo da palavra impressa, nos meus livros e nos meus projetos para cinema e TV,
    Forte abraço,
    Camorim

    Curtir

Deixe um comentário