Tributo ao repórter: Marcelo Rezende foi um bom companheiro e um jornalista preocupado com o sentido social da profissão. Depois fez outras escolhas. Na minha memória, é o velho Tela Cheia de sempre.

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O repórter Marcelo Rezende. Imagem Record TV.

 

                                   Esta semana publiquei um artigo em Notícias da TV, no portal do UOL dirigido por Daniel Castro. Contei duas histórias que compartilhei com Marcelo Rezende na TV Globo. Reproduzo, a seguir, o texto original.    

“Marcelo Rezende gostava de aventuras e de correr perigo.

 Marcelo Rezende era um tanto gordo, até barrigudo. O rosto redondo e os cabelos ralos justificavam o apelido que demos a ele: Tela Cheia. Era um repórter agressivo, de voz rouca, em português rústico. Mas a aparência, um tanto grosseira, escondia um jornalista determinado e consciente do papel social da profissão.

Nos conhecemos em O Globo, onde ele cuidava de assuntos ligados ao esporte. No diário carioca, ele desenvolveu uma linguagem simples, mas sempre focada em notícias explosivas. Marcelo tinha esta mania de exclusividade nas coisas que fazia. Anos depois, nos reencontramos na TV Globo.

Fui diretor de jornalismo da emissora no Rio de Janeiro, no início dos anos de 1990, quando ele trabalhava diretamente comigo em reportagens especiais. Por ocasião do sequestro do empresário Roberto Medina, dono da Artplan e criador do Rock in Rio, Marcelo protagonizou uma caçada implacável aos sequestradores.

Certo dia, após a exibição do JN, o repórter sentou-se na minha frente, na Editoria Rio, e me contou uma história extraordinária: havia descoberto o paradeiro dos sequestradores de Medina. Os detalhes da investigação eram extremamente complexos e não cabe detalhar aqui todos as ranhuras da investigação, por que a história seria longa demais.

Marcelo, me olhando fixamente, como era de seu estilo, me disse: “Os sequestradores estão em Assunção do Paraguai e eu tenho o endereço. Quero ir até lá com uma equipe de policiais e um cinegrafista. Preciso de um avião fretado e que tudo fique em segredo absoluto”. Eu peguei o telefone e liguei para o diretor da Central Globo de Jornalismo, à época, Alberico de Souza Cruz. Disse ao nosso chefe maior que sabíamos onde estavam os sequestradores, em busca de autorização para gastar uma boa grana e realizar uma operação clandestina, não reconhecida pelos governos brasileiro ou paraguaio.

Era mesmo uma aventura, que poderia ter resultados desastrosos, como de fato teve. Mesmo assim, fui autorizado a prosseguir na empreitada. Marcelo Rezende e o cinegrafista, além dos policiais civis do Rio, chegaram em um voo fretado. A falta de uma justificativa para a viagem, despertou o interesse das autoridades paraguaias.

Quando ele e a equipe chegaram ao aeroporto de Assunção, faziam de conta que não se conheciam. Andavam separados. Mas o destino conspirou contra eles: a primeira pessoa que Marcelo Rezende viu no saguão de desembarque foi exatamente um dos sequestradores. E o cara disse para ele: “Eu conheço você. É um daqueles repórteres da TV Globo”. Ele desconversou e disse que estava de férias. O encontro se desfez rapidamente.

Marcelo, o cinegrafista e os policiais se hospedaram em um pequeno hotel próximo ao endereço conhecido dos criminosos, num bairro residencial de Assunção. Combinaram que o ataque seria no dia seguinte, pela manhã. Deu tudo certo. Aparentemente.

A equipe da polícia do Rio, totalmente desarmada, invadiu o endereço dos sequestradores e deteve três deles. No grito. Os homens não ofereceram nenhuma resistência. Mas o projeto estava totalmente prejudicado. A guarda nacional paraguaia, comandada pelo General Sanches, já havia apreendido o avião no aeroporto, prendido o piloto da TAM e seguia discretamente o grupo de brasileiros.

Quando todos eles voltavam para o aeroporto, foram cercados por um enorme grupo de policiais paraguaios. Receberam voz de prisão e foram levados para uma instalação militar desconhecida do grande público, onde a ditadura do governo de Alfredo Strossner, já havia cometido muitas atrocidades. No quartel, o General Sanches, os acusou de terrorismo, pirataria aérea e sequestro.

A partir deste momento, criou-se um enorme impasse diplomático entre Brasília e Assunção: uma equipe da TV Globo, acompanhada de policiais, desaparecera na capital do Paraguai. Um jato da TAM estava arrestado e a tripulação presa. Quando soube do desaparecimento de todos eles, entrei em contato com a alta direção da Globo para tentar algumas providências.

A emissora falou com o então presidente Fernando Collor sobre o incidente e eu fiz contato com o governador do Paraná, Álvaro Dias, para iniciar uma negociação que trouxesse de volta nossos repórteres e os policiais cariocas. O governador Álvaro Dias, até pela proximidade das fronteiras, mantinha estreitas relações com o governo paraguaio. Toda esta gestão diplomática resultou na liberação dos brasileiros, na permissão de que os presos fossem libertados e que os sequestradores fossem repatriados ao Brasil, sem nenhum processo de extradição. Foi um acordo entre governos.

Mas o general Sanches, comandante da Guarda Nacional, não ficou nada satisfeito. Mandou apreender todas as fitas gravadas, desde a saída no Rio de Janeiro, até a prisão dos criminosos. Só que no Paraguai não havia, naquela época, equipamentos de reprodução de áudio e vídeo Sony Beta. Então a polícia aceitou a entrega de algumas fitas sem saber o que havia dentro delas. Marcelo Resende entregou ao general Sanches alguns shows da Xuxa e arquivos sem nenhum valor. Todas as gravações daquela aventura sobreviveram.

Marcelo Resende, câmera, os policiais e os presos chegaram ao Rio de Janeiro na madrugada de sábado para domingo, a bordo do jatinho da TAM, também liberado. O meu problema era editar o extenso material gravado e colocar no ar no Fantástico daquele domingo. Ninguém dormiu naquela noite.

O material, com 26 minutos de duração, foi exibido. Mas só ficou pronto quando o Fantástico já estava indo ao ar. Foi uma das maiores audiências já registradas, além de um furo de reportagem notável. O trabalho exigiu nervos de aço, como diria Lupicínio Rodrigues na música famosa.

Mas esta não foi a única vez que eu e Marcelo Rezende tivemos aventuras na TV Globo. Em 1991, quando participei da direção do Rock in Rio II, tive a ideia de abrir a cobertura do festival com uma imagem aérea do Maracanã, onde havia um anel de luzes de neon azul sobre o estádio. A imagem seria mostrando de helicóptero, justamente com o repórter Marcelo Rezende, que diria no ar: “Vai começar o maior show de rock do planeta”. Alguns minutos antes da transmissão, onde eu fazia o controle mestre do evento, com o Roberto Talma e Boninho, encarregados do corte do show, o repórter Marcelo Rezende me informou pelo rádio que havia uma pane hidráulica no helicóptero. Respondi: “Só preciso que vocês fiquem aí por mais 30 segundos”.

E Marcelo acrescentou, num tom dramático: “Nós vamos cair”. Naquela eletricidade de abertura do festival, eu disse a ele: “Se cair, caia gravando”. Deu tudo certo na abertura do Rock in Rio II. Mas o helicóptero fez um pouse de emergência no aeroporto Santos Dumont. De fato, havia o risco de um desastre.

Esse foi o Marcelo Rezende que conheci. O cara gostava do perigo. Foi autor de reportagens notáveis na Globo. Depois fez escolhas diferentes. Mas, na minha memória, é o velho Tela Cheia de sempre”.   

 

 

 

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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Uma resposta para Tributo ao repórter: Marcelo Rezende foi um bom companheiro e um jornalista preocupado com o sentido social da profissão. Depois fez outras escolhas. Na minha memória, é o velho Tela Cheia de sempre.

  1. Parabéns Carlos Amorim pelo Ótimo Blog e também pela grande matéria sobre o Jornalista Marcelo Rezende – que fez história no Jornalismo Brasileiro, agora A Associação Brasileira de Imprensa ( ABI ) – Rio de Janeiro – Brasil, O Presidente Atual da Abi – O Jornalista Domingos Meirelles, Divulgou no Site da ABI Um Comunicado super enaltecedor sobre a perda do Jornalista Marcelo Rezende, O Qual não Sabemos se o mesmo era um filiado / associado da ABI – O que vale agora e que A ABI Fez uma Homenagem Merecedora ao Marcelo Rezende. São Paulo, setembro de 2017.

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