Recentemente, em entrevista à revista Veja (Páginas Amarelas de 7 de julho), o presidente da Suprema Corte, ministro Cezar Peluso, declarou: “Quem pode pagar os serviços de bons advogados, consegue chegar ao Supremo Tribunal Federal. Os outros não conseguem. Isso se chama, na prática, iniqüidade. Casos iguais, tratamentos diferentes”. Com essa frase simples, porém de complexa profundidade, o ministro Peluso escancara o problema da Justiça no país. Indiretamente, ele confirma uma das teses mais importantes do meu novo livro, o “Assalto ao Poder”, que acaba de ser publicado pela Editora Record: a dissimetria de classe na prática da Justiça e a influência do poder econômico em seus resultados.
Já estamos carecas de saber que a Lei se abate com extremo rigor sobre os desprotegidos. Pobres e ricos vão para a cadeia em nosso país, mas somente os primeiros ficam presos e cumprem longas sentenças de encarceramento. Essa é a dissimetria de classe. O Direito no Brasil é baseado nos princípios da ampla defesa e na “presunção da inocência” até a última sentença transitada em julgado. Isto é o que permite que pessoas de posse, as classes abastadas, consigam responder processos em liberdade. E esses processos podem durar toda uma vida. Assim, ficam soltos, apesar de crimes públicos e notórios. Setenta milhões de processos se arrastam pelos corredores do Judiciário, sob o peso da burocracia, incompetência e corrupção. A afirmação é do próprio Conselho Nacional de Justiça.
Os pobres – as chamadas “classes perigosas” – não têm dinheiro para usufruir de todos os recursos da Lei. Esses dependem das Defensorias Públicas, onde os advogados são obrigados a lidar com dezenas de milhares de processos penais ao mesmo tempo. E não conseguem oferecer as condições ideais de defesa a seus clientes. Podem ser dedicados e até competentes, mas faltam os instrumentos para criar uma Justiça mais rápida e eficaz. Resultado: cadeia para os desprotegidos. Outra questão perversa: parte dos condenados, que lotam as prisões – talvez uns 5% deles – já cumpriram suas penas e continuam encarcerados.
Vale observar um dado importante: na sociedade brasileira, as leis são produzidas pelas elites econômicas e políticas, a maior parte das vezes em benefício próprio. Quando foi criado o imposto de renda e a Receita Federal no Brasil dos anos 1920, o Senado aprovou uma lei para que os produtores rurais não pagassem a taxa, sob pretexto de que eram geradores de alimentos. É claro – a maioria do Senado era composta por proprietários de terras. Neste ano de 2010, tanto tempo depois, uma iniciativa popular, apoiada em quase dois milhões de assinaturas, levou ao Legislativo o projeto “Fichas Limpas”, destinado a impedir que políticos com condenações administrativas e criminais pudessem disputar eleições. Quase 40% dos parlamentares estariam incluídos, de uma forma ou de outra, em processos judiciais. Resultado: a iniciativa popular, no Congresso, foi travestida em outra coisa. Virou letra morta. Talvez seja eficaz daqui a muitos anos, quando as sentenças transitarem em julgado. Enquanto isso, os políticos vão dispor de fóruns especiais e outros privilégios que faltam ao cidadão comum. Qualquer brasileiro que atrase prestações de um eletrodoméstico, sem apreciação judicial, fica impedido de obter crédito, apenas porque bancos e financeiras se uniram para “punir” o inadimplente. Mais iniqüidades, quando grandes produtores e industriais devem bilhões de reais aos bancos públicos e aos programas de investimentos.
E assim as coisas vão nesse Patropi sorridente e cheio de iniqüidades. O ministro Peluso tem razão!