Decisão do Supremo Tribunal (STF), em 24 de maio de 2011, mandou para a cadeia o jornalista Antônio Pimenta Neves, 74 anos, assassino confesso de sua ex-namorada, também jornalista, Sandra Gomide, que tentava se livrar dele após um conturbado relacionamento. O crime, ocorrido em 20 de agosto de 2000, se tornou notável porque Pimenta era diretor de redação de um dos maiores jornais do país, o Estado de S. Paulo, cargo através do qual ele influenciava a opinião de uma das mais importantes publicações nacionais. Sandra, repórter de economia do Estadão, ao se envolver com o chefe (e representante dos patrões), viveu um drama tanto pessoal quanto profissional. Primeiro foi demitida, quando anunciou o fim do relacionamento – e depois foi friamente executada com dois tiros de um revólver calibre 38, arma emprestada por um amigo de Pimenta.
O revólver utilizado no crime estava carregado com munição “hollow point” (ponta oca), que produz enorme estrago ao atingir o alvo. A pobre Sandra não teve nenhuma chance de defesa. Levou o primeiro tiro nas costas, na altura do pulmão direito. O segundo disparo foi na nuca, um tiro devastador, à queima roupa. Naquele mesmo dia, o jornalista Pimenta Neves almoçara com os pais da ex-namorada, enquanto aguardava a chegada da vítima, o que caracterizou a premeditação, como se não bastasse ter pedido a arma emprestada a um amigo. Preso logo depois, confessou o crime e ficou recolhido a um presídio por sete meses. Seus bons advogados conseguiram que respondesse ao processo em liberdade. Condenado pelo Tribunal do Júri mais de cinco anos depois, continuou livre para responder pelo assassinato, com base em uma série de apelações (20, ao todo), que o mantiveram longe da cadeia. Entre outras coisas, a pena inicial de 19 anos de reclusão foi reduzida para 15. O artigo 121 do Código Penal, parágrafos 2 e 4 (homicídio por motivo torpe e meio cruel), prevê penas de 12 a 30 anos de prisão. Réu primário e de bons antecedentes, tendo cometido o crime “sob forte emoção” (um tipo de insanidade temporária, alegada por seus advogados), Pimenta Neves pegou pena leve para o delito. O jornalista emboscou Sandra Gomide, atirou pelas costas com arma e munição letais. Um crime covarde. Antes de morrer, segundo testemunha, Sandra ainda gritou: “Não, Pimenta, não”, revelando surpresa e indignação.
Com a decisão do STF, Pimenta Neves foi finalmente mandado para o Presídio de Tremembé, no interior de São Paulo, onde vai conviver com presos de alta periculosidade, porém de bom comportamento. Vai para a prisão, sem mais recurso, onze anos após o crime. Terá de cumprir dois anos e meio em regime fechado, antes de pleitear progressão de pen a e regime semiaberto. O sistema é tão falho, que o próprio Pimenta Neves declarou aos jornalistas que preferia ter cumprido a pena desde o início, porque já estaria em fase de liberdade condicional. O caso se tornou um dos ícones da impunidade no Brasil, revoltando o próprio ministro presidente do STF, Cezar Peluso, que classificou a situação de “vergonhosa”. Pimenta Neves já esperava por isso, tanto que há dias mantinha em casa uma mala pronta para levar à penitenciária.
Jornalista renomado, Pimenta, como o nome já indica, era um crítico ácido da imprensa, especialmente de seu jornal. Ele chegou a comentar a cobertura do próprio crime: “a Folha cobriu muito melhor”. Na mala, o jornalista levava um livro sobre direito criminal e execução penal, que estava estudando. E esta questão legal é justamente o cerne do nosso problema. Para os criminosos ricos e abastados, que podem pagar bons advogados, a legislação brasileira oferece uma série quase infindável de recursos protelatórios, que entulham os tribunais e fazem os processos se arrastar por vinte ou trinta anos. Os réus se tornam, na prática, inimputáveis. Coisa muito diferente acontece com os chamados “pobres, pretos e favelados”, que constituem a maior parta da massa carcerária. Esses ficam atrás das grades, confinados a um sistema penal desumano e deseducador, baseado no castigo e na violência. O sujeito chega ladrão (70% dos presos cometeram um único crime contra o patrimônio; 5% deles já cumpriram suas penas e continuam encarcerados) e sai chefe de quadrilha e membro de facções. Em alguns lugares, como no Espírito Santo, prisioneiros são mantidos em contêineres metálicos superlotados, sob verão inclemente. Tal brutalidade não acontecia nem em Auschwitz.
A revisão dos códigos legais, necessária no Brasil, depende do Congresso Nacional, que há décadas adia o aprimoramento das leis. Por que? Porque é matéria complexa, certamente, mas também porque os parlamentares (40% respondem a inquéritos e processos) não gostam da ideia de melhorar a legislação, que pode atingi-los em seus próprios crimes. Modernizar as leis – para eles – significa “criar uma jararaca no quintal”. Não é novidade para ninguém que a atividade política no Brasil está criminalizada de alto a baixo. E o que fazer? De um ponto de vista histórico, só a ação da sociedade organizada consegue exercer a pressão necessária para as reformar, por meio de organizações populares, como centrais sindicais, partidos políticos alternativos, associações de moradores etc. Mas isso leva muito tempo – e mais uma vez vai depender do Congresso.
Parece um círculo vicioso. E é, na verdade. Mas há um instrumento fortíssimo à disposição de qualquer cidadão: o voto. No regime democrático, votar é a arma do povo contra os desmandos de governantes e políticos. No Brasil, a cada dois anos, temos a oportunidade de “julgar” os políticos, em todos os níveis, do vereador ao presidente, alternadamente. Nos últimos 30 anos, nota-se uma elevação da qualidade do voto: políticos-bandidos têm desaparecido – poucos, mas têm; alguns mandatos foram cassados por falta de decoro; certos parlamentares chegaram aos tribunais e até à cadeia, que também atingiu uma meia dúzia de empresários e banqueiros. O aprimoramento das instituições resulta na eliminação dos aproveitadores. E tudo isso depende do voto. Vamos demorar mais 30 anos, mas podemos banir essa corja.
recurso do Pimenta ficou 3 anos e meio só no Supremo, e ests dias saiu a notícia de u muturão por lá que leva em conta o ” clamor público ” que o caso desperta. Já o assistente da acusação, contratado pelo pai da jornalista assasinada, o advogado Arbex ( filho da ex deputada Zulaiê Cobra Ribeiro ) disse que o problema não é o número de recursos que se interpôs no caso Pimenta (20 recursos ) mas sim a demora em julgar cada um deles. Cara de pau acende uma vela para deus (realmente a demora é bizarra ) e outra para o diabo … já que criminalista de carreira advoga para muitos réus e não quer deixar de protelar sempre que precisar.
Se o assistente de acusação é assim o que não dizer destas bancadas no Congresso Nacional; ou olha só a composição; desse jeito a esperança de alterarem as leis processuais penais realmente é pequena:
http://forum.portaldovt.com.br/forum/index.php?showtopic=127807
Outro dia a Maria Gabriela entrevistou um psiquiatra que disse que por falta de medicção acontecem 60% dos homicídios passionais; por outro lado tem muitos casos ( e o Pimenta diz isso ) onde o crime acontece porque se interrompeu a medicação tarja preta.
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Caro Roberto:
boa observação sobre os chamados crimes de violenta emoção e a medicação. Não vi a entrevista da Marilia Gabriela, mas acredito no que disse o médico.
No entanto, mais uma vez, isso se aplica a quem pode consultar um psiquiatra, mesmo no serviço público, e utilizar as drogas certas. Como diria o Elio Gaspari, paa “a patuléia em geral”, o remédio mesmo é a pinga. Às vezes o cara só não mata porque está bêbado demais.
No Brasil, a violência contra a mulher é uma epidemia, infelizmente.
Abs
Camorim
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amanhã, quarta feira, no SBT, às 22:30, o programa ” Conexão Repórter ” vai tratar da questão – justiça para os pobres e justiça para os ricos e o racismo.
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Boa pauta! É muito raro ver esse tema na TV aberta.
Depois comentamos.
Abs
Camorim
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