Brasil negocia libertação de reféns das FARCs

A presidente Dilma Rousseff está ajudando a negociar a libertação de reféns capturados pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs), tendo autorizado o Itamaraty e o Ministério da Defesa a fazer contato com os guerrilheiros colombianos para pôr fim a este triste capítulo na guerra civil do país vizinho. Recentemente, os líderes da guerrilha anunciaram a libertação de dez militares e policiais capturados há mais de dez anos. Um comunicado do Alto Comando das FARCs, publicado na Internet (farcep.wordpress.com) confirmou a participação brasileira nas negociações. Neste mesmo comunicado, a guerrilha anunciou que havia desistido dos sequestros como forma de atuação política.

Os meios de comunicação internacionais, inclusive brasileiros, especulam que ainda há entre 400 e 700 civis reféns das FARCs, escondidos em acampamentos no interior da selva colombiana (região amazônica) e nas montanhas. O grupo, fundado em 1964 por Manuel Marulanda Vélez, o “Tiro Fijo” (Tiro Certeiro), chegou a controlar um terço do país, instalando “governos revolucionários” locais. Atualmente, opera em metade da Colômbia, mas sofreu sérios revezes, incluindo a morte de seus principais dirigentes, como o próprio Marulanda, vítima de um infarto fulminante. Raul Reis, o número dois das FARCs, morreu num ataque aéreo na região de fronteiras entre a Colômbia e o Equador. Ivan Rios, o número três, foi fuzilado em seu próprio acampamento. E o último comandante conhecido das FARCs, Alfonso Cano, também morreu num bombardeio.

Em seus melhores momentos, o grupo guerrilheiro chegou a ter 20 mil homens e mulheres, além de um contingente desconhecido de colaboradores e simpatizantes. Agora tem em torno de 14 mil, de acordo com um representante das FARCs que atua em nosso país como uma espécie de “embaixador” e cuja presença entre nós é tolerada desde o segundo governo FHC. No entanto, o exército colombiano tem obtido seguidas vitórias contra a guerrilha, especialmente em razão do Plano Colômbia, um acordo militar com os Estados Unidos, que investiram mais de 5 bilhões de dólares no país e forneceram instrutores e pilotos, à semelhança do que aconteceu no início da guerra do Vietnã.

O governo brasileiro não classifica as FARCs como grupo terrorista, como preferem os americanos, que também as chamam de “narcoguerrilha”, denominação adotada pela mídia. Para os nossos governantes, a guerrilha é considerada “parte beligerante”, ou “parte de guerra”, o que para a diplomacia significa que é uma das partes envolvidas num conflito aberto, merecendo tratamento igual às outras partes. Washington critica a posição brasileira, mas é ela que nos dá os instrumentos de negociação com os guerrilheiros, de um ponto de vista humanitário. Nossa política externa é pela “autodeterminação dos povos” e pela neutralidade, participando exclusivamente de missões de paz, como no Haiti e no Timor Leste. Libertar reféns na Colômbia, fornecendo helicópteros e tripulação militar, faz parte dessa política.

Acreditar na derrota militar das FARCs foi um sonho de George W. Bush, criador do Plano Colômbia. Ao tomar posse, os assessores de Barak Obama recomendaram o abandono do projeto, considerado “um fracasso total”. Mas a pressão do Pentágono fez com que o presidente dos Estados Unidos mantivesse o programa, agora ampliado com a construção de bases aéreas em território colombiano. Observadores independentes afirmam que serão sete bases – outros garantem que serão quinze. Parece que os americanos não aprenderam as lições do Vietnã.

As FARCs são a última guerrilha comunista das Américas. Os guerrilheiros, autointitulados “Exército do Povo”, se definem como “revolucionários marxistas-leninistas e bolivarianos”. A bandeira do grupo, com dois fuzis AK-47 cruzados, traz retratos pintados de Karl Marx e Lênin, além de uma estrela vermelha com a foice e o martelo. Num documentário que fiz para a Band (pela primeira vez uma câmera e um repórter brasileiros iam ao coração da guerrilha), o comandante Ivan Rios dizia: “somos uma alternativa legítima de poder na Colômbia”. Ele morreu anos depois – mas a guerrilha continua. Para nós, que temos uma ex-guerrilheira como presidente, eleita democraticamente e com os maiores índices de aprovação da história, tudo isso soa como um anacronismo. Somos a 6ª. economia do mundo, com os maiores programas de incluso social do planeta. Mas, para os miseráveis colombianos, talvez o discurso das FARCs soe diferente.

Nas fotos abaixo, guerrilheiras das FARCs (centro) em foto publicada pela revista Veja. À esquerda, o comandante Raul Reys. À direita, o comandante Cano Acima do post, uma visão do “exército do povo”..

 

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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2 respostas para Brasil negocia libertação de reféns das FARCs

  1. Cássio disse:

    Realmente, apesar de as FARCs poder ser vista por nós como um anacronismo, para a população de um país que convive tão de perto com o crime organizado, fazendo com que a violência seja algo cotidiano, esta organização pode ser vista como uma alternativa. Espero que o governo possa fazer algo para dar uma opção de vida mais digna para essa população, para que o envolvimento com o tráfico de drogas e com organizações armadas não seja mais uma opção. Mas será que o governo está realmente totalmente desatrelado destes para que venha a ter uma ação realmente eficiente? Acho que não.

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    • Carlos Amorim disse:

      Cassio,
      a situação da Col}ombia é muito triste. Meio século de guerra civil já resultaram em quase um milhão de mortos e um número incontável de feridos e mutilados.
      Cerca de 25% da população tiveram que deixar suas casas e fugir para as grandes cidadesm gerando favelização e mais violência. O narcotráfico controla um terço do país e corrompe toda a sociedade.
      Por seu papel de liderança, o Brasil tem obrigação de ajudar nas negockkações de paz.
      Abração,
      Camorim
      .

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