O processo do “mensalão” não acabou. E o STF ainda pode fazer alguma justiça.

Genoíno se entrega à PF no aniversário da República. Foto Folha.

Genoíno se entrega à PF no aniversário da República.

Após oito anos de marchas e contramarchas no judiciário, a Ação Penal 470, conhecida como o “processo do mensalão”, se aproxima do fim. Mas há os chamados “recursos infringentes” para serem apreciados pela Suprema Corte, o que só deve acontecer na metade do ano que vem, às vésperas das eleições presidenciais e majoritárias. Os últimos recursos se aplicam apenas aos réus que obtiveram quatro votos absolvitórios, entre dez juízes que atuavam do STF. Alguma justiça ainda pode ser feita.
Entre outras coisas, a revisão da punição do deputado José Genoino Neto na acusação de formação de quadrilha. Está condenado a 6 anos e 11 meses de prisão, em regime semiaberto. Se for absolvido do último crime, passa ao sistema aberto de cumprimento da pena, que pode ser substituído por “privação de direitos” – e não mais da “privação de liberdade”. Isso quer dizer: pode pagar multa e prestar serviços comunitários. Conhecendo a história pessoal de Genoino – como conheço – seria mais do que justo. Além do mais, há uma questão humanitária: o deputado, há cerca de dois meses, passou por uma delicadíssima cirurgia cardíaca. Foi implantada no coração dele uma prótese de silicone, com 15 centímetros de comprimento, para corrigir uma falha na artéria aorta. O médico que o operou, Fábio Jatene, chegou a dizer que ele tinha 10% de chances de sobreviver à cirurgia.
Genoino, líder estudantil cearense nos anos 1960, foi preso no desastrado 30º. Congresso da UNE, em Ibiúna (SP). Fugiu. Tornou-se militante clandestino do PCdoB, na época mais feroz da ditadura. Pegou em armas na Guerrilha do Araguaia. Foi preso e torturado pelo Exército. Cumpriu cinco anos de cadeia, em Brasília, São Paulo e Fortaleza. Em 1982, elegeu-se deputado pelo PT. Desde então, ocupou seguidos mandatos na Câmara Federal e chegou a ser o deputado mais votado do país. Também foi eleito presidente do Partido dos Trabalhadores e, nessa condição, foi acusado no processo do “mensalão”. Assinou dois empréstimos em nome do partido, que a acusação garantiu fazerem parte do esquema de corrupção. A defesa disse que era para pagar dívidas de campanhas eleitorais.
A acusação estava baseada numa tese jurídica conhecida como “teoria do domínio do fato”, desenvolvida por um criminalista alemão. Se o cara era presidente do PT, como não saber do esquema de corrupção? No entanto, esse mesmo professor de Direito costumava dizer: “não generalizem as minhas teses”. Garantia que elas podiam se aplicar a alguns casos, mas não a todos. De todo modo, isso não interessa mais, porque a sentença de corrupção contra Genoino já está definida e não volta mais atrás. No caso do deputado, resta o recurso relacionado ao crime de formação de quadrilha. Uma revisão desta pena pode livrá-lo de passar anos trás das grades. E isso, face à doença, pode significar uma sentença de morte.
Conheço o José Genoino. Estive na casa dele algumas vezes, uma modesta residência na Vila Indiana, em São Paulo. Não se parece com um lugar onde viveria um político corrupto. O mobiliário é antigo e desgastado. Não há nenhum luxo. Aliás, o único “tesouro” que vi por lá foi uma vasta coleção de livros de história. Conheço a mulher dele, Rioko Kayano, também guerrilheira no Araguaia. Presa pelo Exército na cidade de Marabá, na zona de combates do sul do Pará, foi torturada e humilhada. Cumpriu três anos de prisão. Apesar de muito pequena e magra, é uma mulher corajosa: foi elogiada até pelos seus torturadores. Genoino e Rioko não ficaram ricos com a política, num país de tantos “malufs” e outros bandidos. Ao contrário. Dedicaram suas vidas à luta contra a ditadura e pela democracia. O país tem uma dívida com esses dois.
Quanto aos outros, não me interessa o destino deles.

Genoíno e a família. Rioko é a da direita, em foto da Folha.

Genoíno e a família. Rioko é a da direita, em foto da Folha.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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6 respostas para O processo do “mensalão” não acabou. E o STF ainda pode fazer alguma justiça.

  1. Alan Souza disse:

    Se Joaquim Barbosa não tivesse inventado o “trânsito parcial em julgado” o Genoíno não precisaria estar agora na cadeia, correndo risco de vida. E se os infringentes dele forem aceitos, ele terá sido preso e corrido risco de vida à toa. Isso enquanto Daniel Dantas continua solto…

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  2. Pedro Tavarez disse:

    Pensar que eu sempre admirei o Sr. Carlos Amorim. Acho que vou mudar de opinião.
    Até onde sei ele não buscava ficar rico, e sim que os projetos do partido fossem aprovados (dessa forma, quem ficava rico eram os outros políticos).

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    • Carlos Amorim disse:

      Caro Pedro,
      Não estou dizendo que a Ação Penal 470 seja desimportante. Ao contrário, é um momento destacado da vida pública brasileira. No entanto, a punição da corrupção não é a mesma coisa que uma “vendeta”. Dentre todos os acusados no mensalão, o único que diferencio é o Genoíno. Eu o conheço e sei que não é nenhum bandido. Acho que o PT errou ao se confundir com os demais partidos. Achou que o primeiro governo Lula não ficaria de pé sem essa famigerada “base aliada”, que é a maior fonte de corrupção e crimes. Penso que ainda vamos levar décadas para nos livrar dessa politicagem ambiciosa e criminal.
      Continue participando.
      Forte abraço,
      Camorim

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      • Pedro Tavarez disse:

        Bom dia Sr. Amorim,
        Acho louvável a atitude do Sr. em vir a público defender o seu amigo (seja esse o real motivo ou algum outro), porém como formador de opinião, referência na área e excelente jornalista investigativo gostaria de ver algo mais palpável.
        O Sr. cita que o PT se confunde com os demais partidos, mas eu vejo uma diferença brutal. Citando o próprio Genoíno ao ser preso ele grita “PT” e não “Brasil” ou “Justiça” (mostrando assim a forma de pensar dos membros do PT), além disso o próprio partido ao invés de expulsar os mensaleiros (como os outros fazem quando se envolvem em casos notórios de corrupção) os abraçou ainda mais. Enquanto os políticos dos outros partidos buscam o benefício próprio, os membros do PT buscam o bem do “partido”.
        Acredito até no fato de que Genoíno de fato acreditasse que o que fazia era algo bom para o país (o inferno está cheio de boas intenções), por isso talvez ele nem considerasse que estivesse cometendo um crime. E não imagino que se soubesse iria comentar algo com alguém (mesmo com um amigo como o Sr.). Afinal, nem todas as pessoas são movidas por dinheiro (por isso não me assusta o fato de ele morar em uma casa modesta – e excluo aqui a possibilidade de haver bens em nome de laranjas, pois se o Sr. o conhece bem acredito que saberia se fosse o caso).
        Não consigo entender a afirmação que fazem de que são presos políticos. Como podem ser presos políticos se há (vou arredondar) 12 anos é o PT que está no poder, e a maioria absoluta no STF foi indicada pelo PT.
        E não me parece também um bom argumento de defesa ele ter sido militante do PC do B ou guerreiro no Araguaia, pois como o Sr. mesmo tão belamente escreveu em seus livros os presos políticos dessa época foram responsáveis pelos maiores flagelos que temos hoje no setor de segurança pública (no Rio e em SP).

        Muito obrigado pela atenção,
        Pedro.

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  3. carlos amorim disse:

    Obrigado pelo comentário. Continue participando.

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