Candidatos não têm propostas para a segurança

Nas principais preocupações dos brasileiros, medidas pelas pesquisas eleitorais, saúde, educação e segurança andam de mãos dadas (IBOPE, 17 de agosto). E se alternam no primeiro lugar entre os dramas do país. Muitas vezes, o medo da violência está no topo da lista. Mas os principais candidatos à Presidência não apresentam propostas claras sobre o tema da insegurança pública, menos ainda quando se trata de definir uma política de longo alcance para deter a violência. De 1970 até hoje, mais de um milhão de pessoas foram assassinadas no Brasil. Duas vezes a mais do que o número total de mortos na guerra civil colombiana – notem que o conflito no país vizinho se iniciou em 1956. Mesmo com um cenário tão terrível, nossos presidenciáveis não se comovem muito.

Dilma Roussef, do PT, elegeu o crack como alvo no quesito segurança: “é uma epidemia entre os jovens”. E nos programas eleitorais promete levar a experiência das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), do Rio de Janeiro para todo o país. As UPPs são tentativas de ocupação de favelas que estavam controladas pelo tráfico. Ao todo, são 12 peças num tabuleiro de mil favelas cariocas. A bem da verdade, trata-se de uma experiência interessante, mas é muito recente (cerca de dois anos) e seus resultados não são claros. Nem de longe as UPPs substituiriam uma política nacional de segurança. Até porque o caso das favelas cariocas é único.

José Serra, do PSDB, fala em criar o “ministério da segurança” e acusa o governo boliviano de cumplicidade com o tráfico, informando aos eleitores, equivocadamente, que 80% da cocaína consumida entre os brasileiros vêm da Bolívia, quando, na verdade, o produtor em larga escala é colombiano. Há uma longa – e tediosa – explicação sobre isso, que evito agora. Serra também promete levar ao Brasil “uma rede de clínicas de tratamento de dependentes químicos”, conforme anuncia em programas eleitorais,  entrevistas e debates, garantindo que a iniciativa de São Paulo será estendida para todos os brasileiros. Ao que consta, São Paulo fracassou redondamente no combate ao tráfico; sequer resolveu o problema da “cracolândia” – uma vergonha exibida diariamente no centro da capital. Sobre uma política de segurança, silêncio total.

Marina Silva, do PV, raramente toca nesse assunto – e os “verdes” defendem a liberação da maconha, que daria início a um processo de descriminalização do uso de drogas. Como evangélica, talvez a candidata não concorde com isso e provavelmente não tenha uma proposta acabada sobre segurança pública. Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, remete o problema ao baixo nível da educação e garante que a questão do tráfico é de saúde pública, confundindo viciados com traficantes, enquanto declara aos jornais que “um baseado não faz mal”. E não se conhece o pensamento dos demais candidatos – e são nove, ao todo.

O Brasil, cujos índices de violência alarmam o mundo e nos colocam num estado de guerra civil não declarada, já teve duas políticas de segurança. A primeira foi o conjunto de leis de exceção da ditadura de Getúlio Vargas (1930-45), especialmente no período conhecido como Estado Novo, após o levante comunista de 1935 e com o chamado “golpe branco” de 37. A segunda foi a Lei de Segurança Nacional do Regime Militar (1964-85), particularmente após o AI-5 (13 de dezembro 1968). Foram políticas de amplo alcance histórico, destinadas a legalizar a violência do Estado contra seus opositores. A prisão ilegal, suspensão do habeas corpus, tortura e assassinatos se tornaram práticas frequentes.

Tais políticas de segurança estavam voltadas à proteção do regime e do grande capital. Não se preocupavam com o cidadão comum, até porque a violência política funcionava como uma tampa que coibia também o crime avulso. Na dúvida, criminosos políticos e bandidos terminavam igualmente na cadeia ou na vala comum. Presos juntos ou enterrados como indigentes. O aparato de repressão era quase onipresente, sufocando tudo e todos.

Agora, passados esses anos de terror, o problema é proteger o cidadão, diante de um quadro de insegurança que ameaça todas as classes sociais. Nos últimos 30 anos, o Brasil moderno abandonou imensas populações à própria sorte. As maiores cidades brasileiras se pauperizou, construiu enormes favelas e bairros sem qualquer tipo de assistência. E neles se instalou o banditismo protagonizado pelo tráfico de drogas. Por que? Porque o tráfico é um tipo de atividade criminosa de baixo risco e de altos lucros, que possibilita grande ocupação de mão de obra, especialmente nas tarefas de infraestrutura, como transporte, “endolação” (separação, pesagem e embalagem) e distribuição. Sem falar na proteção armada a todo esse esquema, que é a parte mais visível para a opinião pública. A infra do tráfico é oculta e não sai no Jornal Nacional.

Nesse cenário de tanto abandono por parte das autoridades, o tráfico se tornou o principal fator econômico nas comunidades pobres. Em segundo lugar, surge o comércio de materiais de construção, porque as favelas e periferias eram de madeira e se tornaram de alvenaria, num processo de autoconstrução que vem desde os anos 1980. E – em terceiro lugar – está o varejo de alimentação, o gás engarrafado e o transporte baseado em vans. Até os bancos já descobriram esse novo mercado e fazem grandes investimentos nas maiores favelas do país, como a Rocinha, no Rio, e Heliópolis e Paraisópolis, em São Paulo. As agências bancárias nessas comunidades nunca foram assaltadas e têm poupança e linhas de crédito para pequenos empreendedores. O pobre tem o maior prazer em possuir um cartão de crédito ou de descontos. Assim se inclui na sociedade de consumo e faz questão de pagar em dia, mesmo que o dinheiro tenha origem ilegal. Como a pirataria, por exemplo, amplamente exposta nos modernos camelôs.

Nossos atuais e futuros governantes não parecem compreender esse cenário, onde o crime organizado e a violência se movem sem qualquer discrição. Em suas campanhas eleitorais, a informalidade, a pirataria e o crime não são considerados. Trata-se, apenas, de acusações pessoais e disputas de currículos. Um dossiê vale mais do que mil palavras sobre esse Brasil que cresce mancando.  E os bons cidadãos, que pagam impostos e penam nas filas do serviço público, continuam esperando uma palavra de salvação – se salvação houver! Sobre uma política de segurança, nada. É melhor mudar de assunto. Mas as urnas vão falar – inclusive com a voz dos milhões de vítimas da violência. Essa voz deve ser implacável!

Depois, nossos intelectuais vão discutir o que foi que o povo quis dizer! E aí, será tarde demais?

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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Uma resposta para Candidatos não têm propostas para a segurança

  1. Joel Paviotti disse:

    Realmente, nenhum candidato quer botar o dedo na ferida! As unicas propostas que se ouve, são relacionadas ao tratamento dos viciados em crack, essa atitude se configura como uma derrota do governo frente ao narcotráfico.
    A industria do trafico, cesce exponencialmente, sem nenhum tipo de regulação, a não ser a lei do revólver que seifa milhares de vidas diariamente!
    Vejo o trafico de drogas como uma industria que emprega aqueles que não tem um emprego descente, os que nasceram e cresceram sem ver seus pais serem dignos de possuir poder de compra! Mas essa industria está buscando profissionais do outro lado da cidade, nos meandros luxuosos da zona sul, só dessa forma o governo tomará providencia contra as drogas e a violência que assolam o país e o continente!
    Enquanto o governo vira as costas para o problema da violencia, o crime organizado faz politicas transformando penitenciarias em Senais e Próunis do crime, infeilzmente é assim caminha a humanidade!
    Por outro lado, o nosso amigo Tiririca cresce nas pesquisas parece que o povo aceita de verdade ser guiado por palhaços!!
    Na politica brasileira hoje, temos três tipos de candidatos, os que querem pegar carona no governo Lula, os antigos sangue sugas e os artistas falidos que querem se encostar nos privilégios de colegiados!
    A semelhança entre esses três tipos::?? Ninguém quer botar o dedo na ferida!

    Na minha sincera opinião, uma das formas mais eficazes de conter a violência, seria uma boa reforma agrária e a diminuição da desigualdade social!

    Carlos, continue escrevendo, sou muito fã do seu trabalho e visito o blog sempre que posso!

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