A experiência colombiana e as UPPs

A Folha de S. Paulo dessa semana publicou uma interessante reportagem sobre a experiência da Colômbia no combate à violência urbana e à criminalidade. Foi na edição de 2 de janeiro, em matéria cujo título já nos informa a importância do assinto: “Modelo de UPP do Rio falha na Colômbia”. É bom lembrar que o projeto de ocupação de favelas e bairros controlados pelo tráfico de drogas na Cidade Maravilhosa começou pela observação do que estavam fazendo os nossos vizinhos. A Colômbia, vítima de uma guerra civil que já dura mais de meio século, com centenas de milhares de mortos e um número jamais calculado de feridos e desabrigados (talvez dois milhões de vítimas e 25% da população “desplazada”, sem moradia em espanhol), desenvolveu, paralelamente à violência política, uma estatística criminal assustadora.

Foi o país mais violento e perigoso do mundo. Nos dois mandatos do presidente Álvaro Uribe (2002-2006 e 2006-2010), recrudesceu o combate à guerrilha comunista (FARCs e ELN), enquanto aumentou a presença de forças militares norte-americanas, por meio do Plano Colômbia, que custou quase 6 bilhões de dólares aos cofres do Tio Sam. Ao mesmo tempo, o narcotráfico aumentou, inclusive com a expansão das lavouras de folhas de coca. Ao redor desse cenário, a criminalidade comum atingiu marcas inacreditáveis. Assaltos no meio das ruas, sequestros, saidinhas de banco, arrastões, invasões de domicílio e homicídios bateram recordes. Enquanto o governo legal tentava se salvar numa guerra de cinco exércitos diferentes, desiguais e antagônicos (as FARCs, o ELN, os paramilitares, o exército oficial e os americanos), os bandidos faziam a festa.

No início do segundo mandato, Uribe reagiu contra o crime comum, enquanto perdia um terço do território nacional para as guerrilhas e outro terço para o narcotráfico e os paramilitares. E o que foi que ele fez? Nas principais cidades do país, especialmente Bogotá, a capital, Medellin, Cartagena e outras, escolheu um enfrentamento direto e brutal. Mandou demolir as favelas, arrasadas por tratores sob a proteção das forças armadas, incluindo tanques e helicópteros. Expulsou os pobres para o interior – e com eles os marginais. Nas localidades devastadas, ergueu quartéis, delegacias de polícia e órgãos judiciárias. Os índices de criminalidade desabaram. Além do mais, as forças de segurança colombianas fizeram o óbvio: um mapa da criminalidade, onde ocorriam as situações mais frequentes, e nesses locais colocaram um aparato desproporcional, a ponto dos guardas de trânsito serem protegidos por blindados leves. Inauguraram também duplas de policiais motoqueiros, sendo que o garupa portava fuzil automático ou metralhadora. Os presos sofriam torturas, entregando seus cúmplices e receptadores. E os índices de criminalidade continuavam caindo.

Uma comissão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) visitou a Colômbia por ocasião desses acontecimentos, estimulada pela queda vertiginosa dos índices de violência. O grupo saiu de lá impressionado com o desrespeito aos direitos humanos e à violação das leis. Conversei com um dos membros do Conselho Federal da OAB, no final do ano passado, e ele me disse: “foi um absurdo, um absurdo”. Esta experiência, apesar de tudo, continha ensinamentos que o governo do Rio resolveu adotar, principalmente no capítulo da ocupação das áreas conflagradas pelo crime e no desenho da “mancha criminal”. Daí surgiram as UPPs. Apesar dos pecados originais, ainda acho cedo condenar a iniciativa. Ao meu ver, as UPPs continuam sendo uma operação repressiva conta as “classes perigosas” – os pobres em geral, confundidos com criminosos. Mas é cedo para julgar.

A matéria da Folha, porém, mostra que as estatísticas da criminalidade voltaram a subir na Colômbia. Apenas uns poucos anos mostraram que ocupar territórios com forças armadas custa muito dinheiro e exige a formação de novos contingentes. É preciso também reformar o aparato policial, combater a corrupção e outras medidas que cobram alto preço político. Estamos no caminho certo? Temos moral para isso? Ao lado das operações militares no Rio de Janeiro, não vejo sinais de que vamos cortar mais fundo. As eleições passaram – e os novos governantes sequer imaginaram uma política de segurança.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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6 respostas para A experiência colombiana e as UPPs

  1. Drummond disse:

    Olá Carlos, tudo bem? Bom é fácil a imprensa dizer que o
    Rio está pacificado, afinal existe uma verba milionária do governo
    Sérgio Cabral para calar a boca da imprensa. Você não vê mais
    notícias de violência, assaltos, etc.. Muita das coisas que você
    sabe sobre a violência na cidade do Rio de Janeiro ou é através de
    jornais de outros estados ou de alguns poucos veículos que não se
    venderam, caso da rádio Band News FM. Só pra citar um exemplo. Esta
    semana houve um arrastão na Lagoa na segunda-feira mais os meios de
    comunicação de massa só divulgaram na quarta-feira. Assim é fácil
    dizer que a cidade está pacificada. Este é só um dos exemplos. O
    que considero mais grave ocorreu dia 31/08/2010, quando a tarde
    houve um tiroteio entre policiais e bandidos na R.Barão da Torre c/
    Vinicius de Moraes, em Ipanema. Em outros tempos tal fato seria
    manchete do Jornal Nacional, pasme, nem no RJTV foi divulgado. A
    mídia nada divulgou, ficamos sabendo da informação através das
    redes sociais (tal fato foi amplamente comentado no fórum do jornal
    o globo),pois no mesmo dia, só que a noite ocorreu um arrastão no
    túnel Zuzu Angel (que liga Gávea-São Conrado), pois bem de inicio a
    secretaria de segurança negou tal fato, dizendo que motoristas
    teriam se assustado com o barulho do escapamento de motos. Porém as
    vítimas começaram a aparecer dando entrevistas pra rádio e tv. A
    SESEG teve que voltar atrás e admitir o arrastão. Aliás este foi o
    primeiro de uma série de muitos arrastões, que o secretário de
    segurança quis minimizar dizendo que não podia considerar um, ou
    dois assaltos como arrastões. Os arrastões que ocorreram no Rio nos
    meses de Agosto,Setembro e Outubro, tinham o modus operandi
    semelhante a aqueles que ocorriam nos principais túneis da cidade
    em 1994/95. Mas como o secretário de segurança chegou a cidade em
    2007, ele certamente desconhece o fato. Eu sempre digo que a UPP a
    medida que for avançando, vai gerar uma explosão de violência no
    asfalto. O fato é que assaltos a coletivos aumentaram e muito
    depois da instalação dos postos da polícia pacificadora nas favelas
    da cidade. A região Serrana, Baixada e região dos Lagos também
    estão sofrendo com a migração de bandidos.

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    • carlos amorim disse:

      Caro,
      Essa experiência de “pacificação” do Rio ainda é muito recente e não se pode afirmar que seja um sucesso. Muita gente deseja que isso aconteça – mas entre desejo e realidade há um abismo.
      Vc tem razão quando diz que a bandidagem, ao sofrer uma repressão muito forte nas capitais, migra para o interior, principalmente regiões turísticas, onde o tráfico já está instalado. É um fenômeno nacional. E mais uma vez demonstra a precariedade do modelo repressivo. Não elimina o problema – apenas o afasta temporariamente.
      Um grande abraço,
      Camorim

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    • Pablo Silva disse:

      Como assim “…verba milionária do governo Sérgio Cabral para calar a boca da imprensa”?

      Você acha realmente que esses grupos gigantescos, verdadeiros conglomerados “de múltiplos meios” como as Organizações Globo, o Grupo Folha e O Estado de São Paulo precisam do dinheiro do falido estado do RJ?

      O crime avulso já não é noticia. O bandidinho com 38 na mão e a cara coberta com uma camiseta já não aparece em capa de revista, não gera rating no horário nobre.

      Depois que as pessoas viram blindados de 13 toneladas, armados com metralhadoras de 12.7MM subindo o Complexo do Alemão fica difícil vender jornal com um “pequeno arrastão” na Zona Sul.

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  2. Pedro A. Amaral disse:

    Carlos, estou terminando de ler seu livro “Assalto ao Poder” e estou gostando muito. Entretanto, assim como todos os outros meios de denúncias, críticas e inconformismos (artigos, blogs, livros, etc) sempre me deparo tão somente com uma crítica dura a tudo e a todos.
    Medidas pragmáticas mesmo é quase zero. Isso desde a apresentação de possíveis soluções (e de forma concreta, não apenas citando que se deve melhorar o aparato das polícias, entre outras coisas) até uma mobilização que de fato busque a mudança e não tão somente a crítica.
    Até o episódio recente no Rio, por exemplo, é alvo de críticas. Sei, obviamente, que o que está sendo feito está longe de viabilizar qualquer solução, mas acredito que seja uma tentativa válida. Quanto às UPPs a mesma coisa.
    Será que não valem um pouco nossos aplausos e quem sabe servirem como um gancho para que nós, povo brasileiro e principalmente para “autoridades intelectuais”, também possamos contribuir pragmaticamente com a tão sonhada melhora nestas questões?
    Não seria melhor do que bater sempre na mesma tecla da crítica, que no máximo uma meia dúzia de autoridades brasileiras chegam a ter acesso e ainda devem pensar “po, tamo fazendo o possível! Esses caras só sabem criticar”?
    Fica meu pequeno “manifesto”.
    Abraços de um, talvez, ingênuo recém-formado em direito.

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    • carlos amorim disse:

      Caro,
      imagino que a resposta aos seus questionamento – e de muitos outros leitores – pode ser encontrada no post “A luta de classes, a violência e a mídia”, neste site.
      Dê uma lida e comente.
      Abs
      Camorim

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  3. Caro Amorim, o projeto das UPPs baseado em uma “guerra ao terror” que estaria enquistado nos morros cariocas parece não ter dado certo. Apesar do convenio ONU X Prefeitura/RJ através do UN-Habitat a chamada UPP Social não saiu do papel, embora recentemente na Colômbia o prefeito Paes tenha sido homenageado. O aumento da criminalidade apesar de índices falseados, a migração do “movimento” p/ áreas próximas e a total ineficiência de uma politica de habitação têm colocado em xeque a propalada eficiência de um projeto cuja principal finalidade é fazer um “cerco cirúrgico” às chamadas zonas vermelhas, para não atrapalhar os eventos que serão realizados. Enquanto isso os mais de dois milhões de despossuídos ficarão como estão, sujeitos à migalhas tipo bolsas, aumentando o exercito de reserva do narcotráfico.
    abs fraternos Alcyr

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