Os resultados da primeira UPP paulista

Um flagrante dos "nóias".

Tenho acompanhado com interesse a chamada Operação Cracolândia, que a cada dia fica mais parecida com o modelo de ocupação policial-militar das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do Rio de Janeiro. Independentemente das divergências teóricas – os especialistas estão divididos quanto à eficácia da ação – a limpeza da Cracolândia tem angariado simpatias na opinião pública. Aquela multidão de viciados se drogando na via pública, além de um desrespeito à lei, era uma vergonha inenarrável.

É curiosa a timidez dos governantes paulistas, que parecem recear um fracasso. Ao contrário deles, no Rio, o governador Sérgio Cabral foi para a frente das câmeras defender com unhas e dentes o projeto das UPPs. Em São Paulo, parece haver mais dúvidas do que certezas, enquanto a mídia destaca o desencontro entre as polícias e as autoridades. Os resultados da operação não são de grande monta: poucas pessoas foram presas e acusadas de tráfico e os “nóias”, como são conhecidos os dependentes do crack, se espalharam pelos bairros em torno do centro da capital. O grande acerto – a decisão política de acabar com a Cracolândia – parece subestimado pelo governador Alckmin e pelo prefeito Kassab.

Do noticiário de jornais, revistas, rádio e televisão, separei alguns números importantes:

  1.  A população de “residentes” na Cracolândia era de 400 pessoas. Cerca de 20% delas viviam ali há mais de dez anos. Do total, 60 eram menores de idade e havia 20 mulheres grávidas. Setenta traficantes agiam (ou agem) na área de dez quarteirões que forma o território dos “nóias”. Fora os moradores de rua, é impossível saber o número total de usuários.
  2. O consumo de drogas é avaliado em 50 mil pedras de crack por mês. De uma só vez, na semana passada, a polícia apreendeu 16 mil dessas pedras. Um delegado do Denarc disse aos telejornais que isso abasteceria a Cracolândia por “apenas alguns dias”.
  3. Ao preço variável de 5 a 10 reais por pedra, o movimento, considerando o valor médio, representava um faturamento superior a 350 mil/mês. Ou 4,2 milhões de reais por ano, o que é tido como uma avaliação conservadora, porque não inclui a maconha e a cocaína. Trata-se de um montante muito superior ao rendimento de 80% das pequenas e médias empresas do país. E sem impostos, a não ser a propina e a fiança.  Para quem acha os números exagerados, basta lembrar que o faturamento do comércio de drogas na Rocinha era superior a 4 milhões de reais por semana. É pouco? Então segura essa: em todo o mundo, as 250 maiores organizações criminosas movimentam 1 trilhão de dólares com o narcotráfico a cada ano.

4. Um estudo da PUC de São Paulo mostra que 64% dos “nóias” têm apenas o ensino primário. No entanto, 30% concluíram o ensino médio e 6% têm diploma universitário. Sessenta e um por cento deles têm trabalho fixo ou eventual. Cerca de 84% dos viciados são homens e a média de idades é de 33 anos. A  maioria dos usuários está entre 25 e 34 anos. Mas 9% deles têm idade avançada, 44 anos ou mais. De todo o contingente dos “nóias”, 66% são negros ou pardos. Brancos são 22%. Sessenta e quatro por cento dos viciados consomem até dez pedras de crack por dia. O crack tem ação rápida – e seus efeitos diminuem à medida que o vício se intensifica, o que faz  o cara consumir cada vez mais.

5. Ainda de acordo com o levantamento da universidade paulista, 65% dos frequentadores da Cracolândia também usam outras drogas: 43%, maconha; 30%, cocaína; 15 por cento, álcool. Curiosamente, só 9% fumam cigarros.

 

Os números do circo das drogas no centro de São Paulo são estarrecedores.

 

Mãe e filhos na Cracilândia.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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2 respostas para Os resultados da primeira UPP paulista

  1. Guilherme Pinto disse:

    Carlos Amorim
    Boa tarde!
    Meu nome é Guilherme tenho 26 anos e em março de 2006 ingressei no curso de formação de soldado da Policia Militar do Estado de São Paulo( hoje escola supeior de soldados). No final do mesmo ano quando estava no módulo especifico do treinamento na cidade de Franco da Rocha li seu livro o CV-PCC A irmandade do crime. Depois de formado nas escolas da policia eu fui fazer a verdadeira escola de policia nas ruas da favela do Paraisópolis. Sou do interior do estado proximo a divisa com sul de minas. Hoje voltei para cá e ainda estou na ativa. Há alguns dias atras abordamos um individuo que quando menor ficou internado na fundação casa e foi integrante do PCC Jovem, como primo leal na função de gerente, os advogados levavam para ele, na cadeia, as anotações da “biqueira” para ele fazer a contabilidade. Como o individuo não tinha nada ilicito e tambem não estava pedido pela justiça ficamos conversando com o mesmo, que nos informou não mais fazer parte de tão facção criminosa. De imediato lembrei do seu livro e fui na internet pesquisar sobre seu nome e possiveis obras. (o livro que eu li era meu e emprestei para um colega que não me devolveu mais). Comprei sua primeira obra e li, agora estou lendo Assalto ao Poder e estou estarrecido com o que está se passano hoje, é muito dificil para mim como Soldado da Policia Militar do Estado, saber de tudo que se passar e estar com as maõs amarradas para combater o crime. Quando estava na capital paulista tive uma pequena noção do que me esperava depois de cinco anos combatendo o crime ai onde temos uma favela dentro de um bairro nobre que é o Morumbi, pedi tranferencia para o interior, deixando a faculdade e até mesmo uma bolsa de estudos para tras porque realmente não tem como combater, me sentia sozinho nadando contra a correnteza. Intendo um pouco da dificuladade que o senhor passou nesses longos anos estudando o crime organizado, mas é quase um crime se o senhor parar de escrever sobre o assunto(rsrsrs) seu trabalho é muito importante deveria fazer parte do curriculo escolar das escolas de policia em todo o pais( nunca ouvi falar sobre crime organizado nos bancos escolares da policia) Escrevo para lhe dizer a grande importancia que o senhor teve sobre minha vida profissional. Fica aqui meu muito obrigado e os PARABÉNS PELO EXELENTE TRABALHO QUE O SENHOR TEM FEITO PARA O POVO BRASILEIRO!!!!!!

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    • Carlos Amorim disse:

      Guilherme,
      obrigado pelo comentário.
      Você disse que nunca ouviu falar em crime organizado na escola de polícia.
      Acho que esses curriculos deveriam ser atualizados Para um agente da lei é
      impossível não saber o que é crime organizado.
      Mais uma vez, obrigado.
      Abs
      Camorim

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