A leitora Diana pergunta: o que difere Collor de Dilma? Ela também quer saber: os presidente são reféns do Congresso?

O Congresso Nacional, palco das disputas entre governo, aliados e oposicionistas.

O Congresso Nacional, palco das disputas entre governo, aliados e oposicionistas.

Uma das leitoras deste site, a Diana Carrasco, de Portugal, me encaminhou um comentário com três perguntas que merecem consideração:

  1. 1. O que (Fernando) Collor fez para merecer o impeachment que a Dilma ainda não fez?
  2. 2. Todos os presidentes foram reféns do Congresso?
  3. 3. A presidenta tem poder de veto e por ela passam todas as leias aprovadas pelo Congresso?

Fernando Collor de Mello foi o mais jovem presidente do Brasil, o primeiro a ser eleito pelo voto direto após o regime militar. Elegeu-se em 1989, aos 40 anos, derrotando Lula, no segundo turno, por pequena diferença de votos válidos: 5,71%. Ficou dois anos e nove meses no poder, renunciando à Presidência no dia 29 de dezembro de 1992. Foi um período muito difícil para o país, com grave crise econômica (a inflação anual passava de 1000%), desemprego e forte oposição.

O próprio irmão do presidente, Pedro Collor, denunciou um esquema de corrupção envolvendo o tesoureiro da campanha de 89, Paulo César Farias, em um desvio bilionário cujo beneficiário final seria Collor. A Procuradoria Geral da República e a Polícia federal abriram investigações contra o presidente, enviando o caso ao Supremo Tribunal Federal. Fernando Collor foi absolvido por falta de provas (Artigo 386/7 do CPP). PC Farias foi assassinato a tiros. A juventude foi às ruas, em um amplo movimento que ficou conhecido como “Caras Pintadas”. Um processo de impeachment havia sido iniciado no Congresso, mas Fernando Collor renunciou antes da conclusão. Neste resumo, os fatos não estão dispostos cronologicamente, porque escrevo de memória, mas o cenário foi esse.

Fernando Collor renunciou em dezembro de 1992.

Fernando Collor renunciou em dezembro de 1992.

Contra Dilma Rousseff não há acusações até o momento. Nem contra a pessoa, nem contra a mandatária. Em Brasília, ninguém acredita que ela possa ser responsabilizada pelos escândalos na Petrobras. E as contas de campanha, tanto em 2010 quanto em 2014, foram aprovadas pela Justiça Eleitoral. O peso das denúncias da “Operação Lava-Jato” cai sobre o PT e outros partidos. Legalmente, Dilma e o PT são criaturas diferentes. Aliás, mesmo a oposição não está certa de que valha a pena o impedimento da presidente. Isto transformaria o PMDB no partido hegemônico no país: teria o presidente Michel Temer e os chefes da Câmara e do Senado. Assim, ninguém segura.

A oposição, inclusive, se expressa mais através do Jornal Nacional do que nas ruas. Ainda não se viu nenhum líder oposicionista nos protestos. Eles têm medo de ser hostilizados. As manifestações têm caráter apartidário e, de um modo geral, contra todos os políticos. Na verdade, a oposição (diga-se, o PSDB e seus aliados) está mais preocupada com as eleições municipais do ano que vem e com a desconstrução do PT para a corrida presidencial de 2018. O resto é bobagem.

Agora que o juiz Sérgio Moro mandou prender o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, o PSDB ensaia apoiar um pedido de impeachment de Dilma. Os tucanos não confiam que haja base jurídica para tanto, mas isto serve para aumentar a confusão. Entre os observadores da cena política, no entanto, há um sentimento de que a crise está diminuindo. Sobre o tema, a Folha de ontem (15 mar) publicou artigo de Marcelo Coelho muito interessante.

O Vice Michel Temer (PMDB-SP), articulador político  do governo.

O Vice Michel Temer (PMDB-SP), articulador político do governo.

Com Michel Temer no comando da articulação entre o governo e o Congresso, as tensões se reduziram um pouco. Tudo indica que o ajuste fiscal será aprovado em breve, dando início à recuperação econômica. E se o crescimento for retomado na virada de 2015/16, o quadro político tende a melhorar. Os analistas também acreditam que está ocorrendo um refluxo no movimento de rua contra a presidente. Na última pesquisa Datafolha, Dilma melhorou 2% na questão da impopularidade.

No sistema político brasileiro, Diana, os presidente são mesmo reféns do Congresso. Não conseguem governar sem uma ampla base aliada. E veja só a dificuldade: o Brasil tem hoje 32 partidos políticos registrados, dos quais 28 têm representação na Câmara e no Senado. Imagine o que é negociar com toda essa gente. Especialmente num Parlamento onde vale a máxima “é dando que se recebe”. O apoio, via de regra, é obtido por meio de vantagens e privilégios. Estamos muito longe de mudar esse cenário, com PT ou sem PT.

A última questão: a presidente tem poder de veto sobre projetos aprovados pelo legislativo, no todo ou em parte. Se isso acontece, a matéria volta ao Congresso, que pode derrubar o veto presidencial.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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5 respostas para A leitora Diana pergunta: o que difere Collor de Dilma? Ela também quer saber: os presidente são reféns do Congresso?

  1. Alan Souza disse:

    O que falta na nossa mídia atualmente são análises lúcidas como essa. Virou tudo um fla x flu, petralhas versus coxinhas, de tal modo que o debate útil está interditado…

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  2. José Antonio Severo disse:

    Vou dar um pitaco na resposta à Diana: De fato, segundo a constituição brasileira, a situação de Collor era bem diferente. Collor prevaricou durante seu mandato. O fato determinante foi a compra de uma camionete Fiat Elba de segunda mão, depois que ele estava no poder, por um “laranja”, como chamamos aqui no Brasil um testa de ferro. Dilma não cometeu nenhum delito depois de sua posse no segundo mandato. Portanto, é inimputável. Se chegar à mesa da Câmara um requerimento pedindo a abertura do processo de impeachment, qualquer advogadinho da Advocacia da União derruba no Supremo o início do processo. Aliás, o ministro Teori Zavaski já mandou tirar o nome de Dilma de qualquer pedido de investigação por ser irregular citá-la, a menos que se apresente um fato ocorrido de 1 de Janeiro para cá.
    Eu acho um exagero qualificar a divisão de poderes no Brasil de sequestro de poder. O Congresso tem suas prerrogativas; a presidência as suas (assim como o Judiciário). Dilma está em minoria, o que não é novidade para ela. Quando foi secretária de Energia e Telecomunicações no Rio Grande do Sul, a administração de que participava, do governador Olívio Dutra, do PT, governou em total minoria, com apenas 11 deputados numa assembleia de 54 parlamentares. Tecnicamente a Oposição poderia dar o impeachment. Mas não teve fato que justificasse. Assim, ela sabe muito bem o que é governar em minoria. Mesmo sem o congresso, sua caneta é poderosa. Ela deve estar bem calminha. Só para ilustrar, Obama também governa com minoria e ninguém imagina que ele esteja caindo.
    A presidente tem poder de veto. Se exercer essa prerrogativa, a lei aprovada no Congresso é devolvida ao parlamento. Se o veto for rejeitado pela maioria do plenário, a lei entra em vigor por decreto parlamentar.
    A verdade é que a presidente do Brasil parece estar indiferente a essas pressões. Um grupo de jornalistas que esteve com ela ante ontem disse que ela parece autista, pois não está nem um pouco impressionada com esses movimentos. De fato, ela tem as garantias constitucionais enunciadas acima. Além disso, parece pensar que não vale a pena se amofinar, pois sua destituição, substituída pelo vice-presidente Michel Temer, é pior para a oposição do que ela no poder. As notícias de que o PSDB vai estudar o impeachment é simples jogo de cena, em parte para não deixar o pessoal das passeatas falando sozinhos, em parte porque se decidir encaminhar um impeachment, o requerimento será anulado pelo Supremo e, com isto, os tucanos botam a culpa no judiciário. Vejam, dirão, o STF cortou nosso barato.
    Minha expectativa é que Dilma continue nesse tranco nos próximos quatro anos, tal como dezenas de outro presidentes e mandatários pelo mundo a fora, que amargam baixíssimos índices de popularidade. Entretanto, como o país não pode funcionar sem um estado, é necessário que se tenha um chefe de executivo. Ela está lá eleita para isto e ficará até o final. Se seu candidato (ela é inelegível) não vencer as eleições em 2018 é outra história.

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  3. Diana disse:

    Me senti sentada no sofá, conversando contigo!!! Brilhante!!!

    Estive lendo um pouco mais depois da sua resposta e fico confusa com o seguinte, dizem que a Globo apoiou a candidatura do Collor e depois a própria também derrubou com o apoio aos “Cara pintadas”. Atualmente chamam de “golpista” mas esquece que durante as manifestações de 2013 a mesma desmoralizou as manifestações, levantando a bandeira do vandalismo e esse ano quando apóia é chamada “golpista”. Afinal a imprensa é livre de ser tendenciosa? Com dar uma noticia sem que seja esse apenas o seu ponto de vista?

    Uma coisa e certa, a Globo é topo de audiências por causa das tão amadas novelas, mas será que isso é realmente suficiente para formar opiniões?

    Como disse seu leitor José Antônio Severo, a Dilma não esta sendo investigada pq não pode ser e pq ainda tem do seu lado o PMDB pois além de ter sido citada no Lava-Jato que já está virando uma palhaçada, assim como o mensalão, ela foi há dias considerada culpada pelo TCU por crime de responsabilidade por ter descumprido a Lei da Responsabilidade Fiscal e a Lei Orçamentária Anual, que e crime de punível com perda de cargo e inabilitação e já existem inúmeros pedidos de impeachment contra a presidente, com fundamentos robustos para que o Congresso aprecie.

    Espero que um dia possamos dizer que há justiça e não como o Lula disse: “Poder Judiciário não vale nada. O que vale são as relações entre as pessoas”

    Beijos e muito obrigada!

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