Câmara aprova redução da maioridade penal durante a madrugada, quando quase ninguém estava vendo.

menores criminosos 01

Quase ninguém ficou sabendo. Só aqueles “corujões” que assistem aos canais de notícias durante a madrugada. Mas foi assim: com um “golpe” regimental, a Câmara dos Deputados aprovou a mais dura legislação contra menores criminosos da historia do país. Penas de até 30 anos de encarceramento, conforme a natureza do delito.

Em plena madrugada de quarta para quinta-feira (2 jul), quando a audiência de rádio e televisão é quase igual a zero, a Câmara dos Deputados tomou a polêmica decisão de reduzir a maioridade penal no Brasil para 16 anos. Os deputados jogaram para a arquibancada: 323 votos a favor, 155 contra e 2 abstenções. Atenderam, dessa maneira, ao clamor popular que quer severa punição contra jovens infratores.

As pesquisas de opinião (Datafolha, Ibope etc) informam que quase 90% dos brasileiros perderam a paciência com a enormidade de crimes violentos praticados por menores. Assaltos com mortes (latrocínio, segundo o Código Penal), sequestros, estupros, agressão seguida de morte, os chamados crimes hediondos, agora vão levar toda uma geração ao cárcere. Nesse país não construímos muitas escolas ou hospitais – e agora vamos ter que construir muitos presídios. O escritor francês Victor-Marie Hugo (1802/85, autor de “Les Miserables”), já dizia: “Quem abre escolas, fecha presídios”. Aqui vamos ao contrário.

Vi a notícia da redução da maioridade penal no jornal da Globonews das quatro horas da manhã desta quinta. Ou algo parecido – nem lembro. (Estava estudando um texto sobre a vida de Getúlio Vargas.) Durante 30 anos, pesquisei e escrevi sobre violência urbana e crime organizado (mais de 1.700 páginas publicadas em formato de livros). A minha primeira reação foi pensar: “isso não pode ser decidido por eles”. Deveríamos ter feito um referendo popular, porque dar a esses deputados o direito de decidir sobre toda uma geração de crianças e jovens não cabe muito bem no meu modo de pensar. E quem são esses parlamentares? Nem vale repetir a coisa já esgotada.

Durante a madrugada, a redução foi aprovada em primeira votação.

Durante a madrugada, a redução foi aprovada em primeira votação.

Uma decisão de tal importância, que prevê penas de prisão de até 30 anos para rapazes e moças, não deveria estar nas mãos (ou no botão de votação do plenário da Câmara) de uma gente acusada de crimes ainda mais graves. Cerca de 40% dos parlamentares respondem (ou já responderam) a inquéritos, alguns criminais. Qual direito eles têm? Procurei na mídia (TV, rádio, Internet) uma resposta para isso. Quem sabe algum “especialista” iluminado? Não encontrei coisa nenhuma.

Como fui vencido pelo sono, deixei a questão para mais tarde. Só que ficou o âmago da dúvida: “sou a favor da redução da maioridade penal?” Sou, sim! É preciso pôr um basta na banalidade da violência. Mas não dessa forma – e não por esses agentes, tão criminosos quanto outros. Mais uma vez, procurei explicações na TV. E não encontrei nada. Aliás, reduzir a maioridade penal terá pouco efeito sobre a criminalidade. Quem se interessa pelo assunto sabe que o envolvimento de menores com o crime começa bem antes, aí pelos 10 anos de idade.  Melhor seria reformar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê obrigações do poder público com os menores. Ou revisitar a Lei de Execuções Penais (LEP), que estabelece a progressão de penas e liberta criminosos perigosos. Os governantes estão mais interessados em esvaziar presídios (e reduzir custos) do que na redução dos índices de violência. E a violência no Brasil é uma epidemia.

A aprovação da redução da maioridade penal, recusada em primeira votação por apenas 5 votos, voltou a ser discutida na madrugada de quarta para quinta-feira. O presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), criador de uma pauta conservadora para o Congresso, utilizando uma manobra regimental que não se via desde 1996, apresentou à votação uma “emenda aglutinadora”. E o que é isso? Pegou pedaços de textos de alguém, somou com outros, e pôs a questão em votação, apoiado por uma “jurisprudência” anterior. O chamado “golpe regimentar”. Tecnicamente, não há como recusar a decisão: menores com mais de 16 anos vão para a cadeia.

O projeto de emenda à Constituição ainda vai passar por mais uma votação na Câmara e duas no Senado. Parece que não há como impedi-lo. E vai entrar em vigor no ano que vem. Como consumidor da NET HD Plus, à qual pago uma grana, esperava algum tipo de esclarecimento. Não encontrei nada.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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