Suprema Corte começa a julgar, amanhã, a liberação do uso de drogas para consumo pessoal. O STF vai decidir se a proibição e a repressão à posse de entorpecentes são ou não constitucionais.

O crime organizado disputa o controle de áreas urbanas.

O crime organizado disputa o controle de áreas urbanas.

A chamada descriminalização do uso de drogas é matéria altamente polêmica. Divide a opinião de magistrados, estudiosos do tema e legisladores. Nesta quinta-feira (13 ago), o STF começa a examinar se a lei brasileira antidrogas, nos capítulos referentes aos usuários, é ou não constitucional.  Os ministros da Suprema Corte, por sua história e jurisprudência, apresentam uma tendência liberalizante e contra o encarceramento indiscriminado. São homens e mulheres de farta cultura e sentimentos humanistas. É provável que aprovem a liberação do uso de substâncias tóxicas para consumo individual.

Estudiosos das leis – aqui e no mundo – os ministros do STF se colocam, geralmente, a favor de decisões destinadas a penas alternativas. Muitos deles creem que o vício é uma questão de saúde pública. E não de polícia. O Brasil é hoje o primeiro maior consumidor planetário de cocaína em forma sólida (o crack). E o segundo maior nas formas líquidas ou em pó. A droga pode viciar já na primeira experiência de uso. No caso do crack, de ação rápida e violenta, pode matar logo na primeira vez. Um amigo meu, executivo de uma multinacional, perdeu o filho aos 16 anos. O garoto morreu afogado no próprio vômito, no estacionamento de um supermercado em Los Angeles, ao experimentar o crack. Foi a primeira e a última vez dele. Talvez o filho de John tivesse alguma deficiência cardíaca não conhecida. Mas foi uma tragédia. Destruiu a família.

Independentemente deste caso particular, que me tocou, há outras questões a considerar. Os processos por porte de drogas entulham as delegacias e os tribunais brasileiros. Custam bilhões de reais aos cofres púbicos. Um adolescente detido com um cigarro de maconha produz um prejuízo enorme: inquérito policial, processo penal, possível detenção, cadeias superlotadas etc. É um círculo vicioso – e me desculpem o termo. A posse de uma pequena quantidade de droga por uma única pessoa – às vezes, ínfima – parece não justificar uma legislação tão “poderosa”. Mas, em um país de “segundo mundo”, como o nosso, entre a pobreza e o desenvolvimento, a coisa é complicada.

As estatísticas demonstram que o uso de drogas está relacionado a quase 70% dos crimes violentos. Em roubos, sequestros-relâmpagos e latrocínio, as vítimas e seus correlatos declaram à polícia: “O cara estava drogado”. Ou: “Os olhos dele estavam vidrados”. A ocasião de ficar frente a frente com um bandido armado – e supostamente drogado – é aterrorizante e provoca traumas para toda uma vida. Em muitos casos, a busca por dinheiro é acompanhada de violações contra a liberdade humana. Muitos ataques são seguidos de estupros e outras formas de constranger a vida. E as drogas estão quase sempre presentes.

Isto é um dilema para a nossa Suprema Corte. Sem dúvida. Pessoalmente, tenho muitas indagações, porque acho que o viciado é mais uma vítima. As drogas produzem a miséria do ser humano. Só que, sem o consumidor dessas substâncias,  não haveria o tráfico e – por tabela – o crime organizado. Vamos punir o ovo ou a galinha? Talvez aquela gente culta do STF encontre uma saída. Eu mesmo não vejo. Além disso: por que não punir as indústrias do álcool e do tabaco? São drogas mortais. Mas ditas legais. E também presentes na criminalidade violenta. Na imensa maioria dos casos de agressão familiar, o álcool está presente. Qual a saída?

Em dezenas de milhares de crimes contra mulheres e crianças no país, o álcool está presente. E o tabaco, na via do câncer pulmonar, cobra outro tributo. Será que a Suprema Corte vai se dedicar também a este item na pauta? Penso que não. A droga legal rende mais dinheiro do que a clandestina? Produzimos bilhões de litros de cerveja, cachaça, vodka e uísque em nosso país. Drogas. Ou não? Só que os jurisconsultos não vão questionar a indústria. Estarão voltando as suas atenções para a droga ilegal, clandestina, uma das razões da criminalidade. E só!

O tráfico mundial de drogas é a maior atividade econômica do crime organizado, seguido do contrabando de armas de guerra, a pirataria de produtos e serviços, a falsificação de medicamentos, os crimes de internet e o tráfico de pessoas e de órgãos humanos. Disto vive o banditismo internacional, cuja liderança está em Wall Street. O centro financeiro do mundo.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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2 respostas para Suprema Corte começa a julgar, amanhã, a liberação do uso de drogas para consumo pessoal. O STF vai decidir se a proibição e a repressão à posse de entorpecentes são ou não constitucionais.

  1. Bruno disse:

    Só umas dicas:
    1- todos os bandidos parecem drogados pq seus corpos recebem uma descarga de adrenalina durante a ação. Não tem nada a ver com as drogas em si (apesar de alguns estarem realmente drogados). Essa mesma aparência também é notória em policiais durante incursões em morros (novamente digo que alguns desses policiais também podem estar drogados).
    2 – O filho do John não morreu de overdose e sim sufocado no vômito. Maneira clássica de drogados morrerem, inclusive os bêbados. Nem por isso o álcool é banido.
    3 – cocaína não vicia em um único uso. Já é sabido que o tabaco tem uma capacidade ainda maior de provocar vício físico. Nesse caso só de sentir a fumaça de alguém fumando ao seu lado você estaria viciado? Não. O que vicia é 70% a condição psicosocial do usuário e não a substância.
    4 – Pq não proibir o alcool ou o tabaco? Pq já tentaram com o álcool e foi um total desastre. A ponto de pessoas aplicarem álcool nas veias. Na verdade a proibição das drogas é a real razão da existência do crack, uma alternativa mais barata, potente e mais fácil de transportar, tal coisa só poderia surgir em um ambiente ilegal.
    5 – Pq chamar uma pessoa que toma uma taça de vinho por dia de um senhor preocupado com a saúde do coração e um jovem que fuma um baseado por dia é considerado um viciado? Onde traçamos essa linha que é totalmente cultural e etnocêntrica.

    E para finalizar, os ministros do STF não estão pensando somente nas drogas legais ou nas ilegais. As leis servem para gerir da melhor forma possível a sociedade. E levando isso em consideração a melhor maneira de gerir essa sociedade é liberando, fazendo com que as pessoas paguem impostos e usar esses impostos para conscientizar a população. Mas não a conscientização hipócrita e babaca de que drogas são ruins e que vc não deve se aproximar. Mas sim a VERDADE, drogas são muito boas, dão um barato incrível. Mas mantenha o controle sobre elas e não as deixem controlar você, da mesma maneira que você aprendeu a fazer com o álcool, que afinal é legal, mas nem por isso somos todos alcoólatras.

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    • Carlos Amorim disse:

      Caro Bruno,
      obrigado pelo longo e acurado comentário. Discordo de muitas das suas opiniões, mas as respeito. Isto aqui é uma tribuna livre para opiniões como a sua. Mesmo que não concorde, publico. O dever do jornalista é informar. E aqui praticamos a pluralidade de opiniões. Em nosso site, só vetamos comentários de baixo calão, que ofendam a honra alheia ou que agridam o Código de Ética do Jornalista, aprovado há muitos anos (nem lembro quantos) pela Fenaj.
      Continue participando!
      abs
      Camorim

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