Desembarque do PMDB garante o processo de impeachment. Lula e Dilma não conseguem segurar aliados e o governo petista pode acabar ainda em abril. Oposições dizem ter 400 votos no plenário da Câmara. PT e movimentos sociais prometem reagir ao golpe.

                             

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Michel Temer: este será o novo presidente. É isso que você quer?

A reunião do diretório nacional do PMDB, convocada para a próxima terça-feira, deve bater o martelo: o maior partido aliado do governo vai desembarcar. Isto praticamente assegura a aprovação do processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Neste sábado (26 mar), o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), um dos líderes da direita, que já presidiu a União Democrática Ruralista (UDR), garantiu a jornalistas que as oposições terão 400 votos na Câmara e 60 no Senado. É o fim do governo petista, se a previsão se confirmar, ainda este mês.

                                   O PMDB pode se definido como de centro-direita, com inclinações mais à direita mesmo. Não é um primor de agremiação política. É um partido marcado pelo fisiologismo, aderente a qualquer governo. Tanto que fez o vice de Dilma, com quem nunca teve qualquer afinidade. Muitos de seus principais líderes sempre estiveram envolvidos em questões duvidosas na vida política brasileira. Os presidentes da Câmara e do Senado, Cunha e Renan, destaques do partido, respondem a processos criminais por corrupção, evasão fiscal e lavagem de dinheiro. Mesmo assim, foram eleitos com fartura de votos. Esse tipo de político é o fiel da balança do impeachment.

                                   Com o impedimento (ou cassação) de Dilma, assume Michel Temer, presidente do PMDB. Também citado na contabilidade clandestina da Odebrecht. O vice rompeu com a presidente no final do ano passado, pavimentando a sucessão por via indireta, baseada em um Congresso muito pouco interessado nos grandes problemas nacionais. Lá funcionam os lobbies e a corrupção patrocinados por empreiteiras, bancos e pelo grande capital. Vou repetir: Michel Temer pode assumir a Presidência da República por via indireta – se fosse às urnas, perderia, com certeza. E se fosse um estadista, convocaria novas eleições. Podemos esperar isto dele? Não.

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O ministro Gilmar Mendes, com Celso de Mello, no governo de Temer?

                                   Temer já discute o loteamento político do futuro governo. Em troca do apoio do PSDB, DEM, PPS e outros menores, teria concordado em não se candidatar em 2018. Mas formaria um ministério de transição que contaria com figuras como Gilmar Mendes, José Serra, talvez FHC e Roberto Freire, quem sabe Aécio Neves. Um saco de gatos ainda mais complexo do que aquele produzido por Lula e Dilma. E como enfrentaria a crise econômica? Certamente, com uma política monetarista baseada em Armínio Fraga e Henrique Meireles. Ou seja: todo poder aos tucanos!  Eles perderam a eleição de 2014 por apenas 3,27% dos votos válidos. E foi isso que deu a eles a sensação de que tínhamos um país dividido, com forte tendência a apoiá-los. Verdade? Sim, verdade.

                                   E de quem é a culpa? No meu entendimento, principalmente do PT e de seus governos. Foram capazes de produzir impressionante mobilidade social, com redução da miséria e das desigualdades. Lula teve um crescimento econômico do PIB na casa dos 4%, em média, no seu período. Foi obtido com programas de distribuição de renda (bolsa família, minha casa etc), aumento da disponibilidade de crédito ao consumidor, gerando crescimento da produção. Acumulação de reservas cambiais (as maiores da história, em torno de 380 bilhões de dólares), que garantiam a emissão de títulos da dívida pública, um grande negócio até para o capital estrangeiro, que veio em massa. No entanto, as leis básicas do capitalista, historicamente, ensinam algumas coisas.

                                   O consumo exacerbado produz, a seguir, sem profundas reformas estruturais, a recessão. A facilidade de crédito leva ao endividamento das famílias, tendo como corolário a paralisação do consumo. Hoje, 58 milhões de brasileiros estão com dívidas que não conseguem pagar. O aumento da inadimplência provoca a elevação dos juros bancários, agora em mais de 400%. E o que as pessoas compraram? Celulares: agora temos mais telefones móveis do que habitantes no país. Compraram carros, que duram, para o cidadão comum, pelo menos cinco anos. Quem troca de carro todo ano? Comparam geladeiras e computadores, todos de longa vida útil. E imóveis, financiados em 20 ou 30 anos. Ou seja: o consumo exacerbado produziu um funil no próprio consumo. A seguir, só podia vir a recessão.

                                   Do ponto de vista político, o PT e seus seguidores cometeram erros ainda mais graves. Do vibrante Lula, reconhecido mundialmente, veio a inócua Dilma: tem dificuldade até para se comunicar. A perda de liderança criou a crise de confiança. Contrariando as suas origens, o PT abandonou os movimentos sociais, a ponto de a reforma agrária sair da pauta do governo. Não fez nada no sentido de aprofundar a organização do movimento popular. E as preocupações com a gestão governamental substituiu a política. Mais grave ainda: o partido abandonou a sua formulação de ética na política e se comportou como qualquer outro. Aceitou – e provavelmente patrocinou – a compra de aliados. Neste sentido, ficou muito parecido com o velho PMDB.

                                   Apesar de todas essas constatações, Rui Falcão, presidente do PT, promete reagir ao golpe. CUT e MST dizem o mesmo. “Queremos a paz, mas podemos ir à guerra” – disse Falcão. À guerra contra quem? O velho Carlos Lacerda, golpista arreganhado de 1964, já dizia que não se governa no Brasil sem a classe média. A chamada maioria silenciosa, que abandonou o PT e que começa a se manifestar em grandes marchas. O abandono da classe média é justamente o grande desastre petista.

                                   E propor uma “resistência ao golpe” me lembra a esquerda dos anos 1960. Surpreendida pelo golpe militar, levou anos para entender o que tinha acontecido. E quando se rebelou, de fato, por meio de pequenas organizações armadas de resistência, descobriu que estava socialmente isolada. O Estado de Arbítrio, inaugurado em 64, particularmente após o AI-5, em 1968, destruiu toda a resistência. Por meio de prisões ilegais, tortura e morte dos opositores. A longa noite da ditadura durou 21 anos. Achamos ter superado essa fase triste da história.

                                   Vai começar tudo de novo? E em nome do quê?  

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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