A guerra das facções: PCC divulga comunicado para informar que está lutando contra outras organizações criminosas em vários estados. O “salve geral” garante: “somos mais de 25 mil integrantes espalhados pelo país”. E a matança continua.

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O Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior organização criminosa do país, anuncia que há uma guerra entre diversas facções brasileiras. Um comunicado do grupo, chamado de “Salve Geral de 10 de Outubro”, está circulando no sistema carcerário desde a semana passada. É manuscrito em folhas de caderno escolar (quatro páginas, ao todo) e distribuído de mão em mão. O documento foi redigido em português precário, com muitos erros intencionais e em letra de forma, para dificultar uma eventual investigação a respeito da sua autoria. Como vem sendo copiado de forma improvisada pelos presos, com a grafia piorando muito,  se torna cada vez mais difícil compreender o significado do “Salve Geral”. É assinado por “Sintonia Final”, que corresponderia ao comando da organização.

A liderança do PCC é atribuída a Marcos Herbas Camacho, o Marcola. Ele sempre desmentiu essa condição, mas as autoridades juram que é quem manda na facção. É chamado  de “O Artista” por seus supostos correligionários. Marcola está atrás das grades há muitos anos. E não está longe de atingir o limite de encarceramento previsto nas leis do país: 30 anos em regime fechado.  Será solto em pouco tempo, como foram soltos alguns dos líderes históricos do Comando Vermelho (CV): Escadinha, Paulo Maluco, Carlinhos Gordo, Willian (o “Professor”), Isaias do Borel e vários outros. A liderança de Marcola no PCC foi autenticada pelo governo paulista: na rebelião de 2006, um grupo oficial de negociação foi enviado de avião ao Presídio de Presidente Bernardes, interior de São Paulo, para pedir  o fim da violência da facção, que resultou na morte de várias dezenas de pessoas, inclusive muitos policiais e autoridades públicas, nas ruas de São Paulo.

Uma fonte, que conhece bem a facção paulista, me mandou uma cópia da “nota oficial ” do PCC, via WhatsApp. A leitura permite perceber que a luta entre as quadrilhas ligadas ao narcotráfico se desenrola em pelo menos cinco estados: Rondônia, Roraima, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. O Rio de Janeiro e o CV não são citados. Aliás, fora o PCC, nenhuma outra facção é nominada. Mas este autor sabe que existem muitas: o CV Nordeste, o “Bonde do 13”, a Organização Plataforma Armada (OPA), o PCC do Sul, a Sociedade Anônima (SA), o Terceiro Comando, a ADA e coisas que tais. Existiria até um Terceiro Comando da Capital (TCC), dissidência da facção paulista, comandado por um criminoso conhecido como “Geleia”.

O “Salve Geral” faz uma revelação: “somos 25 mil integrantes espalhados pelo país”. É a primeira vez que um número desse porte chega ao conhecimento público. Antes, só uma letra de música, na voz de Mano Brown, dos Racionais MC, citava “50 mil manos”. Parece um exagero, mas na grande rebelião do PCC, em 2006, 40 mil detentos nos estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul atenderam à ordem da facção para “virar as cadeias”.

Outra coisa que se percebe é o tom “politizado” do texto. “Sintonia Final” fala em opressores, capitalismo, direitos do povo e garante que o inimigo é a polícia e os agentes do governo. “Contra esses vai toda a nossa fúria”, conclui. A facção paulista faz um apelo à união dos criminosos brasileiros. Mas ameaça com retaliações diretas e implacáveis. Se comporta como o “partido do crime”, alcunha pela qual gosta de ser reconhecida. Fiz adaptações no texto a seguir, para que possa ser compreendido, corrigindo o idioma sem comprometer o “estilo” e as “ideias”. Acompanhe:

 

Salve Geral de 10 outubro 2016:

Para o crime do país:

O PCC vem deixar todos os criminosos do país cientes de que nosso objetivo, expansão pelo(s) estado(s), tem por prioridade  fortalecer o crime contra a opressão, a covardia e a inveja imposta dentro e fora do regime prisional. Não buscamos inimizades com ninguém. Muito pelo contrário, somos de unir forças em torno do nosso objetivo, em prol de todos e de tudo. Para os fracos e oportunistas, somos um obstáculo para suas intenções capitalistas. Não deixaremos de aplicar nossa ideologia por vantagem nenhuma que nos seja proporcionada ou por qualquer obstáculo no caminho.

Estamos vivendo tempos conturbados, onde facções de oposição estão se manifestando contra inocentes para protestar contra a nossa evolução. Lamentavelmente, as ações covardes estão sendo investidas de maneira cruel contra pessoas que não têm nenhuma responsabilidade no quadro que se apresenta. Temos como exemplos: execução de uma criança de 2 anos a tiro na Bahia; execução sumária de uma senhora tetraplégica no Mato Grosso, por ser mãe de criminosos; irmãos de sangue de integrantes do PCC são assassinados por nada no Maranhão; uma menina de 4 anos, em Santa Catarina, foi assassinada somente por ser admiradora (do PCC) e não dos rivais.

                                   “Temos vários fatos covardes a citar. Estão se impondo ao direito do inocente, agindo covardemente, sem escrúpulos e sem razão. Não entendemos esse comportamento. Tampouco aceitaremos. Ao nosso ver, esse tipo de atentado a pessoas inocentes só demonstra fraqueza de postura e falta de objetivo dentro do crime. Para estes, a resposta será direta e implacável. Estamos espalhados pelo país e somos mais de 25 mil integrantes em busca de liberdade, paz, justiça, união e igualdade. Vivemos a realidade de cada estado e nos envolvemos na necessidade de encontrar soluções igualitárias para todos. Não há distinção nem desigualdade, do maior ao menor. Todos estão envolvidos numa conquista entre direitos e deveres.

Muitos criminosos de outros estados vivem em São Paulo. Nas cadeias em que predominamos, têm tudo que precisam. Têm o nosso apoio, pois o lema da igualdade é aplicado na entrega, sem distinções. Respeitamos todas as facções criminosas que não sejam o (ilegível) e que respeitem a igualdade. Lutamos batalhas em prol do objetivo e conquistamos respeito, respeitando todos os espaços. Não forçamos ninguém a nos seguir e apenas somos bom exemplo de como pensamos e agimos.

Assim nossa fileira cresce, cada dia mais. (ilegível)… nossos inimigos são aqueles em que dirigente impõe as regras do sistema e a polícia das ruas. Contra esses estamos sempre ousando e abrindo portas para nossas atividades e formas de luta e direitos. E procuramos não atingir aleatoriamente, destruindo patrimônio que a própria população carente necessita. Nosso alvo é o opressor. É contra esses inimigos, (que agimos com) todas as nossas forças, inteligência e violência. Não colocamos fogo em pessoas ou carros de populares, o que, no amanhã, só prejudica quem se utiliza desses serviços, a população. Aprendemos com nossos erros e acertos: nosso alvo é diretamente o opressor. Também não compactuamos com nenhuma patifaria que tem crescido nos estados, onde uma facção ou outro, sem ética, tem tomado lojas, morros e favelas de pessoas que são do crime, visando somente o poder. Aprendemos que o alvo é o opressor e (seus) representantes. Contra esses vai toda a nossa fúria, deixando claro que respeitaremos aqueles que mereçam respeito do crime e continuaremos a fortalecer os que nos respeitam de igual (para igual) e trataremos com igualdade todos os criminosos que defendem a ideologia que acreditamos.

Estaremos juntos para lutar contra todos os tipos de opressão, mas somos de cobrar diretamente das forças opressoras. Acreditamos nessas respostas. Onde estivermos, não importa a região ou o número de integrantes. A polícia e os agentes do governo sabem que não tiram paz conosco se não nos respeitarem como seres humanos. Contudo, o PCC está progredindo na nossa (truncado)… Cada vez mais enxergamos o quanto estamos no caminho certo.

Deixamos nosso respeito a todos os integrantes, amigos, CPS, e conhecedores da nossa filosofia. Nos colocamos à disposição para qualquer esclarecimento.

Um forte abraço para todos.

Ass) Sintonia Final

O “Salve Geral de 10 de Outubro” foi apreendido no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Mongaguá, município da Baixada Santista, litoral de São Paulo, região onde o PCC controla o tráfico de drogas. Ao que tudo indica, o enfrentamento, que já vitimou dezenas de detentos, é entre o CV (Comando Vermelho) e seus aliados nos estados e o PCC, além de  outras facções locais. Na madrugada dessa sexta-feira (21 out), houve novo confronto, desta vez em Rio Branco, a capital do Acre. A galeria do presídio Francisco Oliveira Conde onde estavam presos ligados ao CV,  foi invadida e incendiada. Houve tiroteios nas ruas da cidade. Na contabilidade da polícia, 13 pessoas morreram – até agora. O governo local diz que dois agentes penitenciários são suspeitos de fornecer armas aos detentos.

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Livros deste autor que tratam do crime organizado no Brasil.

 

 

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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3 respostas para A guerra das facções: PCC divulga comunicado para informar que está lutando contra outras organizações criminosas em vários estados. O “salve geral” garante: “somos mais de 25 mil integrantes espalhados pelo país”. E a matança continua.

  1. josé gabriel Vieira Ramalho disse:

    No Brasil. É PCC ou seja. primeiro comando da capital.   Em cuba é partido comunista cubano.Serra uma coincidência????  

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  2. Luiz Proença disse:

    Parabéns pelo elucidativo artigo, Amorim. Essa guerra entre facções, teria ligação direta com o Narcosul e a morte do Raffat, certo?

    Estou desenvolvendo meu TCC de jornalismo em cima desse tema, e ficaria demasiadamente agraciado, se puder contar com seu auxílio, visto que é uma dos maiores jornalistas e entendedores do crime organizado brasileiro.

    Abraços.

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