
Norambuena, preso pela Divisão Antissequestro em São Paulo.
Na madrugada de 20 de agosto de 2019, em operação secreta organizada pela Polícia Federal, o ex-guerrilheiro chileno Maurício Norambuena foi extraditado para o país de origem. A ordem de expulsão partiu do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal. Poucas horas depois, Norambuena, 61 anos, aterrissava em Santiago, a bordo de um avião da Força Aérea do Chile. Imediatamente, foi levado para o presídio de segurança da capital. O ministro Sérgio Moro confirmou a extradição com um comentário jocoso: “mais um bandido que vai embora”. O ex-xerife da Lava Jato parece desconhecer a importância histórica desse personagem na cena política e o envolvimento dele no crime organizado.
O episódio quase passou em branco na grande mídia brasileira. No entanto, Norambuena teve um papel destacado na resistência armada contra a ditadura do general Augusto Pinochet, em seu país, antes de se envolver no mundo do crime. De orientação marxista-leninista, foi um dos comandantes da Frente Patriótica Manuel Rodrigues, braço armado do Movimenta de Esquerda Revolucionária, o famoso MIR chileno. Foi autor de um atentado contra o próprio general-presidente Pinochet. Disparou um projétil de RPG (Rocket Propulsed Granade, de fabricação russa) contra o carro d0 general. A acertou o alvo. Mas cometeu um erro técnico: o RPG precisa de determinada distância para que a resistência do ar acione os detonadores. Errou por pouco.
Com o fim da ditadura chilena, Norambuena organizou um grupo dos seus seguidores e passou a se dedicar a atividades criminosas, como o sequestro de personalidades na América do Sul. Um deles foi o vice-presidente do Bradesco, Antônio Beltran Martinez, que teve a vida trocada por um resgate de 4 milhões de dólares. Houve outros, como Abílio Diniz (Grupo Pão de Açúcar) e Geraldo Alonso ((Norton Publicidade), No caso de Washington Olivetto, cuja vida também esteve por um fio durante 53 dias, os bandidos foram apanhados pela polícia. Norambuena, após ser preso na região metropolitana de São Paulo, em uma chácara em Serra Negra, demonstrou enorme frieza ao propor aos policiais: “liberto o Olivetto se vocês me deixarem dar um telefonema”. Ligou para o cativeiro, avisando dois dos companheiros que a casa tinha caído.
Do ponto de vista das autoridades brasileiras, Norambuena teve um papel decisivo na organização interna da facção criminosa paulista. Assim como na fundação do Comando Vermelho, baseada na convivência de presos comuns e políticos na Ilha Grande, durante os anos 1960/70, os governos paulistas cometeram o mesmo erro, reunindo revolucionários com bandidos comuns. Parece que o país não aprende com as experiências históricas.
Entre os 6 presos havia mais dois chilenos e argentinos, além de um casal de canadenses. Nas cadeias paulistas, entraram em contato com a liderança do PCC. Ensinaram técnicas de guerrilha à facção. Ensinaram, inclusive, como montar centrais telefônicas que não podiam ser rastreadas. Os dois chilenos presos, após anos de cadeia, foram incluídos em uma “saidinha” temporária: sumiram. O casal de canadenses foi beneficiado por uma campanha mundial pela libertação deles, considerados presos políticos. A dupla fez 46 dias de greve de fome. Com medo de um desfecho trágico, o governo Lula extraditou o casal para o Canadá. Norambuena ficou em cana por 17 anos, 14 dos quais em cela solitária no presídio federal de Campo Grande. Alegava ser um preso político.
No Chile, deverá cumprir mais 30 anos atrás das grades.