Isaías da Costa Rodrigues, o “Isaías do Borel”, um dos três mais importantes dirigentes do Comando Vermelho (CV), está em liberdade. Deixou o presídio federal de segurança máxima de Porto Velho, pela porta da frente, levando consigo um alvará de soltura concedido pela 3ª. Vara Federal de Rondônia, em 1º. de outubro. Esteve encarcerado por 22 anos. A maior parte desse tempo em penitenciárias de isolamento.
Mas a “tranca dura” nunca impediu que o velho Isaías continuasse comandando a organização criminosa, que já foi considerada a mais perigosa do país. Em 2002, por exemplo, com Marcinho VP (do CV-Jovem) e Fernandinho Beira-Mar, liderou a rebelião de Bangu Um, que resultou na morte de seus adversários do Terceiro Comando (3C), organização rival. Portador do vírus HIV há uns 20 anos, também venceu uma tuberculose na cadeia. É um homem obstinado e valente – na opinião de seus parceiros no mundo do crime. Chefiou um bando armado de 250 homens e mulheres na favela do Borel, uma das maiores da Tijuca, no Rio, e comandou o tráfico de drogas em boa parte da cidade.
Líder máximo do CV, foi o articulador das quadrilhas de traficantes e controlou um movimento financeiro que só pode ser avaliado em dezenas de milhões de reais por ano. Na comissão dirigente da organização, também estavam Marcinho VP, considerado o “chefe militar” do grupo, e FBM, o Fernandinho Beira-Mar, negociador internacional do tráfico e apontado pelo FBI e pelo Departamento de Estado como “um dos maiores traficantes das Américas”. Os americanos chegaram a dizer que FBM era o novo Pablo Escobar.
Ao devolver a liberdade ao chefão do CV, o juiz Marcelo Meireles Lobão determinou que Isaías não deveria se aproximar mais de 20 metros das favelas que liderou – ou de qualquer favela carioca. É quase uma piada. O magistrado nunca ouviu falar de dos aparelhos modernos, o celular e o computador? Para que o velho comandante teria de ir a uma favela?
Só que o juiz cumpriu rigorosame nte o que diz a lei, por mais que isso desagrade a opinião pública. Os códigos legais brasileiros não admitem a prisão perpétua, o que aconteceria, na prática, se todas as condenações de um mesmo réu fossem acumulativas. Ninguém pode ficar mais de 30 anos em regime fechado. Assim, gostemos ou não, a lei foi cumprida. Aliás, no Patropi, pouca gente fica 20 anos atrás das grades. E mesmo FBM e Marcinho VP, em poucos anos, estarão livres.
Após a implantação da nova política de segurança do Rio de Janeiro, com a criação das UPPs, há pouco mais de três anos, copiando o modelo colombiano chamado MOM (Modelo Operacional Medellín), o governo fluminense passou a sonhar com a desarticulação total e até com a extinção do Comando Vermelho (CV). Ao ocupar os “territórios livres” do tráfico, com milhares de policiais e integrantes das Forças Armadas (blindados, paraquedistas, fuzileiros navais, lanchas armadas, helicópteros de combate e com as Forças Especiais do Exército), o governo acreditou que havia, finalmente, vencido a guerra contra o crime. Os bandidos evitaram o confronto aberto com efetivos estaduais e federais fartamente superiores em poder de fogo. E ficou a impressão de que tudo estava resolvido. Quase não houve vítimas entre os civis e o apoio do povo pobre das comunidades ficou bem claro. As pessoas estavam mesmo cansadas de tanta violência.
As operações de segurança foram bem planejadas e executadas com frieza: acreditava-se no sucesso, mas o desastre – um banho de sangue – era possível. Se o confronto tivesse ocorrido, o Brasil seria jogado no rol das infelizes Nações em “estado de guerra”, com enormes implicações políticas e econômicas.
Felizmente, isso não ocorreu. Mas é bom lembrar que as Nações Unidas definem a existência de uma “guerra de baixa intensidade” naqueles países em que ocorrem 15 mil vítimas fatais por ano. Em nosso país, há pelo menos 50 mil homicídios por ano, num amplo conflito social chamado – vagamente – de “violência urbana”. Se as UPPs resultassem num banho de sangue, hipótese de risco que o governo assumiu, teríamos adentrado o território de uma guerra civil não declarada. Graças a Deus, não aconteceu. Apesar disso, acredito que há uma guerra civil latente no Brasil. Não se trata de nenhum movimento político (ainda), mas de um enfrentamento entre miseráveis, pobres e abastados em geral. Tudo motivado por enormes desigualdades econômicas e injustiças sociais.
Num quadro desses, imaginar a desarticulação total do crime organizado, é um delírio das autoridades. Inclusive, é desconhecer o caráter global e transnacional do crime organizado, que agora movimenta algo em torno de 3 trilhões de dólares anualmente. É maior do que a indústria do petróleo. Achar que tropas subindo a favela resolvem isso, é pura sandice.
Quanto ao Comando Vermelho (CV), fenômeno surgido no início dos anos 1980, é outra bobagem acreditar que está em fase de extinção. Fontes policiais continuam informando que ainda tem “milhares de adeptos” em liberdade, estimulados pelo aumento crescente e ininterrupto do consumo de drogas.
No início da década passada, a Polícia Federal apreendia 9 toneladas de cocaína e cerca de 250 mil quilos de maconha por ano. Agora, este número subiu para 26 toneladas de coca (fora o crack) e mais de 400 toneladas de maconha. Notável crescimento, que colocou o país em primeiro lugar mundial no consumo do crack (subproduto da coca) e em segundo lugar no uso de cocaína, logo atrás dos Estados Unidos, o maior consumidor de drogas do planeta.
No Brasil, fora a presença de criminosos estrangeiros (italianos da Máfia, nigerinos, chineses, colombianos, bolivianos e paraguaios – só para citar alguns), o tráfico de drogas no varejo está concentrado nas mãos dos bandidos do Comendo Vermelho (CV) e do Primeiro Comando da Capital (o PCC paulista), as duas maiores organizações criminosas nacionais, associadas no negócio de entorpecentes, contrabando de armas e lavagem de dinheiro.
Sonhar é bom. Mas acreditar no sonho é um perigo. Desde o início das UPPs, cerca de uma centena de policiais e militares foram afastados de suas funções por corrupção e violência contra moradores pobres e sem assistência legal, inclusive assédio sexual. Dois comandantes de batalhões da PM carioca foram punidos. Por que? Associação ao tráfico. Propina. Corrupção pura e simples.
Anos antes da implantação das UPPs, o Centro de Informações do Exército (Ciex), conforme me revelou uma fonte, alertava para o fato de que o envolvimento das Forças Armadas no combate direto ao tráfico de drogas envolvia um risco institucional: ao ocupar áreas controladas por traficantes, por longos períodos, um ano ou mais, tenentes e capitães poderiam substituir os “gerentes” do tráfico, que seriam presos ou mortos. Com soldos medíocres, os militares estariam à mercê do faturamento milionário da venda de drogas. O Ciex citava tenentes e capitães, mas a corrupção chegou a coronéis comandantes, pelo menos da PM.
Na ocupação do Complexo do Alemão, o coração do CV, uma área de 14 favelas do Rio, com centenas de milhares de moradores (dizem que meio milhão), um tenente do Exército, formado pela Academia Militar de Agulhas Negras, foi afastado, sob acusação de ter roubado dois aparelhos de ar condicionado da casa de um morador. E o militar teria levado o produto do roubo a mão armada, quando portava um fuzil automático calibre 7.62, para a sua própria residência, a muitos quilômetros das favelas do Alemão. Agora enfrenta julgamento num tribunal militar. Ou seja: a inteligência militar tinha razão.
Amorim. Adlas Ferreira, o Adão de Vigário Geral tido nos anos 90 como o maior sequestrador do país também está na rua desde Março de 2012. Pouco antes de sair do presídio o repórter Marcelo Rezende o entrevistou ele para o repórter Record. Adão diz que agora faz parte do Comando Cansei do crime? Será?
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Celso,
vi a matéria do Marcelão sobre o Adlas. E a frase do
comando caseiro me chamou atenção.
Mas o cara tomou uma cadeia onga e isso muda muita coisa.
O Isaías tb declarou que nunca mais quer ser preso. Vinte anos
trancado não é mole.
abs
Camorim
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