O povo nas ruas: surpresas e perigos

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As gigantescas manifestações de rua que sacodem o país de norte a sul pegaram todo mundo de surpresa. O grupo ativista, gestado silenciosamente nas redes sociais da Web, conseguiu sensibilizar centenas de milhares de pessoal, revelando enorme descontentamento da juventude com os rumos do país. E o aumento das passagens de ônibus foi apenas o estopim de uma crise que não se anunciava. A mídia não percebeu o que estava acontecendo – e muito menos os políticos, alvos prediletos da revolta. Mas as surpresas não param por aí: iniciado com vinte centavos a mais no preço dos ônibus de São Paulo, o movimento imediatamente ganhou um contorno mais dramático contra a corrupção que assola o Patropi. A indignação popular contra a corrupção é a alma dos protestos.
Logo apareceu o descontentamento com os governantes e os políticos em geral. As manifestações se ergueram contra o gasto bilionário na construção dos estádios de futebol, que se revela a maior fonte de roubalheira do momento, enquanto faltam escolas e hospitais. O deputado Romário, um craque do futebol, já declarou que pelo menos um terço das verbas foi engordar o bolso de empreiteiros, atravessadores, políticos e candidatos ao campeonato eleitoral do ano que vem. Um milhão e duzentas mil pessoas saíram às ruas na última quinta-feira (20 jun), deixando bem claro que não se trata de “um bando de agitadores”. Nesse dia ocorreram violentos confrontos com as tropas de choque, em pelo menos seis capitais e outras tantas cidades menores. Um morto e duzentos feridos, entre os quais duas dezenas de policiais, foi o saldo do conflito. E isso sem falar nos milhões de reais em prejuízos materiais.
Os manifestantes rejeitaram a participação de partidos políticos e sindicatos, inclusive por meio de violência. Bandeiras do PT, PSOL e PSTU foram arrancadas e queimadas. Tentaram invadir o Itamaraty, em Brasília, e o Exército teve que concentrar tropas no Planalto e no Palácio da Alvorada. A mídia, ignorante de movimentos sociais, sacou do fundo do baú expressões como “elementos infiltrados”, “baderneiros” e coisas que tais, lembrando o comportamento que teve durante a ditadura. Alguns apresentadores de televisão pediam a “prisão dos vândalos”, esquecendo que muitas vezes o vandalismo foi da polícia. Carros de emissoras de televisão foram incendiados e jornalistas agredidos. Os analistas da grande imprensa ficaram atordoados, sem entender que movimento é esse, que não tem lideranças expressivas e que não sabe muito bem quais são as suas reivindicações. O movimento é contra tudo, como esclarece a foto que abre esse post. E tudo significa: a bandalheira, a impunidade, a corrupção e a banalização da violência que assusta o país há três décadas e que já produziu mais de um milhão de mortos. “Sem violência” quer dizer também que o cidadão tem direito à vida.
O Brasil, de repente, se deu conta do poder das mídias alternativas, via Internet. Desde a campanha das diretas não se via tanta gente num protesto. É o mundo virtual, com seus milhões de adeptos, pondo a cara de fora, tudo combinado através do Facebook, do Orkut, do Google e dos celulares. Há no Brasil de hoje mais celulares do que habitantes. Nossos políticos precisam compreender que se trata de uma revolução de costumes – e não de uma revolução propriamente dita. E precisam entender também que os nossos jovens não estão sozinhos: estão inseridos numa “revolta digital” que sacode o mundo. Mas, como todo movimento popular, o protesto rapidamente assume uma feição política. Além de cercar o Congresso, querem o fim da PEC 37, uma proposta de emenda constitucional que retira do ministério público o poder de investigar. É chamada de “PEC da Impunidade”. Os parlamentares, oportunistas, já retiraram o projeto da pauta de votações. E que os nossos políticos não se enganem, porque esse movimento terá consequências eleitoras no ano da Copa do Mundo.
O fato de o movimento não ter lideranças ou plataformas políticas visíveis, no entanto, contém um perigo: tornar-se meramente anarquista, contra tudo e contra todos. Vamos esperar que não! Porque o anarquismo anda de mãos dadas com a violência.

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Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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