Conflito no sul do Amazonas pode criar a mais grave crise indígena das últimas décadas.

A violência em Humaitá, em foto do Estadão.

A violência em Humaitá, em foto do Estadão.

O ressentimento entre moradores e índios na região de Humaitá e Apuí, no sul do Amazonas, pode se transformar num conflito de grandes proporções, produzindo a mais grave crise indígena das últimas décadas. Quem faz essa advertência é o bispo católico da região, Dom Francisco Merkel, que está à frente das negociações para reduzir as tensões. O clima ficou pesado depois do desaparecimento de três homens na reserva dos índios Tenharim, no dia 16 de dezembro, em um posto de pedágio “informal” controlado pela tribo na rodovia Transamazônica. O suposto sequestro seria uma represália à morte do cacique Ivan Tenharim, que teria sido atropelado na Transamazônica, duas semanas antes.
A revolta dos moradores explodiu no dia de Natal, quando grupos incendiaram a sede da Funai, destruíram veículos do Governo Federal e tocaram fogo numa grande embarcação que fazia a travessia do Rio Madeira. Dom Francisco Merkel declarou a jornalistas que a polícia local não tinha recursos para conter a confusão. Segundo ele, quando a população local atacou as instalações em Humaitá, havia uma insatisfação com as autoridades. “Três homens de bem sumiram e tudo apontava para os índios, mas o que fizeram as autoridades? Nada. Então, o principal alvo da explosão foi essa inércia do governo”.
No último fim de semana (4-5 jan), a Força Nacional de Segurança, com comando da Polícia Federal e apoio do Exército, localizou partes carbonizadas do carro que os três desaparecidos usavam quando sumiram. Deles, nem sinal. O Comandante Militar da Amazônia, general Eduardo Villas Boas, sobrevoou a área do conflito para decidir se autorizaria ou não o emprego de tropas especiais (Batalhão de Infantaria de Selva) nas buscas. Esses pedágios montados pelos índios ao longo da Transamazônica são motivo de tensão permanente.
Para entendermos um pouco melhor todo esse conflito, publicamos a seguir um artigo da secretária de agricultura, comércio, indústria e turismo do Mato Grosso do sul, a engenheira-agrônoma Teresa Cristina Dias, uma estudiosa da questão indígena. O artigo, resumido, expressa opiniões da secretária – e não necessariamente deste site. Teresa Cristina acredita que há um fundo político e ideológico nesse tipo de confronto. Acompanhe:

“É preciso deter a marcha da insensatez”.
Teresa Cristina Dias

“Os acontecimentos de Humaitá, no Amazonas, são um alerta a todos que têm algum envolvimento com a marcha da insensatez, que se avoluma e que chama às responsabilidades autoridades e mentores de desenvolvimentos políticos, administrativos e judiciais nesses espaços. A execução de três reféns seria o preço para a retaliação pela morte de um cacique atropelado por “brancos” não identificados. Estes acontecimentos encerram, com êxito, a retrospectiva de uma escalada de confrontos que rompem um equilíbrio que vinha se consolidando há mais de um século.
“Em Humaitá, fazia 125 anos que as comunidades indígenas e lusófonas tinham encontrado uma forma de convivência pacífica. O mesmo se pode dizer de Mato Grosso do Sul, onde, desde o final dos anos 1870, ainda no Império, D. Pedro II deu aos Guaicurus um status que consolidava a presença dos indígenas em suas terras, como prêmio por sua participação na Guerra do Paraguai, combatendo, sob a bandeira brasileira, a seus inimigos milenares, os índios Guaranis paraguaios. Tudo isto parece que hoje se afoga no ativismo político e ideológico.
“Enquanto o conflito de Humaitá evolui, não se pode prever como esse fato terminará. De um lado, os militantes da chamada causa indígena vão empurrando com a barriga, na esperança de que a suposta violência contra os três homens desaparecidos na rodovia Transamazônica seja jogada debaixo do tapete. Neste caso, daqui a dias aparecerá alguém dizendo que os silvícolas foram vítimas de um capitalismo cruel. Entretanto, será difícil passar por cima de três cadáveres, caso se confirme a morte dos desaparecidos. Como justificar a execução exemplar de inocentes capturados ao acaso numa rodovia federal, certamente abatidos a golpes de borduna? Será um impasse tão grave que põe em risco as políticas compensatórias que vêm sendo introduzidas no País desde o governo de Fernando Henrique Cardoso.
“Aqui em Mato Grosso do Sul todos os que têm responsabilidades nesta área, especialmente nosso governador, que delega prudência e inteligência a seus negociadores, dentre os quais me incluo, até agora conseguem limitar a violência a níveis mínimos. Por isto advertimos aos mentores do confronto, de ambos os lados, que reflitam ao insuflar uma escalada nos conflitos entre indígenas e fazendeiros aqui no Estado. Os fatos de Humaitá ainda não se esgotaram. Ainda permanecem encobertos por uma nuvem de silêncio de lideranças e entidades que deveriam ter responsabilidade nos acontecimentos, o que nos permite suspeitar que fatos muito graves ainda possam advir.
“Minha posição no governo do Estado justifica minha cautela. A questão indígena está aí a desafiar nossa capacidade política e a criatividade para recolocar o diálogo, trazer de volta o bom senso a uma sociedade plural. O importante é não chegarmos a uma situação limite como vivem nossos colegas governantes do Amazonas. Aqui como lá, o poder local não detém todos os meios para evitar o descontrole, mas certamente é sobre governadores e prefeitos que recairá o ônus de acontecimentos trágicos como os que vemos em Humaitá”.

A secretária Teresa Cristina.

A secretária Teresa Cristina.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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  1. marcos disse:

    Com certeza tem um fundo ideológico e político. Políticos e ascendentes políticos se aproveitam de problemas sociais para se promoverem. Isso tem que acabar. Usam em benefício próprio todos os problemas sociais existentes no país para se promover e ganhar dinheiro. Não pensem que existem pessoas não-índios que transformam suas vidas em defensores de classes, que não é com o propósito de se promover politicamente ou ganhar dinheiro. Em tudo o que o ser humano faz, existe um tipo de interesse, não sejamos hipócritas. Essas pessoas vão criar um problema que antes não existia. Vão gerar conflitos e possivelmente uma guerra civil. Estão jogando os brancos contra os índios e vice-versa, só para aparecer e terem benefícios próprios. É uma bomba-relógio que em algum momento vai explodir, pois está afetando muita gente.

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