“Califado do Levante” prega guerra santa contra os infiéis. Ou seja: todos nós.

Combatentes do ISIS.

Combatentes do ISIS.

As tropas da milícia muçulmana radical ISIS (a sigla, em inglês, significa “Estado Islâmico do Iraque e do Levante”) continuam avançando em território iraquiano e conquistando aliados. A milícia, de orientação religiosa sunita, acumulou forças, recrutou incontáveis combatentes e já alcançou a cidade de Tikrit, capital da província de Salah-ad-Din, terra natal de Saddan Hussein, a 170 quilômetros de Bagdá. A ofensiva surpreendeu o mundo, especialmente porque esse grupo islâmico era praticamente desconhecido e surgiu recentemente na guerra civil da vizinha Síria.
O grupo muçulmano radical ISIS se denomina “o braço armado” da AQI, que quer dizer a Al Qaeda do Iraque. Só por isso já se percebe a gravidade da situação. Após a retirada das forças dos Estados Unidos, depois de 11 anos de guerra, ao custo de inacreditáveis 3 trilhões de dólares e 120 mil mortos, as vitórias da organização terrorista mais perigosa do mundo refletem o desastre da política norte-americana na região. O ISIS, na verdade, defende posições mais radicais do que aquelas oferecidas pela direção da Al Qaeda. O próprio líder da organização terrorista, Ayman al-Zawahiri, tem dificuldades para lidar com os insurgentes na Síria e no Iraque.
A guerra iniciada por George W. Bush mergulhou Egito, Líbia, Síria e Iraque numa espiral de violência. Alguns tiranos foram derrubados, é verdade, mas quem vence o conflito até agora são os fundamentalistas islâmicos. A trama ficou tão enredada, que as esperanças do Ocidente agora se apoiam nos militares egípcios, que deram um golpe no governo da Irmandade Muçulmana, e no arqui-inimigo Irã, de maioria xiita.
O ISIS promete criar o “Califado do Levante” e destruir o Ocidente. Para quem não sabe, califado é uma forma de governo monárquico e autocrático que deve reinar sobre todos os muçulmanos do mundo. E o próximo califa já foi escolhido. Trata-se de Abu Bakar al-Baghdadi, o chefe político e militar do grupo, a quem os muçulmanos deveriam obediência cega. Ele tem 43 anos de idade. Desde 4 de outubro de 2011, frequenta a lista dos terroristas mais procurados, sendo que os americanos oferecem 10 milhões de dólares de recompensa para quem encontrá-lo, vivo ou morto.
Agora denominado “Califa Ibrahim”, Abu al-Baghdadi nasceu em Samarra, a maior cidade sunita do norte do Iraque, em 1971. Estudou na Universidade Islâmica de Bagdá, onde se formou em história e literatura árabe. Após a invasão dos Estados Unidos, em 2003, comandou uma milícia de insurgentes. Foi prisioneiro dos americanos entre 2005 e 2009, confinado a um campo de concentração chamado “Bocca Camp”. Após a sua libertação, assumiu a liderança da AQI e desapareceu. O Pentágono chegou a anunciar que havia morrido num ataque aéreo, quando era conhecido como Abu Duaa. Mas os americanos estavam enganados. Reapareceu na Síria com o seu ISIS.

O "Califa Ibrahim".

O “Califa Ibrahim”.


A ideia de criar um califado não é nova no discurso dos radicais islâmicos. Em 1993, numa carta de declaração de guerra aos Estados Unidos, Osama Bin Laden disse a mesma coisa: “reerguer o Califado Otomano e destruir os infiéis”. A carta do fundador da Al Qaeda (“A Base”, em árabe), que estava endereçada ao Secretário de Estado norte-americano, ficou esquecida numa gaveta até que um carro bomba foi detonado na garagem do World Trade Center, em Nova Iorque. Seiscentos e oitenta quilos de explosivos mataram seis pessoas e feriram 1.042.
O primeiro atentado ao WTC foi ao meio dia de 26 de fevereiro de 1993. Como sabemos, oito anos mais tarde, na manhã de 11 de setembro de 2001, um segundo ataque destruiu as Torres Gêmeas, matando perto de 3.000 pessoas. O FBI e a CIA descobriram que oito terroristas árabes, que viviam nos Estados Unidos, participaram dos planos para o ataque de 1993. Todos eram ligados à organização terrorista egípcia Jihad Islâmico. E também ficaram sabendo que o grupo foi financiado por uma tal de Al Qaeda. O dinheiro para o atentado havia sido fornecido por um homem chamado Khalid Shaikh Mohammed, braço direito de um certo Osama Bin Laden. Só a partir desses acontecimentos o governo dos Estados Unidos se lembrou daquela carta que ficou esquecida numa gaveta em Washington.

O “Califado do Levante” se estende de Alleppo, norte da Síria, até Dirjala, leste do Iraque. O “reino” de Abu al-Baghdadi começou com centenas de execuções sumárias e ataques suicidas. Parte do exército iraquiano desertou frente às tropas do ISIS: muitos desses militares simplesmente fugiram; alguns se juntaram aos insurgentes.

ISIS executou centenas de pessoas no Iraque.

ISIS executou centenas de pessoas no Iraque.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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2 respostas para “Califado do Levante” prega guerra santa contra os infiéis. Ou seja: todos nós.

  1. José Antonio Severo disse:

    A primeira vez que ouvi falar em ressurreição do Califado de Bagdá foi em 1977, em Teerã, ainda no reinado do Xá Reza Pahlevi, da boca de um professor da universidade, explicando a indissociabilidade entre poder espiritual e temporal no mundo islâmico. Sendo assim, a evolução política da região passaria pela restauração de um estado central sunita englobando todo o mundo muçulmano. O califado de Bagdá, extinto com a tomada da cidade pelo tártaro Ghengis Khan acabou com a hegemonia da etnia árabe e, com isto, a perda dessa configuração nunca mais retomada com o controle da região pelos turcos, povo que embora islamita seja de linhagem ariana.
    Este movimento que se verifica n o Iraque, financiado pelos reinos sunitas da Península Arábica, embora apareçam um tanto grotescos para a percepção dos povos bafejados pelo iluminismo europeu, deve ser levado a sério. Certamente os árabes não pretendem reeditar as conquistas do Século VIII, mas como sua crença é universalista, católica, vernaculamente falando, o dever dos crentes é conquistas as almas e as mentes de todos os habitantes do planeta, tal qual pensam e agem os seguidores de Jesus Cristo desde os primeiros tempos da atual era da humanidade.
    Esse movimento que nasceu na Grande Guerra visando unicamente enfraquecer o poder militar dos turcos, aliados da Alemanha, vem crescendo desde então, gerando estados cada vez mais fortes, que estão por trás de toda a instabilidade gerada pelo denominado terrorismo.
    Há mil ambos o ocidente deu um troco, com a invasão do Oriente Médio pelos cruzados, uma espécie de jihadistas cristãos. O estado franco na palestina era militarmente muito forte, mas serviu para unir sunitas e xiitas contra os europeus. Agora se pretende restabelecer esse inimigo externo, com a hostilidade a Israel, apresentado à opinião pública muçulmana como ponta de lança dos ocidentais. Entretanto, com a presença de tropas americanas e de outros países europeus, esses militares são identificados como os novos cruzados, literalmente, pois os franjes fardados são chamados de “cruzeides” (grafia fonética) pelas populações árabes.
    Muito interessante essa guerra pelo restabelecimento do califado. Não levem na galhofa porque é assunto muito sério. Mulheres, homossexuais e demais excluídos que se preparem.

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