Uma multidão – talvez 200 mil pessoas – acompanhou o velório e o enterro de Eduardo Campos, em Recife. Marina Silva estreia na campanha presidencial, abraçada à família do político morto tragicamente. As cerimônias reuniram os adversários: Lula e Dilma, comovidos, abraçaram Marina; Aécio Neves beijou as mãos de Marina. E a candidata, segundo prévia do Datafolha, já aparece em segundo lugar.

Cortejo fúnebre de Eduardo Campos, na foto de O Globo.

Cortejo fúnebre de Eduardo Campos, na foto de O Globo.

                    Com o apoio da família de Eduardo Campos, Marina Silva já pode se considerar candidata do Partido Socialista Brasileiro (PSB) às eleições presidenciais de outubro. As dúvidas que ela levantava entre os aliados do ex-governador pernambucano foram largamente superadas pela tragédia. Ambientalista radical, avessa à política tradicional, ela dividia a coligação de partidos liderada por socialistas. Nos estados onde predomina o agronegócio, a coisa estava ainda mais complicada. No entanto, o clima de comoção produzido pelo acidente que vitimou Eduardo Campos parece abafar as divergências.

                    Entre os observadores da política brasileira não há mais dúvidas de que Marina Silva será candidata. E um prévia da pesquisa Datafolha, na parte feita por telefone, já mostra a ambientalista em segundo lugar, à frente de Aécio Neves (PSDB), porém tecnicamente empatada com ele. A informação está na coluna de hoje (17 ago) de Merval Pereira, em O Globo. Para isso ter realmente acontecido, Marina Silva teria realizado a proeza de subir 14 pontos percentuais em apenas três dias. Se a tendência se confirmar, ela vai despachar Aécio Neves e disputar o segundo turno com Dilma. Esta possibilidade é um pesadelo para o Partido dos Trabalhadores (PT) de Dilma. De longe, o PT preferia Aécio.  

                    Tudo indica que Marina Silva será mesmo a candidata da coligação Unidos para o Brasil, que reúne seis partidos em torno dos socialistas do PSB, a maior agremiação da legenda. A segunda maior força eleitoral da frente, o PPS (Partido Popular Socialista, derivado do antigo Partido Comunista Brasileiro), já aderiu ao nome de Marina. E ela conta com apoio irrestrito da família de Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco, terceiro colocado nas pesquisas eleitorais antes do acidente que o vitimou. O apoio de Renata Campos, viúva do candidato, cotada inclusive para vice de Marina, é decisivo na tomada de decisão. Podemos estar diante de um fenômeno eleitoral. Algo só parecido com Jânio Quadros e Leonel Brizola. O presidente do PPS, Roberto Freire, disse que Marina Silva tem chances concretas de vencer.  

                    Mas o cenário é um tanto mais complicado do que parece. Tida como uma ambientalista radical, que se opõe aos modelos tradicionais de aliança política, Marina Silva não pertence aos quadros de nenhum dos partidos da frente eleitoral de Eduardo Campos. Ela tentou criar, no ano passado, o seu próprio partido político, a Rede Sustentabilidade, mais conhecida como Rede. O programa político e a estratégia deste partido são desconhecidos do povo brasileiro. Talvez nem existam ainda. Mas a pretensão política da ex-senadora esbarrou em decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que, apoiado em burocracias legais, rejeitou o registro da legenda.

Renata Campos, a viúva.

Renata Campos, a viúva, e os filhos.

                    Em 2010, quando Dilma Rousseff concorreu à sucessão de Lula pelo PT, e venceu no segundo turno,  Marina obteve cerca de 20 milhões de votos (19%), despontando como força política independente. A candidatura dela pelo Partido Verde (PV), em 2010, com o qual rompeu logo em seguida, garantiu o segundo turno das eleições presidenciais daquele ano. Este é o cacife eleitoral de Marina. Mas o pensamento político dela é uma incógnita.

                    Em outubro do ano passado, após a decisão do TSE recusando o registro eleitoral da Rede, Marina Silva foi procurada por Eduardo Campos, que ofereceu a ela a vaga de candidata a vice-presidente na chapa do PSB. Sem alternativa – e sem partido, porque havia rompido com o PV – ela aceitou um cargo menor do que cabia no seu cabedal eleitoral já confirmado, bem maior do que o de Eduardo Campos. Ficou na sombra do ex-governador pernambucano e se conformou com tal posição. Eduardo Campos conseguiu apenas 9% nas pesquisas, dez pontos a menos do que Marina na eleição real. Quis o destino trágico que as posições se invertessem. Mas, o que pensa Marina Silva? É muito difícil responder a essa questão. Sabe-se que ela declarou aos jornais: “sinto um toque da Divina Providência ao não embarcar naquele avião”.

                    Nos estados onde o agronegócio é predominante, como Paraná, Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, os aliados de Eduardo campos já ameaçam debandar. Marina Silva é visa como inimiga desses territórios dominados pala agricultura mecanizada, que garante ao Brasil o título de maior produtor mundial de grãos. E um dos maiores produtores mundiais de carne suína e bovina. Nessas terras brasileiras, ninguém quer ouvir falar no nome de Marina Silva, uma ferrenha defensora das florestas e da fauna.                   

                    Em termos eleitorais, qual o cenário? Marina Silva pode ultrapassar o candidato do PSDB, Aécio Neves, habilitando-se ao segundo turno. Pela última pesquisa Ibope, de 8 de agosto, antes, portanto, da morte de Eduardo Campos, o quadro era o seguinte:

Dilma: 38%

Aécio: 23%

Campos: 9%  

                    Mesmo ultrapassando Aécio, Marina precisaria superar mais 14% das intenções de voto para se aproximar de Dilma Rousseff. Seria uma proeza, poucas vezes vista na história política do país. Mas a Marina Silva pode provocar um segundo turno nas eleições, contrariando o que escrevi aqui há poucos dias, porque achava que ela tiraria votos de Aécio e não de Dilma. Mas a comoção relacionada com a morte de Eduardo Campos, o apoio da família, a presença deles na campanha, muda tudo. Merval Pereira, no artigo de O Globo, já citado, chega a dizer que o segundo turno pode ser entre Aécio Neves e Marina Silva. Pura ficção? Aparentemente, é só um desejo do colunista.

                    De todo modo, é uma longa estrada cheia de dúvidas.

A presidente Dilma no velório;

A presidente Dilma no velório;

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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