A OEA adverte: o Brasil não cumpriu sentença internacional sobre crimes políticos. Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o país por mortos e desaparecidos durante o regime militar.

Foto rara da guerrilha no Araguaia.

Foto rara da guerrilha no Araguaia.

A Organização dos Estados Americanos (OEA), em comunicado de 43 páginas divulgado esta semana, acusa o Estado brasileiro de não ter cumprido sentença da Corte Internacional de Direitos Humanos, que responsabilizou o país pela morte e desaparecimento dos corpos de 62 pessoas durante a luta armada contra a ditadura na região do Rio Araguaia. O episódio que ficou conhecido como a Guerrilha do Araguaia foi o maior, mais longo e feroz evento de resistência contra o regime militar no Brasil. No entanto, é um dos eventos políticos menos conhecidos da história recente do país. Sobre a luta armada no sul do Pará há uma nuvem de mistério e silencio até os dias de hoje.

Em 2010, durante o segundo mandato do presidente Lula, a OEA condenou o país a indenizar as vítimas da violência política durante a ditadura, investigar os criminosos e devolver os corpos dos desaparecidos às famílias. O governo brasileiro fez tímidas investigações sobre o episódio do Araguaia. Dos 62 desaparecidos reclamados, encontrou apenas dois. Mas sabemos que na guerrilha morreu muito mais gente, incluindo militares e moradores locais. Talvez esse número passe de 100. Pode ser ainda maior. O governo do PT patrocinou três ou quatro expedições ao cenário do conflito, cujos resultados foram pífios. Apesar disso, o país já pagou algo parecido com 3,4 bilhões de reais em reparações e anistia a vítimas do regime militar. Aos mortos e aos vivos. O próprio Lula recebe uma pensão modesta.

A OEA, no documento divulgado esta semana, diz que a Lei de Anistia brasileira, promulgada em 1979, durante o último mandato militar do ciclo dos generais, é o principal obstáculo à apuração dos fatos. Porque foi uma lei de perdão a todos os crimes políticos do período 1964-85, absolvendo liminarmente em todos os casos. A partir dessa lei, nunca mais se discutiu os crimes praticados pelo regime e seus opositores. É a Lei do Esquecimento. E – afinal – de que vale reabrir essa questão quatro ou cinco décadas depois? A Suprema Corte já se pronunciou sobre isso, reafirmando a tese do perdão. E vamos realizar uma campanha para punir sargentos e tenentes da época, que ainda estão vivos, quando os comandantes das matanças já se foram? Parece esforço inútil. Mas é mais do que justo procurar as reparações: que o Estado brasileiro pague por seus equívocos, independentemente de governo.

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O Brasil é signatário da Convenção de Direitos Humanos da Costa Rica, tornando-se obrigado a uma série de condições relacionadas ao respeito à vida humana. Só que essas decisões de cortes internacionais não têm aplicação prática sobre o judiciário nacional. Não são maiores do que as nossas próprias leis. A não ser que haja vontade política para fazer alguma coisa diferente. E isso parece que não há. Se você, leitor, tem interesse em conhecer melhor esse tema, procure nas livrarias o meu novo livro “Araguaia – Histórias de amor e de guerra” (Ed. Record, 505 páginas).

 

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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2 respostas para A OEA adverte: o Brasil não cumpriu sentença internacional sobre crimes políticos. Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o país por mortos e desaparecidos durante o regime militar.

  1. José Antonio Severo disse:

    Dificilmente o Brasil acatará a determinação do tribunal da Organização dos Estados Americanos para punir cidadãos nacionais, mesmo que sejam delitos capitulados como condenatórios pela legislação humanitária internacional. O caráter político dessas recomendações de sentenças para em estados soberanos sentenças obstaculiza sua implementação. Em crimes comuns (inclusive corrupção) já temos repressão mundial (PC Faria é um exemplo). Nem mesmo pelo centenário tribunal de Haia, onde Ruy Barbosa consagrou-se como uma águia das leis, até hoje nenhum genocida de estados organizados e reconhecidos foi condenado. O último, que inclusive submeteu-se a essa corte, Uhuru Kenyatta, do Quênia, teve pena.
    Desta forma, no Brasil os crimes de sangue com motivação política não serão levados aos tribunais. Os resultados da Comissão da Verdade serão morais, não penais. O movimento serviu para lavar a alma dos supliciados pelos governos da ditadura, de revanche moral humilhando-se velhos oficiais das Forças Armadas a se penitenciarem diante das câmeras, e poupou-se, por não ser uma versão completa, os antigos guerrilheiros envolvidos em ações sangrentas a relatarem os incidentes controversos em que estiveram envolvidos. Assim funciona essa questão dos crimes políticos: sempre aparece predominantemente a versão dos vencedores. Nos a nos 70 o relato oficial era dos ditadores; agora é dos novos vencedores que estão no poder e, com seus meios, assustam seus antigos inimigos ameaçando levá-los às barras dos tribunais.

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  2. rogerio disse:

    muito bem, mas e o que atualmente esta acontecendo no BRasil devido auma gestão publica lixenta, não tem peso e ou medida? e outro sim, o governo militar não foi o bixo PAPÂO que tanto falam, outro sim estâo (atual governo) apagando a Hístória de BRasil (Doutrinando já 2 gerações) que destratam todos que podem atacar devido as mentiras do atual desgoverno, que agem como uma prostituta que cheirou cocaina!

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