Noticiário da TV mostra que governo esnoba Eduardo Cunha e diz que há uma “crisezinha” política. Nada que abale o Planalto. Mas é tudo duvidoso.

Eduardo Cunha, pivô da crise. Arte do portal Itabuna Urgente.

Eduardo Cunha, pivô da crise. Arte do portal Itabuna Urgente.

Vi na TV: o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP), ontem (20 jul), em entrevista à imprensa nos Estados Unidos, minimizou o rompimento com o governo do presidente da Câmara Federal, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Disse que nada disso abala a base aliada de Dilma Rousseff. Outros ministros e líderes do PMDB disseram a mesma coisa: “A decisão de Cunha é pessoal”. Nada mais falacioso. Cunha tem vocação para o ataque, como a melhor forma de defesa. Cristiana Lobo, da Globonews, disse isso com todas as letras. Os âncoras dos telejornais preferiram frases sem adjetivos, seguindo o texto de seu editores. Mas a postura blasé do Planalto é uma tentativa de isolar o dissidente dentro do próprio partido dele.

Em primeiro lugar, o deputado foi levado à Presidência da Câmara contra a vontade do Planalto. E se tornou o terceiro na linha de sucessão presidencial. Depois, instituiu uma pauta conservadora na casa legislativa, derrotando o governo várias vezes. Foi o caso da redução da maioridade penal, o fim do fator previdenciário e outra cositas mais. E complicou, com ajuda de seu congênere no Senado, o também peemedebista Renan Calheiros, a aprovação das medidas de ajuste fiscal. O retardo na aprovação (com modificações) das medidas econômicas já consumiu metade do ano e terá repercussões sobe 2016. Até agora, a dupla ganhou todas. Neste momento, o governo tenta explorar divergências entre Renan e Cunha, para aumentar o isolamento do dissidente.

Quando vazou da “Operação Lava-Jato” um vídeo em que Eduardo Cunha é acusado de receber propina de 5 milhões de dólares (cerca de 16 milhões de reais) no escândalo da Petrobras, fato ocorrido na quinta-feira passada (16 jul), o deputado perdeu as estribeiras. Deu entrevistas rompendo com o governo. Disse – coisa absurda – que a delação premiada contra ele fora orquestrada pelo Planalto. Logo o governo do PT, que é a maior vítima da “Lava-Jato”.

Delator da "Operação Lava-Jato" diz que o deputado levou 5 milhões de dólares em propina.

Delator da “Operação Lava-Jato” diz que o deputado levou 5 milhões de dólares em propina.

Cunha atacou o juiz Sérgio Moro, que conduz o processo da bandalheira na maior estatal do país. Pediu ao STF a anulação da ação penal de Moro, que já condenou empreiteiros a longas penas, o que provavelmente não vai se concretizar em função das delações premiadas. Vão ficar em prisão domiciliar e passarão ao regime semiaberto no início do ano que vem, obrigados apenas a dormir em casa. Podem voltar aos negócios.

E o deputado rebelde fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão, às oito horas da noite da sexta-feira (17 jul). Interrompendo o Jornal Nacional, em horário de grande audiência, afirmou que a Câmara Federal nunca trabalhou como agora, sob a gestão dele. E listou seus feitos. Nem uma palavra sobre as acusações ou o rompimento com o governo. Nem uma linha sobre os tais 5 milhões de dólares.

Michel Temer: "Há uma crisezinha política".

Michel Temer: “Há uma crisezinha política”.

Como jornalista profissional há mais de quatro décadas, tenho poucas lembranças de um presidente da Câmara ter feito isso. Posso recordar Ranieri Mazzilli, no dia 2 de abril de 1964, logo após o golpe militar, anunciando que Jango havia caído e fugido do país. Ouvi pela Rádio Nacional, aos doze anos de idade. Depois disso, Ulisses Guimarães, anunciando a Constituição de 1988. Posso estar enganado em relação a Ulisses. Não tenho certeza de que tenha sido um pronunciamento oficial em cadeia nacional. Mas uma fala como a de Eduardo Cunha, que parecia um tanto robotizado diante do tele prompter, parece não ter anotação histórica.

As emissoras de TV, consultando seus analistas, contradizem a ideia de que vivemos uma “crisezinha” política. Eles disseram, especialmente na Globonews, no Jornal da Band e na Cultura, que o agravamento da crise política complica a questão econômica. Passam-se seis meses para aprovar o ajuste fiscal, com enormes consequências sobre o quadro inflacionário (a inflação pode fechar o ano acima de 9%), o desemprego (que já ronda os 9%) e a inapetência do empresariado em fazer novos investimentos. Continuam as demissões em massa na indústria, capitaneadas pelo escândalo na Petrobras, atingindo diretamente as obras físicas da empresa e chegando às montadoras, que amargam queda de 25% nas vendas. E tudo parece rastreado na “crisezinha” política. Os analistas da mídia dizem que se trata de “uma crise de confiança”.

TV Cultura debate a crise política e econômica.

TV Cultura debate a crise política e econômica.

Os editores de telejornais devem estar em dúvida sobre esse caráter agressivo de Eduardo Cunha. Aliás, o Supremo ainda não autorizou investigações oficiais contra Cunha e Renan Calheiros. Mas é provável que o faça. E os responsáveis pelo noticiário televisivo podem estar diante de um dilema: claramente, a grande mídia apoia uma oposição civilizada, tipo Aécio Neves, Serra e FHC, todos do PSDB. Mas esse Eduardo Cunha, que de fato deu um novo ritmo à Câmara Federal, soa incontrolável. Para piorar: o governo federal é um dos maiores anunciante de telejornais e eventos esportivos, através do Banco do Brasil, da Caixa e de outras instituições públicas. Como lidar com esse imbróglio, sob pena de punir o telespectador ou perder receitas? Não é fácil desatar esse nó.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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