Investigadores da “Lava-Jato” dizem que Fernando Collor papou 26 milhões de reais do “petrolão”. Está até devendo prestações do Lanborghini, um carrão de 3,5 milhões que ele comprou a prazo. A TV encampou a denúncia, sem se preocupar com as confirmações.

O carrão de Collor, a nova imagem da crise política.

O carrão de Collor, a nova imagem da crise política.

O noticiário televisivo sobre a “Operação Lava-Jato” se caracteriza, de modo geral, por publicar toda e qualquer informação que tenha como fonte a Polícia Federal e o Ministério Púbico. Ou o juiz Sérgio Moro, que comanda a devassa. Este, inclusive, nunca aparece para gravar uma entrevista. Na maior parte dos casos, a informação é tão “boa” (ou confiável), que se dispensa a prova em contrário ou a investigação independente. Primeiro a notícia vai ao ar – e depois vamos ver no que dá.

Isto contraria uma regra básica do jornalismo: o repórter que acredita na primeira versão do fato deveria mudar de profissão. Quase nunca se pergunta: como os federais chegaram a tal conclusão? Ou: quais são as provas? Como a fonte é oficial, publique-se. Um jornalista inglês, Phillip Knightley, autor do notável livro “A Primeira Vítima”, já ensinava: “Em situações de conflito, a primeira vítima é a verdade e a liberdade de informação”. Aqui parece que não damos muita bola para isso. E nessa minha opinião não vai nenhum juízo de valor sobre o noticiário das TVs e da mídia eletrônica. Não quero saber de outras implicações políticas ou ideológicas. É que me pergunto: “Será que foi assim mesmo?” Serve para um acidente de trânsito ou para uma denúncia de corrupção governamental.

Ex-presidente, Collor renunciou. Agora é acusado de levar grana da Petrobras.

Ex-presidente, Collor renunciou. Agora é acusado de levar grana da Petrobras.

Os investigadores da “Operação Lava-Jato”, uma gente que tem fé pública e pode assinar documentos, garantem ter fortes indícios de que o senador Fernando Collor (PTB-AL), que renunciou à Presidência da República para evitar um impeachment (1992), está envolvido no escândalo de desvio do dinheiro público que ganhou o apelido de “petrolão”. Segundo os federais, Collor papou uma parte da grana. Algo parecido com 26 milhões de reais, em cinco anos. A notícia saiu no “Bom Dia Brasil” (TV Globo), às 8 horas da manhã de hoje (5 ago) – e com grande estardalhaço. A denúncia também saiu nos principais portais de notícias do país.

Baseada em fontes da Polícia Federal e do Ministério Público, a mídia digital fez enorme barulho com essa novidade da “Lava-Jato”. As TVs embarcaram. Curioso: não foram exibidas provas para sustentar a acusação. Aliás, o noticiário em torno das denúncias de corrupção é feito a partir de “repercussões” e não de “comprovações”. Não se trata de defender o senador alagoano, cujo governo foi um desastre para o país – tanto que resultou na renúncia. Collor confiscou a poupança os brasileiros. Algo inédito na história. Mas o fato é que se publica qualquer acusação sem a necessária apresentação das provas.

O primeiro grande telejornal de rede da TV Globo, que tem uma audiência significativa, chegou a informar que Fernando Collor deve algumas prestações de um dos carros de luxo apreendidos na “Casa da Dinda”, em Brasília, o quartel-general de Fernando Collor na capital da República. A enorme residência da família Collor, quando era presidente, ficou famosa pela cobertura global, que acompanhava até mesmo as corridas matinais do então presidente, quando governava: “O presidente, acompanhado pela primeira-dama, saiu para correr na manhã de hoje…”. Vendo de hoje, é quase ridículo. Na semana passada, mostrou a apreensão do famoso Lanborghini, uma Ferrari e mais um auto de luxo. Qual diferença tem uma “notícia” da outra? A diferença é o cenário político.

Um veículo de 3,5 milhões: condução para um ex-presidente.

Um veículo de 3,5 milhões: condução para um ex-presidente.

Sabemos que se trava em Brasília uma luta política de vida ou morte. Há uma “pauta-bomba” na Câmara dos Deputados, cuja intenção é ferir de morte o governo, até mesmo com o aumento do rombo nas contas públicas. A aliança PT-PMDB está por um fio. Sem um acordo entre os dois maiores partidos políticos do país, será impossível governar. As consequências do enfrentamento vão desabar sobre as eleições locais de 2016 e as presidenciais de 2018. Está em jogo a sobrevivência, pouco provável, do PT de Dilma. Observando os telejornais, o tamanho da crise não aparece. O noticiário, oportuno, é supérfluo. E não dá a dimensão do novo desastre.

Quem há de entender o tabuleiro da crise? Nesta próxima quinta-feira, vai ao ar o programa eleitoral gratuito (será?) do PT. É esperado um “panelaço”, no melhor estilo argentino. No dia 16, é esperado o maior protesto de rua de todos os tempos. Aonde vamos parar? Ah, sim: o banco que financiou a compra do Lanborghini de Collor entrou na justiça para recuperar o veículo.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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