Nas últimas semanas, após um ataque de paramilitares colombianos contra uma patrulha do Exército venezuelano, na área de fronteiras entre os dois países, três militares da Venezuela resultaram feridos a bala. A área fronteiriça é controlada por milícias armadas ligadas ao narcotráfico e ao contrabando.
A Venezuela chavista, ou bolivariana, se você preferir, vive uma enorme crise de desabastecimento. Falta tudo nos supermercados, de papel higiênico a carne e derivados. Isto promoveu o mercado clandestino, que está nas mãos do crime organizado. Boa parte dos produtos vendidos é de origem brasileira. E ainda tem o narcotráfico, com suas milícias armadas, e a guerrilha comunista, as FARCs e o ELN.
O governo de Maduro enfrenta uma crise econômica sem precedentes. Inflação fora de controle, desabastecimento nos mercados, oposição nas ruas. Vertiginosa queda nos preços do petróleo, o principal produto de exportação da Venezuela. Maduro, eleito pelo voto popular, desencadeou uma forte repressão contra os opositores. Inclusive nas ruas, com dezenas de vítimas, feridos e presos. Agora arrumou um inimigo externo. A Colômbia.
É a clássica opção por uma questão política fora de suas próprias fronteiras. O regime chavista gastou bilhões de dólares na compra de armamentos produzidos na Rússia. Só de fuzis automáticos AK-74 foram 150 mil. Foi criada uma milícia popular à parte das forças armadas do país. Isto parece preparativo para uma guerra. Há um cheiro de pólvora no ar.
Na América do Sul, a última vez em que um governo discricionário resolveu começar uma guerra foi entre 2 de abril e 14 de junho de 1982. A chamada “Guerra das Malvinas” (Falklands, em inglês), quando a ditadura militar argentina decidiu retomar a possa das ilhas consideradas inglesas desde o Século 19, no mar territorial argentino. Foi um desastre de parte a parte.
A Inglaterra esteve próxima da derrota, por causa da brilhante atuação da Força Aérea argentina, que destruiu inclusive a nave capitânia da armada britânica, o Sheffield, atingido por mísseis. Um dos príncipes herdeiros da coroa britânica esteve frente à morte. A nave afundou com foguetes nucleares, que estão até hoje no fundo das águas geladas da Patagônia.
No conflito contra a Inglaterra, a ditadura argentina apressou o seu final. As baixas foram terríveis. No solo das geladas Malvinas, os soldados não tinham sequer roupas de inverno. Colocavam jornais dentro das botas, para resistir ao frio. Os fuzileiros navais ingleses estavam nus, protegidos por um traje plástico, pressurizado e aquecido artificialmente. Como astronautas. Nos combates com os pés no chão, como se diz no jargão militar, foi uma tragédia. Tecnologia contra eufemismo.
Mas por muito pouco os ingleses não foram derrotados, tamanha a audácia e a competência da aviação argentina. Quando se ouvia o ruído das turbinas, os ingleses morriam de medo. No entanto, ao conseguir desembarcar nas ilhas, deu-se o desastre argentino. O saldo da batalha: 649 soldados argentinos mortos; 255 britânicos e 3 civis das ilhas. A primeira-ministra conservadora inglesa, Margaret Thatcher, ao anunciar para o Reino Unido o afundamento do Sheffield, no Parlamento de Londres, estava vestida de luto. A “Dama de Ferro” chorou diante das câmeras.
A guerra em miniatura, entre Argentina e Inglaterra, deixou lições inesquecíveis para o continente sul americano. Não importa o tamanho da potência estrangeira: podemos resistir. Se fossem os americanos, o próprio Tio Sam, poderíamos resistir. Mas, quando se trata de um conflito interno, a coisa pode ser muito diferente. Com Colômbia e Venezuela, o buraco é mais embaixo. A Colômbia vive uma guerra civil há mais de 50 anos, com uma soma de mortos estimada em mais de 1,3 milhão de pessoas. E com cerca de 3 milhões de “desplazados”, gente que perdeu as suas terras e casas. O país está dividido em três poderes: o narcotráfico (é o maior produtor mundial de cocaína), o governo constitucional e a última guerrilha comunista do continente. E não existem sinais de que qualquer das forças envolvidas possa solucionar o conflito. Nem militarmente, nem politicamente. Estabeleceu-se, no dicionário da guerra revolucionária, um equilíbrio de forças. Resta a solução pacífica, com a desistência de razões de parte a parte. Só que os seres humanos são complicados e não dão o braço a torcer. Espera-se mais uns 20 anos de luta armada na Colômbia. Com mais 1 milhão de mortos.
A Venezuela tem um governo eleito pelo voto popular que se declara “revolucionário”. O fenômeno começou com Hugo Chávez, um coronel do Exército venezuelano, a partir de uma coligação de partidos políticos voltados ao fim da pobreza no país. Tem amplo apoio popular, nas classes desfavorecidas da Venezuela. Enfrenta oposição nas classes médias, em setores de maior escolaridade e nas elites econômicas. Algo parecido com a crise do PT no Brasil. Só que lá, ao contrário do Patropi, há o risco de uma guerra civil.
Provavelmente por isso, o regime chavista investiu algo como 7 bilhões de dólares em equipamentos militares. Especialmente para tropas de infantaria, prevendo um enfrentamento interno. Ao criar um caso com a Colômbia, Nicolas Maduro acredita que suas milícias bolivarianas podem dar conta do recado. Engana-se. A Colômbia reúne a maior experiência militar do continente. Tem apoio direto dos Estados Unidos, que despejaram bilhões de dólares sobre o país a cada ano.
A crise entre os dois países, que têm fronteiras com o Brasil, pode resultar num conflito semelhante à Guerra do Paraguai. E pode envolver diretamente a nossa diplomacia e as nossas forças armadas. É bom lembrar: estamos construindo cinco submarinos em cooperação com a França, um deles com propulsão nuclear. Compramos 3 mil blindados da Alemanha, da classe Leopard, para abastecer nossas forças. Estamos comprando 36 aviões supersônicos de combate Gripen, da Suécia. No total, um investimento de cerca de 21 bilhões de dólares. Três vezes maior do que o gasto militar chavista. Por que? Você, leitor, tem algo a dizer sobre isso?
Há dois dias, as FARCs, o exército guerrilheiro comunista da Colômbia, declarou apoio ao presidente Maduro. Mais lenha na fogueira.