Em números absolutos, o brasileiro é o povo que mais mata no mundo ocidental. E uma onda conservadora varre o país. Há um clamor por vingança, representando um retrocesso no caminho da civilização.

 

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Violência no Brasil, na ilustração da Carta Potiguar.

                                            O país vive um retrocesso conservador. Há um clamor pelo endurecimento das leis, pela criminalização dos setores desfavorecidos da sociedade, sempre acusados (ou suspeitos) da crise de segurança pública que nos assola. Só no ano passado, foram 58,5 mil homicídios. Mais de 6 milhões de assaltos a mão armada, apenas um terço dos quais comunicado à polícia. Mas não se diz que nesse Brasil ensolarado (atualmente chuvoso e cheio de mosquitos perigosos) falta uma política de proteção ao cidadão. Diz-se que é preciso mandar tomo mundo para a cadeia. Desde que esse “todo mundo” seja pobre, preto e favelado. O famoso PPF da crônica policial.

                                            No Brasil, a cada ano, só 1% dos crimes resulta em condenação. Entre outras razões, porque a Justiça não funciona: há 100 milhões de processos entulhando os tribunais. Cada juiz cuida, em média, de 30 mil processos por ano. Não pode dar certo. E não estou falando de “crimes do colarinho branco”. Estes só resultaram em prisões após as ações penais do “mensalão” e do “petrolão”. Antes, nunca se viu banqueiros e altos empresários atrás das grades. Só me lembro de um caso: Salvatore Cacciola, condenado por fraudes que atingiriam 1,5 bilhão de reis. Fora os casos excepcionais, a elite econômica e política só foi em cana com enorme pressão política. Ou por crimes comuns. Ou por roubalheira mesmo.

                                            No cenário institucional, políticos e governantes são comparáveis a ratos. Foi esse o resultado de uma pesquisa de opinião, há mais de dez anos, na qual se perguntava ao eleitor qual o bicho que mais lembrava os políticos. Ratos.  No Parlamento, as bancadas conservadoras avançam. Querem a revogação do Estatuto do Desarmamento, liberando a venda indiscriminada de armas. Isto beneficia quatro grandes empresas de armamentos: a Taurus, CBC, a Rossi e a Imbel. As estatísticas informam que há no país 15 milhões de armas nas mãos de civis.

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Essas são as condições de habitação nas áreas mais violentas do país.

                                            A redução da maioridade penal, já obtida, e a regulamentação dos jogos de azar, bingos, loterias e cassinos, passaram na calada da noite, sem uma forte cobertura da mídia. E sem uma ampla discussão na sociedade.  Por que? Porque existem enormes interesses econômicos em jogo. E os beneficiários possuem as suas próprias bancadas no Congresso, parlamentares a peso de ouro.

                                            Também há, no meio político, enormes resistências à pesquisa científica com células-tronco embrionárias, motivadas por sentimentos religiosos em um país laico. Muitos são contra a união homoafetiva. Contra um parceiro do mesmo sexo herdar bens do companheiro morto por causas naturais. Até mesmo contra a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. A onda conservadora quer tirar do governo central o direito de demarcar terras indígenas e proteger as florestas. Deseja que isso seja atribuição do Congresso, onde campeia a bancada ruralista e do agronegócio. A oposição, termo a cada dia mais difuso, misturando quem faz críticas coerentes com os fundamentalistas de todo tipo, quer o afastamento de Dilma Rousseff, a prisão de Lula e a cassação do registro eleitoral do PT. Ontem mesmo (20 jan), o PSDB anunciou que vai pedir o banimento do PT. 

                                            Metade dos eleitores é ainda mais radical. Aprovaria a pena de morte, a prisão perpétua e coisas tais. Construiria campos de concentração na Amazônia, para confinar os bandidos. Mas quais bandidos? Talvez, até, o flagelo público de ladrões e homossexuais. A outra metade, no entanto, votou em Dilma. Temos aí um país dividido, no qual a oposição inteligente não é capaz de propor um projeto nacional alternativo.

                                            Em números absolutos, repito, o brasileiro é o povo que mais mata. Metade dos homicídios é consequência de motivos banais e algum tipo de intoxicação, por álcool, drogas e paixões. Mata-se mais nos botequins no que nas brigas de gangues. Outra parte está ligada ao crime organizado, que nossos governantes dizem não existir, especialmente nas disputas por pontos de venda de drogas. Por 300 reais você compra um revólver 38, carregado, em qualquer das periferias brasileiras.

                                            É bom não esquecer: a polícia também mata muito. São chacinas e execuções extrajudiciais, porque o policial está de saco cheio de prender e a Justiça soltar. Vários agentes da lei já me contaram que pegam o mesmo sujeito duas ou três vezes na mesma noite. Além do mais, a qualidade do inquérito policial, sem provas concretas, baseada em flagrantes circunstanciais, leva o juiz a liberar o preso em pouco tempo. Especialmente no caso de menores.

                                            O Brasil tem mais de 14 mil leis que podem resultar em sanções penais. Nosso problema é a aplicação das leis. Quem tem muita grana, escapa. Os advogados podem retardar por 20 anos uma decisão judicial, levando à prescrição dos crimes. Quem é pobre, dança. Por isso, entre mais de 600 mil prisioneiros, a maioria é de pobres que cometeram um único delito. E esse delito foi contra o patrimônio: roubos e furtos. Entre as mulheres, atualmente, 85% são por causa do tráfico. Elas assumem o “negócio” de maridos e companheiros para sustentar a família.

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Conflito urbano do Rio de Janeiro, na foto da Times.

                                            Ao invés de discutir as causas da criminalidade, a onda conservadora pretende aumentar o encarceramento. E o que vamos fazer com os presos? Hoje temos cerca de 250 mil vagas a menos do que deveríamos nos presídios. Com a prisão dos adolescentes, após a redução da maioridade penal para 16 anos, teremos que abrir outras 400 mil vagas. Como? Construir presídios tira votos, como se viu em São Paulo, onde o governo do PSDB bateu o recorde nacional de construção de cadeias no interior, levando um enorme problema para comunidades pacatas, com fugas e rebeliões.

                                            Combater a violência é um processo que tem de estar associado à melhoria das condições de vida. Polícia e cadeia, apesar de necessárias, não resolvem sozinhas. Veja-se o fracasso das UPPs no Rio de Janeiro, a mais ousada tentativa de retomar os territórios controlados pelo narcotráfico. Após sete anos, o projeto naufragou em violência policial, corrupção e maus tratos contra moradores. Não houve uma reforma do aparelho policial para o novo modelo – e o Estado não fez a parte que lhe cabia.   

   

 

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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2 respostas para Em números absolutos, o brasileiro é o povo que mais mata no mundo ocidental. E uma onda conservadora varre o país. Há um clamor por vingança, representando um retrocesso no caminho da civilização.

  1. alex disse:

    Pelo o texto eu entendi que o negro, o favelado e o pobre, não deve ser punido pelos seus crimes, pois sua situação desfavorável já é sua punição!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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