Exagero da Lava-Jato cria fato político: Lula é levado para depor de camburão. Foi um balde de gasolina na crise. A mídia internacional chegou a dizer: Lula está preso.

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Lula, após detenção, faz pronunciamento.

                                   A operação “Em busca da verdade” (Aletheia, em grego) da Polícia Federal, desencadeada às seis horas da manhã desta sexta-feira (4 mar) em São Bernardo do Campo (SP), onde mora o ex-presidente Lula, se transformou em um espetáculo impressionante. Ocupou todas as emissoras de rádio e televisão, além da mídia digital, durante o dia inteiro. A 24ª fase da Lava-Jato teve o líder metalúrgico como alvo principal. Sob mandado de condução coercitiva, assinado pelo juiz Sérgio Moro, Lula foi levado de casa. Esse tipo de ordem judicial é uma medida de força, aplicável quando um acusado ou testemunha se recusa a prestar esclarecimentos, sendo conduzidos pela polícia.

                                   Luís Inácio já havia prestado dois depoimentos à PF. Só que desta vez não foi intimado. O juiz optou por uma forma branda de detenção. A explicação: a polícia comunicou por escrito ao juiz da Lava-Jato ter informações de que haveria séria perturbação da ordem pública com o depoimento de Lula, o que obrigaria ao recurso do mandado de condução. Pior: ao invés de ser levado para a sede da Superintendência da Polícia Federal paulista, como seria óbvio, Lula foi conduzido ao Aeroporto de Congonhas. Por que? Segundo a PF, pelo mesmo motivo de evitar perturbação da ordem. Foi interrogado na ala destinada às autoridades, durante mais de três horas.

                                   Curioso: por volta das duas da manhã desta sexta, alguns jornalistas foram informados da 24ª fase da Lava-Jato. Tanto que alguns deles postaram mensagens na Web. E quando a operação começou, havia câmeras por todo lado. Na casa de Lula, na sede da PF e até – pasmem – no Aeroporto de Congonhas. Como, se a ideia era o sigilo absoluto para evitar confrontos? Em frente ao aeroporto  havia inclusive fogos de artifício, instalados para protestar contra o ex-presidente. E houve confrontos, é claro, com gente ferida, repórteres agredidos, câmeras quebradas etc.

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Manifestantes atacam repórteres.

                                   Não quero aqui discutir as suspeitas dos federais a respeito do ex-presidente. Eles acreditam: Lula chefiava a organização criminosa que saqueou a Petrobras. Já ouvi isso, pessoalmente, diversas vezes. Dizem que Lula recebeu benefícios pessoais antes, durante e depois da Presidência. Que era o poder oculto por trás de José Dirceu. E que as empresas públicas foram “aparelhadas”. Não sou petista e apoio as investigações, desde que estejam de acordo com o Estado de Direito. Pague quem tiver que pagar. Mas o que ocorreu hoje, no entanto, foi um ato político coercitivo e deliberado, destinado a aprofundar o desgaste do governo Dilma e do PT. E com vistas a um golpe de estado. Até o Aécio Neves disse coisa parecida na tarde de hoje, alertando para que divergências não se transformem em violências e rupturas da ordem constitucional e democrática. Hoje já vimos uma miniatura disso, com grupos opostos se agredindo na rua – e com a polícia batendo em todos. Daí para um conflito em larga escala é só um passo.

                                   Como a maioria dos brasileiros, concordo: o governo Dilma é péssimo. Com profundas divergências ideológicas, sem programa definido, com o loteamento de cargos e funções, é incapaz de propor soluções para a crise. Não resolve nem a política, nem a economia, que amargou redução de 3.8% no ano passado.  Está enredado no lamaçal da política de coalizões, lidando com um Congresso oportunista. E é bom lembrar: os presidentes das duas casas do Parlamento são acusados de crimes graves. Entre os parlamentares, 160 deputados e 31 senadores respondem a algum tipo de ação penal. O país se envergonha dos seus políticos, já comparados com os ratos em uma antiga pesquisa de opinião.

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A PM tentou separar os manifestantes de cada lado.

                                   E é preciso dizer também: a Lava-Jato não é a solução dos nossos problemas, apesar de que, em tese, devemos apoiá-la, por ser a maior devassa contra a corrupção que este país já viu, somando bilhões e bilhões de reais desviados do bolso do contribuinte. Sérgio Moro não é, supostamente, candidato a nada. Está condenando bravamente alguns poucos corruptos atingidos pelas leis comuns. Não chega aos potentados, que têm foro privilegiado. O próprio termo já revela o conteúdo – o privilégio. Sérgio Moro e a sua Lava-Jato ficam pelas bordas. Agora há pouco, o ministro Marco Aurélio Mello, da Suprema Corte, um conservador, disse que o juiz de Curitiba atropelou as regras no caso de Lula. É verdade.

                                   Precisamos entender que as soluções não virão pela via judicante. O judiciário é um regulador de coisas já existentes. Lida com o passado, o crime já cometido. Não enxerga o futuro. As soluções virão pelo entendimento político. É a política, como ciência, e não como mendicância, que vê o futuro. As soluções virão por meio de um grande pacto nacional de todas as forças envolvidas. Englobam a situação, a oposição, os independentes – menos os criminosos. Caso contrário, teremos um golpe. Já vimos esse filme em vários outros tempos.

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O juiz Sérgio Moro, que comanda a Lava-Jato.

                                   Na tarde dessa sexta-feira fatídica, a opinião de Aécio Neves chamou a minha atenção. Não gosto dele. É um precário herdeiro de Tancredo Neves. Mas teve a visão correta: se não agirmos agora pelo entendimento, o golpe será inevitável. E como o golpe, de fato, vai começar? É simples: as divergências se transformam em ódio e violência, que se espalham pelas ruas; a violência exige a intervenção das forças que possuem armas; os atingidos também procuram as armas; e o conflito se generaliza.

                                   Desse modo, o Patropi ensolarado vira uma Colômbia.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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4 respostas para Exagero da Lava-Jato cria fato político: Lula é levado para depor de camburão. Foi um balde de gasolina na crise. A mídia internacional chegou a dizer: Lula está preso.

  1. José Antonio Severo disse:

    Carlos Amorim e demais leitores deste veículo: Para colaborar com o lúcido comentário que o autor postou acima, tomo a liberdade de compartilhar um pequeno artigo de um velho jornalista brasileiro que às vezes escreve neste espaço, o Pinheiro do Vale. Ele levanta um desdobramento relevante: ao extrapolar sua jurisdição, Sérgio Moro pode ter aberto a porta de saída de seu posto em Curitiba. Vejam o que ele fala, se Amorim me permitir:

    PINHEIRO DO VALE
    Parece que desta vez o juiz Sérgio Moro pisou na bola. Na sofreguidão para riscar mais este entalhe na coronha de seu revólver, tratou de botar a carreta à frente dos bois antes que a ministra gaúcha Rosa Weber desse imunidade ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva na forma de um habeas corpus preventivo que estava na sua mesa para ser julgado a qualquer momento.
    Pois Moro prendeu Lula e logo de tarde a ministra do Supremo negou ao ex-presidente a segurança que pedia antecipadamente, pois se via que os procuradores de São Paulo e de Curitiba apostavam uma corrida para ver quem mandaria o líder número um do PT para trás das grades.
    A medida (coerção) foi descabida por excessiva, como disseram os juristas, e arrogante, como a qualificou o ex-presidente. “Uma demonstração de pirotecnia”, disse Lula com propriedade, pois o fato em si não trouxe nada de novo às investigações, mas a fez o barulho inócuo de foguetório e a fumaceira que encobre as estrelas nas festas de São João. Pólvora seca e tiro n’água é uma mesma coisa.
    Prisão sem força é um desperdício de poder. Dizia Maquiavel: “tem poder quem prende e quem solta”. Na assertiva, o sábio italiano mostra que o verdadeiro poder é de quem solta.
    Prender por prender é uma simples arbitrariedade. Aí está a bola em que o juiz Moro pisou e pode deixa-lo sentado de cócoras na risca do gol. Mais ainda se atrás disso está uma parcela de vaidade.
    O lado do juiz Moro: quando Lula apareceu na luneta de seu fuzil, a caça pareceu fugir-lhe porque um procurador estadual de São Paulo atravessou-se à frente, dizendo que o alvo era dele.
    Afinal, dizia o procurador paulista: tanto o sítio quanto o tríplex estão no meu território. Se houver ilegalidade é estadual e não federal.
    Ou seja: ele estava puxando a brasa para seu assado. Assediado por duas jurisdições que brigavam pela pelo seu couro, Lula entrou na Justiça, pedindo ao Supremo uma habeas corpus, alegando estar sob um conflito de competências, que não saberia param aonde se virar, pois vinha bala dos dois lados.
    O sistema judiciário paulista chegou a atentar para essa questão, desqualificando o promotor, mas depois voltou atrás e resolveu enfrentar a ganância da justiça federal, dando força ao procurador.
    Lula continuou no tiroteio em meio às balas, mas seus defensores tomaram a frente com as duas ações que deixaram os promotores falando sozinhos: entraram no supremo com o pedido de habeas corpus e Lula se negou a se apresentar para depor, dizendo que já tinha falado sobreesse4s assuntos na Polícia Federal em Brasília e, arguindo seus direitos constitucionais, negava-se a aceitar um convite, pois, na verdade, nem a própria justiça sabia o que queria.
    Com isto, antes que Lula ficasse fora de seu alcance com seu habeas corpus, temendo que Rosa Weber desse razão ao ex-presidente, Sérgio Moro adiantou-se a promoveu o grande evento de grandiosidade cinematográfica de São Bernardo do Campo.
    Essa foi a bola traiçoeira que derrubou Sérgio Moro na risca do gol. Depois de tal fiasco nenhum atacante se mantém como líder do time. As cobranças virão e as consequências podem ser muito grandes.
    Uma coisa é prender empreiteiros, que são figuras preliminarmente suspeitas no mundo inteiro, políticos e gestores financeiros de partidos políticos. Outra muito diferente é levar de camburão um chefe político que foi e ainda era reconhecido como o maior estadista mundial no seu tempo.
    Foi erro do burocrata. O sistema judiciário não poderá perdoar essa falseta. Esperem-se algumas semanas e Sérgio Moro será “promovido” e assim deixará a primeira instância, indo para longe desses fios desencapados em que enfiou seus dedos e o bom nome do sistema judiciário brasileiro no cenário jurídico internacional.
    A prisão de Lula (Maquiavel jamais diria condução coercitiva) foi uma demonstração pífia e desastrada do uso irracional do poder fundamental. Se a Justiça estava mostrando quem agora manda no Brasil, perdeu a vaza.
    Sérgio Moro botou por terra toda esta construção que se iniciava com a prisão de Paulo Maluf (e seu filho) no primeiro momento do governo Lula, lá em 2002.
    Agora é esperar os desdobramentos. Ocorreu o que o sistema judiciário mais temia: a crise do Lava Jato desbordar para a esfera política. Para manter o caso nos limites do Judiciário, passando à frente dos demais poderes, a Justiça teria de ser cega, como na estátua da Praça dos Três Poderes. Sérgio Moro tirou a venda e mostrou seus olhos, aparentemente míopes e estrábicos.

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  2. Antonio Carlos disse:

    Dia 13 de março será o divisor de águas. A ministra Rosa Weber não atendeu os pleitos de Lula. As Forças Armadas já informaram à Dilma que cumprirão a lei para manter a ordem. O que restou das, hoje, fracas forças de esquerda também já estão cansadas de sofrer, pois o emprego já acabou e agora a comida falta nas mesas. Não haverá conflito pois todo o povo brasileiro não quer mais o que está aí. O problema não é apenas Lula, Dilma ou o PT, o problema fundamental é o modelo politico que acabou. Para isso, todo o Brasil se juntará para exigir mudanças que podem passar por uma nova constituinte desembocando no voto distrital ou no parlamentarismo. Agressão é coisa de terrorista e nos dias atuais não há espaço para isso a não ser em algumas velhas e tontas cabeças. Hoje o Brasil é dos jovens e eles não aguentam mais o que está aí.

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    • Carlos Amorim disse:

      Antônio Carlos,
      obrigado pelo comentário e continue participando.
      De fato, o divisor de águas será quando a população entrar em cena. Isso fará toda a diferença.
      abs
      Camorim

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