Com Dilma ou sem ela, a crise continua. Se sobreviver ao impeachment, vai montar um governo com o que há de pior na política. E, se cair, o governo de transição será outro saco de gatos. E que se dane o país!

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O comício de 13 de março de 1964, último ato público do governo Jango. Imagem Agencia Nacional-EBC.

 Estamos no meio de abril e o ano de 2016 já está perdido. A luta política, cada vez mais encarniçada e indecente, simplesmente não leva em conta os grandes interesses nacionais. É um luto político. Vemos uma presidente eleita sendo questionada de maneira duvidosa. E vemos políticos acusados de crimes graves travestidos de defensores da moralidade e da democracia. O país experimenta um gesso que parece não ter fim. Enquanto isso, os preços sobem no varejo, especialmente nos supermercados, mesmo com a redução de tarifas administradas, como energia elétrica. Apesar das chuvas abundantes que salvaram lavouras, governos e reservatórios. Mas a conta no bolso do consumidor só faz aumentar. Há queda no consumo e na produção. Vertical. E o desemprego é desolador. Como há menor oferta de produtos, os preços continuam subindo, disfarçados por meio de promoções, juros zero (o que é uma mentira) e outros artifícios. Compre dois e leve três (outra mentira). Os resultados no comércio e na indústria são desanimadores. E vão piorar.  A bancarrota ameaça o setor de serviços, antes pungente.

                                   Os bancos, sempre os maiores beneficiários da recessão, elevam seus juros a níveis nunca vistos. Já estão em 450% ao ano em algumas modalidades de financiamento, como o cartão de crédito das pessoas jurídicas, antes utilizado como capital de giro por pequenas e médias empresas. Estas, as maiores empregadoras do país, estão inadimplentes e falindo. Há mais de 58 milhões de brasileiros que não conseguem pagar todas as contas. E a extorsão nas taxas bancárias não dá sinais de ceder. No entanto, a taxa oficial de juros, a Selic, está em 14,25% (março, segundo o BC), metade do que era no último período de governo do PSDB, quando bateu 26,5%.

                                   Mas a banca se engana ao imaginar que não será penalizada. Ao final deste ano, as instituições financeiras terão que lançar a inadimplência como prejuízo. Vai ter muito acionista arrancando os cabelos. E, desta vez,  não podem contar com um PROER tão generoso quanto o de FHC, que reorganizou o setor bancário com dinheiro público. Diante de um “risco sistêmico”, a quebradeira geral do segundo mandato tucano, abriu a bolsa da Viúva. Pior: não há hoje um parlamentar para propor uma lei de controle dos juros. Que tal 500% da Selic, o que levaria a banca a cobrar 75% ao ano? Seria razoável. Quem vai escrever o projeto de lei? Hoje ouvi de um taxista, em São Paulo, frase lapidar: “Se caísse um raio no Congresso e queimasse todos eles, estaríamos realizados”. Vejam vocês: a que ponto se pode chegar!

                                   E a especulação corre solta na bolsa de valores e no mercado de câmbio. Avança o impeachment, a bolsa sobe e o dólar cai. E vice-versa. De um lado ou de outro, serve como ameaça. Como se isso tivesse algo a ver com a economia real. Não tem. É um tipo de cassino onde só ganham os tubarões. Até as crianças do primário sabem disso. Ou não? Semeiam o pânico na sexta-feira – e na segunda compram Petrobras e Banco do Brasil baratinho. É o chamado “lobo das sextas-feiras”. Todo investidor sabe disso. Menos os comentaristas da grande mídia. Seriam apenas ignorantes – ou percebem que o grande capital é o maior anunciante do setor?

                                   E a coisa segue piorando. Nas feiras-livres, acreditem: o tamanho dos produtos está diminuindo, porque são colhidos na lavoura antes do tempo. É o jeitinho brasileiro: vendem-se embalagens de frango, peixe e carne cheias de gelo, para alterar o peso. E, portanto, cobrar mais caro. A inflação dos alimentos galopa. Olha: coloco aqui exemplos simples do tipo de crise econômica em que vivemos. Por falta de governo. E por falta de um Congresso identificado com o povo brasileiro. Mas, se colocasse problemas mais complexos, teria que falar da má gestão das empresas públicas e de capital misto, como os correios, os fundos de pensão, a estatal do petróleo, o setor elétrico, os bancos públicos etc. Sim: teríamos que somar a inacreditável corrupção e a deslavada atuação de parlamentares que inflacionam os gastos públicos em proveito próprio, como no caso do orçamento impositivo. Sem falar das emendas parlamentares ao orçamento da União. Sem falar da indicação política para a máquina pública, cada vez maior e mais voraz. Se houvesse realmente um lava-jato em ação no país, tudo isso seria varrido para a lata de lixo da história. Mas não há. O que acontece na Operação Lava-Jato é um sistema de trocas políticas: pegamos este, aquele não. O Ministério Público se recusa a ouvir a confissão (ou delação) da Odebrecht. Denúncias contra pássaros exóticos, como os tucanos, não saem nas primeiras páginas. O que está acontecendo?

                                   Desde que me entendo por gente, ouço falar em reforma da previdência, reforma política e tributária. Nunca saíram do papel. Quando tinha 11 anos, meu pai, funcionário público federal, me levou ao comício do Jango na Central do Brasil (13 de março de 1964). Vi o presidente falar justamente dessas medidas, acrescidas da reforma agrária. Foi o último ato púbico do governo dele. Depois veio o regime militar, apenas duas semanas depois. Durou 21 anos. 

Agora vejo muita gente (mas não todos) dizer que a solução para o Brasil é derrubar a Dilma, prender o Lula e cassar o registro eleitoral do PT. E, no lugar deles, colocar Michel Temer e o PMDB.

                                   Parece que perdi uma parte dessa história.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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