A guerra do tráfico na fronteira: brasileiros e paraguaios continuam a matança iniciada com o fuzilamento do “Rei da Maconha”.

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Novo tiroteio em Pedro Juan Caballero deixa 3 mortos, incluindo um brasileiro. Foto da perícia criminal.

                                   Após o assassinato cinematográfico do empresário e megatraficante Jorge Rafaat, ao anoitecer da última quarta-feira (15 jun), a violência na fronteira continua. Em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia, e na vizinha Ponta Porã (MS), os efetivos policiais estão sendo reforçados para enfrentar a fúria das gangues que disputam o controle do tráfico. De um lado está o cartel que era comandado por Rafaat, onde alguns integrantes resolveram resistir mesmo com a morte do chefão. E do outro lado da disputa está um consórcio formado por facções criminosas brasileiras (CV e PCC) e traficantes paraguaios de quadrilhas menores, que estão sendo unificadas pelos novos donos do poder.

                                   Em ambos os lados da fronteira, as polícias e os jornalistas afirmam que um homem do Primeiro Comando da Capital, o PCC paulista, é o novo chefão do tráfico. Esse dirigente da facção usa três identidades diferentes, todas brasileiras: Oliver Giovanni da Silva, Elton da Silva Leonel e Ronaldo Rodrigues Benites. Mas é conhecido pelo apelido de “Galant”. Para eliminar Jorge Rafaat, as facções brasileiras teriam se associado ao principal concorrente do “Rei da Fronteira”: Jarvis Chimenes Pavão também é traficante e está preso em Assunção, a capital paraguaia, desde 2009. Foi de dentro da prisão que Pavão mandou seguir com o plano. A história da conspiração para matar Jorge Rafaat, também chamado de Sadam, está em detalhes no post anterior. Mesmo depois da morte e deposição do chefão do tráfico, o enfrentamento armado entre os criminosos prossegue.

                                   Na madrugada da sexta-feira passada (17 jun), apenas dois dias depois do fuzilamento de Rafaat, uma empresa do traficante na mesma rua foi atacada a tiros e com granadas. A loja era a maior revenda de pneus de Pedro Juan Caballero e pegou fogo. No mesmo dia uma firma de segurança do megatraficante foi invadida por homens armados. Um vigia foi feito refém, mas nada sofreu. Ele contou à polícia que os bandidos chegaram a espalhar gasolina pelo prédio. E desistiram de queimar a empresa. Os invasores estavam atrás de documentos que estariam em um cofre. Não consegui apurar se eles encontraram o que procuravam.

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Na fuga, o carro dos pistoleiros entrou em um bar. Dois foram presos.

                                   No domingo (19 jun), a coisa ficou mais pesada. Um bando armado com fuzis automáticos, ocupando dois carros, abriu fogo contra um grupo de pessoas na Vila Guilhermina, um bairro modesto de Pedro Juan Caballero. Três morreram. Um era o brasileiro Fábio Vilalba da Silva, de 23 anos. Os outros dois eram paraguaios. Na fuga os assassinos foram perseguidos pela polícia e bateram com um dos carros, quando tentavam atravessar para o lado de Ponta Porã. Dois pistoleiros foram presos, mas as autoridades paraguaias mantêm seus nomes em segredo.

                                   No Brasil, enquanto o Itamaraty e o Ministério da Justiça mantêm misterioso silêncio sobre o assunto, pelo menos uma pessoa está preocupada com a expansão do CV e do PCC para terras produtoras de drogas. O secretário da segurança do Rio, José Mariano Beltrame, sabe o que significa o crime organizado nacional adquirir status de produtor internacional. Quando era delegado federal, Beltrame teve oportunidade de participar de uma investigação sobre a organização de Jorge Rafaat. Ele conhecia bem o megatraficante paraguaio – e sabe que a execução do bandido contém um “alerta muito grave”. O secretário falou ao portal de notícias G1. Acompanhe um trecho:

                                   “Já atuei em investigações sobre esse traficante [Rafaat], que era antigo no crime e conhecido por tentar impedir que quadrilhas brasileiras se instalassem na região. A morte cinematográfica dele evidencia que criminosos brasileiros resolveram tomar o controle da região, e se isso se confirmar será um alerta muito grave para as autoridades de todo o país”. José Mariano Beltrame acrescentou: “a facção controlaria os dois lados da fronteira e teria o domínio de toda a cadeia criminosa, produzindo drogas no país vizinho e trazendo para o Brasil”. (Depoimento ao repórter Alessandro Ferreira.)

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Jorge Rafaat: rei morto, rei posto. Foto de divulgação de uma emissora de rádio paraguaia. .

                                   Pelo menos o secretário compreendeu a ameaça contida na operação conjunta das facções criminosas do Rio e de São Paulo na fronteira com o Paraguai. A polícia paraguaia acredita que a situação na fronteira tende a se acomodar, uma vez que os negócios do tráfico sejam retomados. Vale lembrar: o CV, com Fernandinho Beira-Mar, iniciou esses contatos e negócios no Paraguai, lá pelo final dos anos 1990. Em 2000/01, FBM esteve na Colômbia e se associou às FARCs, até ser ferido e preso em choque com o exército daquele país, em 16 de abril de 2001, se não me engano.

                                   Como se vê, essa história vem de longe. E pelo jeito não acaba tão cedo.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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