A última guerrilha comunista das Américas depõe as armas. As FARCs e o governo da Colômbia chegaram a um acordo de paz definitivo, depois de três anos de um difícil diálogo em Havana. É o fim de 50 anos de guerra civil.

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As FARCs: um terço dos guerrilheiros são mulheres. Foto FARC-EP.

                                   A Colômbia tem o que comemorar. Na última quarta-feira (22 jun), em Havana, o presidente Juan Manuel Santos e o líder guerrilheiro Timoleón Jiménez apertaram as mãos, selando um acordo de paz que encerra mais de meio século de violência no país. Uma guerra sem trégua que matou mais de 250 mil pessoas, deixou 300 mil feridos e 2 milhões de “desplazados”, refugiados internos, uma gente que perdeu suas casas e suas terras. A guerra civil colombiana foi a maior tragédia ocorrida no continente, por sua duração e pelos danos que causou.

                                   As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército do Povo (FARC-EP) foram criadas em 1964. O fundador foi Pedro Antônio Marim, que adotou o nome de Manuel Marulanda Vélez, o “Tirofijo” (Tiro Certeiro). A guerrilha surgiu em torno de um poderoso movimento camponês do final dos anos 1950, que lutava pela posse de terras e reforma agrária. Esse movimento foi violentamente reprimido pelo governo e por milícias formadas por grandes proprietários rurais. As FARCs aparecem nesse cenário como um grupo armado destinado a resistir à repressão. Ou – como eles preferem dizer – “para revidar a violência do latifúndio”.

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Marulanda, com o cigarro: o fundador das FARCs. Foto do portal FARC-EP.

                                   Marulanda, por essa época, se aproxima dos comunistas e adota o marxismo-leninismo como ideologia para a guerrilha. Até hoje os integrantes das 27 frentes de combate das FARCs se dizem comunistas. O líder máximo do movimento continuou marxista até 2008, quando morreu de ataque cardíaco nas montanhas. As FARCs controlam um terço do território colombiano, inclusive as áreas de montanha onde estão as grandes plantações de coca, a matéria-prima da cocaína. Porque mantém relações amistosas com os plantadores, chamados “cocaleros”, muitos dos quais têm origem indígena e apoiam a luta armada, as FARCs são tidas como “narcoguerrilha”. Além do mais, é comum que os guerrilheiros sequestrem personalidades do país para obter resgates, o que deu a eles a pecha de “terroristas”, especialmente por parte do governo americano.

                                   Desde o primeiro governo Bush (1989-93), o Pentágono e o Departamento de Estado dos Estados Unidos investiram algo como 10 bilhões de dólares para combater o narcotráfico e a guerrilha na Colômbia. Estiveram a ponto de invadir o país, deslocando para o litoral do Pacífico uma poderosa armada. No entanto, diante das consequências vietnamitas dessa invasão, optaram por oferecer treinamento, suporte aéreo e tecnologia aos militares colombianos, que não aceitavam uma intervenção do Tio Sam. Esse apoio logístico e a presença de forças especiais americanas desequilibraram a guerra.

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A guerrilheira espera para entregar a arma.

                                   Os líderes mais importantes das FARCs morreram sob ataque de foguetes e bombas inteligentes. O dinheiro americano corrompeu e gerou traições no movimento armado, a ponto de um comandante ter sido assassinado por seus próprios guarda-costas. O exército guerrilheiro, que chegou a ter 18 mil homens e um número desconhecido de simpatizantes e apoiadores, agora tem por volta de 8 mil combatentes. Mas a guerrilha está incrustada em selvas e montanhas. Inclusive governa algumas províncias.  Curioso: mais de um terço dos guerrilheiros são mulheres, em geral camponesas. As FARCs não são um movimento de estudantes e intelectuais, como ocorreu em geral na América Latina. A guerrilha está fortemente ligada às populações do interior do país e por isso não foi destruída. Se pudesse ter sido eliminada militarmente, não teria havido uma negociação de paz tão longa em Cuba, sob as bênçãos de Fidel e Raul Castro.

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A guerrilha tem apoio no campo e sobrevive nas mats e montanas. Foto FARC-EP.

                                   O acordo de paz prevê uma anistia ampla para todos os envolvidos no conflito. A deposição das armas será supervisionada pela ONU e deverá ocorrer até o fim do ano. O próprio secretário-geral Ban Ki-Moon esteve presente em Havana, assim com o Secretário de Estado americano, John Kerry. O governo de Juan Manuel Santos se comprometeu a promover reforma agrária nas terras improdutivas e naquelas que foram desapropriadas do narcotráfico. Os guerrilheiros vão poder acompanhar o processo passo a passo. Haverá troca de prisioneiros de guerra, com supervisão internacional. Além de outros acertos, as FARCs vão se transformar em partido político e disputar eleições, passando à legalidade democrática. Ao que tudo indica, o novo partido político, ainda sem nome, terá sucesso eleitoral nas votações municiais do interior. E deverá ocupar um número razoável de acentos no Congresso colombiano.

                                   Conheça um pouco dois personagens decisivos do acordo:

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O comandante Jiménez. Foto FARC-EP.

                                   Rodrigo Londono Echeverri, ou Timoleón Jiménez ou Timochenco, é o atual comandante-em-chefe das FARCs. Tem 56 anos e está na luta guerrilheira há 34 anos. É diabético e estudava medicina quando se juntou à luta armada. Especializou-se no setor de inteligência do movimento. Acusado de homicídio, sequestro, atentados e rebelião, há contra ele uma recompensa de 5 milhões de dólares estabelecida pelo FBI. O governo americano o considera um terrorista. É um dos mais antigos combatentes vivos das FARC.  Ele assumiu o comando da guerrilha depois da morte de Alfonso Cano, que foi emboscado por uma força especial do Exército colombiano.

Veja agora o perfil do presidente:

                    

Juan Manuel Santos, advogado e economista, é o presidente da Colômbia. É considerado um político de centro, moderado e tolerante. Foi eleito pela primeira vez em 2010, com mais de 56% dos votos no segundo turno. Enfrentou oposição de segmentos militares e da direita, que estavam contra as tentativas de acordo com os comunistas.  Santos foi reeleito em 2014 pelo Partido Social da União Nacional, mais conhecido como partido “De La U”.

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O presidente Juan Manuel Santos. Foto de divulgação.

Na campanha pela reeleição, Santos foi acompanhado por uma frente de partidos políticos, justamente para que s negociações de paz não fossem interrompidas. Recebeu ampla votação popular (51% dos votos), o que funcionou como um endosso ao processo de paz.

                                   A Colômbia virou uma página da história.    

 

 

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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