O crime organizado pretende o poder. Precisa de leis que protejam seus lucros inacreditáveis – e que garantam imunidade a seus integrantes e sócios. Precisa de uma justiça complacente, lotada de fianças, cheia de dispositivos que garantam responder processos em liberdade. Via de regra, “responder em liberdade” vira o passaporte da fuga dos acusados. Em todos os ciclos da História, a acumulação de riquezas, ilegalmente ou por meio da força bruta, produziu castas e segmentos inimputáveis. Acima da ordem comum das coisas. A história do pós-guerra está repleta de situações em que isto se tornou uma realidade inegável. O crime organizado se instalou no poder em vários países do Leste Europeu e na Ásia Central, além da África. Isto deu início a uma fase em que próprios governantes passaram a comandar atividades criminosas em larga escala, inclusive por meio dos sistemas bancários e de troca de capitais.
Aqui no Brasil há exemplos fartos e variados desta vocação para o poder. A infiltração de organizações ilegais nas instituições democráticas, corrompendo os sistemas executivos, judiciários, comprando gente nas polícias e nos governos, dá o tom de uma orquestração em que somos alvo de uma conspiração nacional e internacional para “legalizar” o crime e o dinheiro de origem desconhecida ou ilegal.
Quando escrevi esses dois parágrafos, na introdução de “Assalto ao Poder” (Editora Record, 2010, vencedor do Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro), disseram que eu estava exagerando. Cheguei a citar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para explicar a questão. No último ano de governo FHC declarou que “o crime organizado chegou aos altos escalões da República”. O que assistimos no Brasil de hoje é a etapa superior desse assalto ao poder.
Em nosso país, a atividade política e a gestão pública, com poucas exceções, se tornaram uma atividade criminalizada. Poderosas organizações criminosas, que detêm o poder econômico, dominaram o processo eleitoral, retirando de nossa democracia o caráter representativo e popular. É eleito quem tem mais dinheiro, porque se torna mais conhecido na televisão e no rádio – ou porque distribui pequenos favores para comunidades pobres. O brasileiro não vota em partidos – muito menos em programas políticos. Ganha quem tem mais dinheiro e algum carisma pessoal. Principalmente quem tem padrinhos e financiadores.

O povo foi às ruas contra a corrupção. Não adiantou nada.
E agora sabemos que os financiamentos políticos, na verdade, são “empréstimos” para serem cobrados quando o sujeito assumir o mandado. Pode ser qualquer mandato parlamentar, de modo a manipular as leis conforme o interesse do grupo econômico – ou pode ser um governante, que vai “devolver o empréstimo” por meio de obras públicas superfaturadas, algumas das quais costumam cair sobre a cabeça das pessoas. Este é o modelo vigente no país. E não se pode esperar que esse Congresso vá fazer as reformas necessárias. Não vai. Deputados e senadores são beneficiários do esquema. Não vão aprovar nada que atrapalhe a malandragem.
Agora o Senado da República estuda a aprovação de uma lei que impede a delação premiada de políticos e empresários presos – e que proíbe o vazamento de informações para a imprensa de assuntos ligados às investigações contra as organizações criminosas que agem à sombra do poder. É um tiro de morte na Lava-Jato. E quem está coordenando o projeto? O senador Romero Jucá. Não vou perder tempo descrevendo a biografia desse senhor. Há entre os parlamentares – e, dizem, no próprio núcleo político do governo Temer – um forte sentimento para colocar freio nas investigações de corrupção. Se elas prosseguirem, não sobra ninguém de pé. Vai faltar vaga em cadeia.
Este ano teremos a primeira eleição sem o financiamento empresarial de campanha. Porque o Supremo Tribunal proibiu, assentando que esse tipo de patrocínio é discriminatório e agride a igualdade de oportunidade entre os candidatos. E o que vai acontecer? As mentes criminosas vão inventar meios sofisticados de alimentar o caixa 2 com dinheiro vivo. Os marqueteiros e as produtoras de vídeo vão emitir notas baratinhas e cobrar o grosso da grana por fora. E assim a vida segue.
O crime organizado tomou conta da vida política brasileira e de boa parte da gestão pública. As quadrilhas chegaram ao poder. O resto é bobagem.