Tudo combinado: a renúncia de Cunha é parte de um plano para anular o processo de cassação do deputado. Uma sofisticada fraude contra a vontade popular.

                                   A repentina renúncia do presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que à boca pequena já é chamado de “Rei do Centrão”, tem explicação. Após inúmeras declarações de que não iria renunciar, de repente mudou de ideia. Porque obteve garantias de que o processo contra ele na Comissão de Ética da Câmara seria anulado. E onde foi que ele conseguiu essa garantia? No Planalto. Os jornais afirmam que o próprio presidente Michel Temer teve papel decisivo nessa decisão, fato seguidamente desmentido pelo governo. Mesmo os dois tendo se reunido fora da agenda oficial.

                                   A trama é a seguinte: Cunha renuncia, convoca-se nova eleição numa Câmara onde o “centrão” e os apoiadores de Temer são maioria conservadora absoluta; o novo presidente, imediatamente, aceita um requerimento do deputado alegando que foi processado por seus pares na condição de presidente, um status que fica superado com a renúncia. Assim, devolve-se o processo à Comissão de Ética. E começa tudo de novo. Como sabemos, a primeira etapa do julgamento do deputado levou nove meses, a mais longa da história da comissão, diversas vezes obstruída pelos aliados e amigos de Cunha. O plano se completa com a apresentação de recursos para punir menos severamente o deputado, que escapa da cassação e mantém o foro privilegiado no Supremo Tribunal, livrando-se de Sérgio Moro.

                                   A política oficial pós-PT dá ênfase ao conservadorismo. Afasta-se a urgência na apreciação de ações contra a corrupção, mesmo de medidas que têm dois milhões de assinaturas populares. A política externa abandona o alinhamento latino-americano, chamado de “bolivariano”. O governo assume prometendo regular as contas públicas, mas gasta bilhões para agradar ao Congresso. Em nome de governabilidade. Anuncia um déficit de 139 bilhões de reais para 2017 como se fosse um triunfo da moralidade. Diz que a arrecadação pública vai aumentar, mas não explica como. Promete estabilidade política como forma de recuperar a credibilidade, mas se constitui como um governo de coalizão ainda mais duvidoso do que o anterior. Então, o que aconteceu?  

                                   Como não há mais multidões nas ruas protestando contra a corrupção e os desmandos, essas estratégias palacianas têm espaço para prosperar. Inclusive com um apoio cada vez mais hesitante da grande mídia. Mais uma: quem imagina que o deputado Eduardo Cunha está politicamente isolado se engana redondamente. Não está. Cunha é provavelmente o maior arquivo vivo de todas as negociatas jamais praticadas entre seus correlatos. E a Câmara dos Deputados, nos tempos recentes, se tornou um ambiente propício ao fisiologismo de todas as cores.

                                   Com o naufrágio de Dilma e do PT, verdadeiro Titanic que arrastou consigo os aliados PDT e PCdoB e boa parte dos movimentos sociais organizados, a representação das forças populares no Parlamento encolheu, a ponto de não ter mais nenhuma iniciativa. Muito menos para barrar uma manobra desse tipo. E ninguém acredita que Dilma possa escapar do afastamento definitivo. Parece esquecida. Mas todos também sabem que Cunha não tem mais futuro: cairá no Parlamento ou no Judiciário. Ou nos dois, o que é mais provável.  

                                   O que acontecer de agora em diante será resultado de acertos, sabe-se lá a que preço, entre todos aqueles que se opuseram ao modelo petista. São os donos da bola, da camisa e do campo. Sob o silêncio das multidões, repentinamente desinteressadas dos resultados. Parece que as classes médias, tão barulhentas ultimamente, voltaram a ser o que sempre foram: a maioria silenciosa.    

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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