Dilma está fora. Temer tomou posse duas horas depois da sentença. É presidente do Brasil. Mas nem tudo saiu como combinado: o PMDB rachou e Dilma manteve os direitos políticos. Ela vai embora do país e pode voltar como candidata em 2018.

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Michel Temer recebe cumprimentos após posse como presidente da República em solenidade no Congresso Nacional (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

                                                Exatamente às duas horas e 13 minutos desta quarta-feira (31 ago), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Levandowski, na condição de condutor do processo de impeachment, leu a sentença: Dilma teve o mandato presidencial cassado por 61 votos a 20 no Senado, após ocupar o Planalto por 5 anos e meio. Uma votação acachapante, já esperada, confirmando uma ampla aliança de forças partidárias contra a ex-presidente e o PT de Lula. Os senadores, empenhados em derrubar o longo ciclo de poder petista, nem quiseram saber de provas, quase todas duvidosas. Foi um julgamento político, com um leve verniz jurídico, fartamente contestado pela defesa. O que se julgou foi o “conjunto da obra” – e não pedaladas e decretos.

                                   Por “conjunto da obra”, entenda-se: um modelo de desenvolvimento com distribuição de renda e justiça social. O pretexto: responsabilizar a ex-presidente por toda a crise econômica e a corrupção que grassam no país. Como se deputados e senadores vivessem em uma planície de virtudes, maculada por uma mulher mentirosa, desonesta e autoritária. E qual é o modelo alternativo, previsto no documento-base do movimento anti-PT, cuja autoria é atribuída a Michel Temer e é chamado de “Uma ponte para o futuro”? E o que isto propõe? Um programa de governo voltado ao interesse do grande capital, com ampla privatização de empresas e do patrimônio público, fora os ajustes ficais nas costas do trabalhador e de pequenos e médios empreendedores.

                                   O novo projeto prevê a desindexação do salário mínimo e das aposentadorias, a flexibilização da CLT, a regulamentação da terceirização de mão de obra nas empresas, sem carteira assinada. Fica o Planalto desobrigado de investimentos em saúde e educação. Fica o governo livre para gastar 30% do orçamento como melhor entender, mas proíbe o aumento de investimentos públicos por 20 anos, abrindo as portas para a iniciativa privada. Quer diminuir a máquina governamental, atingindo diretamente o funcionalismo, quando se sabe que em países pobres o Estado é o maior empregador. Trata-se de reescrever a Constituição de 1988.

                                               No discurso que fez no Senado, ao tomar posse, logo após defenestrar Dilma Rousseff, o presidente de fato Michel Temer disse que no governo dele a oposição será bem-vinda. Então, me sinto à vontade para escrever esse artigo. Aliás, por falar em discurso, imediatamente depois da posse de Temer, o Ministro da Fazenda deu entrevista coletiva no Planalto. Disse que a confiança estava restaurada e a segurança jurídica do país garantida. O banqueiro Henrique Meirelles discorreu sobre o roteiro de recuperação da economia, sem indicar uma única medida concreta. Entre os pontos citados, a recuperação do emprego ocupou o último lugar.

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Uma aliança que vai durar pouco. Aécio e Temer têm projetos diferentes. (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

                                   O projeto econômico se destina a garantir o superávit primário, de modo a poder pagar os juros da dívida pública. E pagar a quem? Aos bancos, que ele representa, e ao capital internacional. Simples assim. Mas esses temas são muito enfadonhos. Voltemos à política:

                                   O segundo mandato de Dilma foi um desastre. Um mês após sentar no trono, sofreu uma derrota abaladora: a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para presidir a Câmara dos Deputados, lançado às alturas pelo “centrão”, um conjunto de deputados e partidos até então desprezados, mas que hoje é maioria na casa legislativa. No episódio, e nos que se seguiram, Dilma revelou uma inacreditável incapacidade de se relacionar com o Congresso. Nunca foi até lá para tomar um cafezinho. Aí começou a cair, à semelhança de Fernando Collor, que desprezou os parlamentares. Veio a pressão do grande capital e da mídia, que se associaram à oposição, inclusive apoiando Cunha. E a classe média, indignada com a corrupção, foi para as ruas. O vice Michel Temer rompeu com ela, dando a senha para a rebelião da base aliada. Seria tedioso descrever o resto.

                                   Dilma não conseguiu se desvencilhar da herança que recebeu de Lula. Havia “mensalões” e “petrolões”. Algumas das mais expressivas lideranças do PT estavam nos tribunais (ou já na cadeia). A Lava-Jato se tornou o principal programa de oposição – e para este não havia resposta competente. O momento mais marcante da atuação política de Dilma Rousseff foi no fim da linha, quando se apresentou ao Senado para enfrentar os acusadores, na segunda-feira passada. Ali ela brilhou, em depoimento de 11 horas e meia, cara a cara com os golpistas. Mas já estava tudo perdido. Era um jogo de cartas marcadas. No entanto, a coragem da primeira mulher chefe de Estado no Brasil produziu um resultado surpreendente: não foi completamente derrotada.

                                               Após a esmagadora votação pela perda do mandato, os mesmos senadores viraram o jogo ao decidir se Dilma deveria ter os seus direitos políticos cassados por 8 anos. Eles disseram que não: foram 42 votos a favor, 36 contra e 3 abstenções. Isto quer dizer: não foi alcançado o quorum mínimo de 54 senadores contra ela – ou 2/3 da casa. Escapou da pena pior. Dilma deve deixar o país por um bom tempo. Pretende escrever um livro de memórias. No entanto, pode voltar como candidata à Câmara Federal ou ao Senado em 2018. Será eleita, com certeza. Também pode deixar o PT, onde não é bem-vinda, e retornar ao PDT de Leonel Brizola, ainda querido pelo eleitor gaúcho.

                                   É esperar para ver!  

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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