O povo está de saco cheio dos políticos e da política em geral. É o que revela o resultado eleitoral. Votos brancos, nulos e abstenções venceriam na maioria dos casos.

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Entrevista coletiva do prefeito eleito da capital paulista, João Dória (Rovena Rosa/Agência Brasil)

 

                                   As eleições municipais do último domingo (2 out) mostram a aversão do eleitor em relação aos políticos e aos partidos. Votos brancos, nulos e abstenções, somados, foram um recorde histórico: 35 milhões de eleitores. Juntos, venceriam boa parte das disputas. Em 10 capitais, a ausência do eleitor e os votos inúteis estariam à frente dos vencedores. Estariam em segundo lugar em mais 11 capitais. Isto representa algo como 77.7% das capitais brasileiras. No maior colégio eleitoral municipal, a capital paulista, o desagrado popular foi quase igual à votação do campeão João Dória (PSDB-SP), o prefeito eleito com a maior votação do país. Eleitores ausentes e votos inválidos, nesse caso, foram perto de 3 milhões. Elegeriam quaisquer dos outros candidatos.

                                   No primeiro turno, deputados e senadores concorrendo a prefeituras foram desprezados pelo eleitor. Nenhum deles se elegeu. Isso mostra que o brasileiro está compreendendo a verdadeira natureza dos seus congressistas. Quase duas centenas deles (160, só na Câmara, segundo Eduardo Cunha), respondem a ações penais. Cerca de 40% de todos os parlamentares do país têm alguma dívida com a justiça, de acordo com o Instituto Transparência Brasil. Junto com congressistas, também foram para a lata do lixo cantores, artistas, atletas, mulheres-fruta e outras porcarias. Depois de eleger o Congresso mais conservador do período pós-ditadura, a opinião pública está se voltando contra a bandalheira generalizada na política.

                                   O resultado eleitoral também reflete a desilusão com o PT, o grande derrotado no pleito. O partido perdeu 60% dos votos que obtivera há quatro anos. Entre os grandes partidos, caiu de 3º para o 10º lugar. Sentiu o peso da conciliação com um modelo político apodrecido. Após erguer a bandeira da ética, em suas origens, foi conivente (para dizer o mínimo) com a corrupção eleitoral e com a compra de apoio parlamentar. Desabou sobre os petistas uma avalanche de denúncias, cuja consequência, em muitos casos, foi a prisão. O Ministério Público, por meio de hábil campanha seletiva, arreganhou os dentes para o partido. E mordeu violentamente. Agora só falta prender o Lula, algo que já é visto como natural.

                                   Mas o PT não tinha argumentos para se defender. Perdeu até a presidente Dilma, no quarto mandato petista. Foi hesitante, quase balbuciante, frente ao bombardeio da grande mídia, que o castigou em todos os veículos disponíveis. Não teve como fazer frente à mobilização popular. Milhões de pessoas foram às ruas contra a corrupção, mas Dilma e o PT terminaram como os alvos finais da indignação. Foi cassada sem resistência. Depois, caiu Eduardo Cunha, cuja debacle serviu para dar legitimidade à derrubada da presidente. Agora vão pegar Renan Calheiros, para que o modelo ultraconservador possa se implantar sob a aparência de “normalidade democrática”. E a grave crise econômica, que ameaça anular as conquistas sociais da era PT, completa o drama.

                                   A política de desenvolvimento com distribuição de renda do PT, particularmente sob Lula, produziu a maior mobilidade social da história do país, desde a libertação dos escravos e a proclamação da República. Só que o Brasil contemporâneo é muito maior do que aquele de Dom Pedro II e da Princesa Isabel. Os números, portanto, são exponencialmente maiores. As políticas petistas, de certa forma relacionadas com o endividamento público, ergueram 35 milhões de pessoas da pobreza para as classes médias, hoje representando algo como 60% da população. A escolaridade aumento. A economia cresceu – e chegamos à 7ª potência mundial. Mas o coro desafinou. Por que?

                                   O presidente Lula foi eleito porque representava o novo, os trabalhadores no poder, uma esperança que vencia o medo. No entanto, ao chegar ao Planalto, misturou-se com a porcaria circundante. Minhas fontes no PT diziam: não somos um partido revolucionário, não vamos produzir rupturas, vamos fazer reformas, retomando o ciclo de Vargas e Jango. Não foi o que aconteceu. O PT não investiu nas reformas básicas, especialmente as tributárias e políticas. Apostou em uma ação econômica bem-sucedida por 12 anos, mas que naufragou como um Titanic, sob a grande onda da crise mundial. Fez pior: abandonou o movimento social real, que ansiava por comida, saúde, moradia e reforma agrária. A organização do movimento popular (sindicatos, estudantes, intelectuais, lavradores sem-terra, o segmento progressista das igrejas etc), a base da criação do partido em 1980, sumiu da agenda.

                                   O que restou não diferenciava o PT dos demais partidos tradicionais, que o povo considera “um bando de ladrões e picaretas”. Ainda mais grave: não há no horizonte nenhuma perspectiva de melhora. O ajuste econômico proposto pelo governo de Michel Temer aponta para atitudes inversas ao que diz a moderna escola econômica: só se faz ajustes na bonança – fazer ajustes na crise só aprofunda a recessão. Nas crises, é preciso fazer o que fizeram os Estados Unidos, a metrópole capitalista do mundo, em 2009: investir na produção, reduzir os juros, ampliar o crédito e o consumo. O governo do Tio Sam pôs 3 trilhões de dólares no mercado, para incentivar os negócios. Isso põe as fábricas para funcionar, aumenta o nível de empreso etc. Aqui, vamos cortar investimentos públicos, manter juros altos e vender tudo o que for possível.

                                   É o caminho do desastre.                      

 

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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