Segundo turno confirma desastre eleitoral do PT. Antes tinha 74 prefeituras – agora tem 8. Antes, governava 4 capitais – agora só uma. Lula nem apareceu para votar. O fundamentalismo político e o neoliberalismo econômico dominam o país.  

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Dória e o PSDB: grandes vencedores. Foto Agência brasil.

                                    A cobertura da apuração das eleições de domingo (30 out), quando houve secundo turno para prefeitos em 57 cidades com mais de 200 mil habitantes, incluindo 18 capitais, foi a crônica de um desastre anunciado. O PT confirmou o pior resultado eleitoral da história do partido, fundado em 1980. Desde a criação, embalada pelo movimento operário paulista e mineiro, com adesão de intelectuais e da esquerda – e com apoio dos setores progressistas das igrejas -, jamais sofreu tamanha derrota. Amarga, nesse momento, o 10º lugar entre os grandes partidos políticos. Venceu em apenas 8 cidades (eram 74 em 2012) e 1 capital (eram 4 na eleição passada).

                                   O PT foi derrotado, inclusive, no “cinturão vermelho”, as cidades da região metropolitana de São Paulo, que deram historicamente sustentação eleitoral ao partido. E perdeu a capital, conquistada sob as barbas do PSDB hegemônico em São Paulo, em 2012, onde Fernando Haddad, empurrado por Lula, atropelou a concorrência. Pasmem: Lula não foi votar no domingo, porque não tinha nenhum petista no segundo turno da cidade que o consagrou como líder sindical. Aliás, nem precisava votar, porque tem mais de 70 anos de idade. Mas a ausência dele, a falta de um pronunciamento político diante do massacre, faz pensar. Por que não aproveitou a ocasião para denunciar o golpe, a conspiração da grande mídia, a onda conservadora que se instala no país? Isso faz pensar.

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Lula não apareceu para votar. Foto Agência Brasil.

                                   A postura de Lula, na opinião deste modesto observador, reflete a ausência de autocrítica do PT. O partido não quer admitir os erros que cometeu. Na verdade, parece não entender que precisa mudar drasticamente para sobreviver. Esperou pelo julgamento das urnas – e se deu mal. Lula chegou a dizer que o PT iria surpreender. Não aconteceu. Surpreendente foi o tamanho do desgaste sofrido pela legenda. Os escândalos de corrupção, a condenação de vários de seus líderes, as ameaças de prisão contra o próprio Lula, o bombardeio da mídia e a destituição de Dilma parecem que não são suficientes para que o modelo petista faça uma profunda revisão de sua narrativa política. O que está esperando? O fim do partido?

                                   A democracia brasileira fica empobrecida com o desaparecimento – ou a pulverização – do PT. As propostas da legenda (desenvolvimento com distribuição de renda e justiça social) são a expressão da maior e mais organizada força de esquerda no país, talvez em todos os tempos. O PT angariou metade do eleitorado brasileiro para tais bandeiras, tendo governado por três mandatos e meio, totalizando 13 anos. Enquanto esteve à margem do poder, entre 1980 e 2002, balizou as oposições, desde o fim do regime militar ao surgimento da Nova República. E além.

                                   Mas o partido da ética na política se misturou à porcaria circundante ao modelo de presidencialismo de coalizão, onde quem manda mesmo são os empreiteiros, que o financiam. Por que não fez as reformas de base, preconizadas desde Getúlio e Jango? Aquela história de reformas políticas, tributárias, trabalhistas e previdenciárias, que já nascemos ouvindo. Por que não as fez, quando tinha mais de 50 milhões de votos em cada mandato? São perguntas sem resposta. E a ausência de Lula na cabine eleitoral aumenta a desesperança, que um dia quis vencer o medo.

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O bispo Crivella, da Igreja Universal, venceu no Rio. Foto Agência Brasil.

                                   Outros resultados notáveis desta eleição:

                                   O PSDB vai governar 34 milhões de brasileiros, justamente o partido da social democracia, cada vez mais de centro-direita. As teses do neoliberalismo econômico (vender o que for possível, reduzir a máquina pública, entregar o comando da economia às leis do livre mercado, reduzir o déficit fiscal à custa dos trabalhadores etc), já em desuso no primeiro mundo, venceram as eleições deste ano. Autenticam Michel Temer. O maior crescimento eleitoral por partido político foi daqueles ligados às igrejas evangélicas, hoje uma força inquestionável, impulsionando como furação o tsunami conservador no país. Alguns dos vencedores do pleito se declararam não-políticos, apenas gestores. Como se fosse possível separar eleições e política. E o povo reagiu com um voto de protesto: foi a maior ausência de eleitores e de votos inválidos da história recente. Em muitos lugares, os ausentes e os anuladores venceriam as eleições, se os seus votos de protesto fossem computados. Isto também significa: o voto facultativo já está em vigor no país. Quem não quer votar, por todos os motivos, paga uma multa de 3,7 reais à Justiça Eleitoral. E pronto.

                                   Conclusão desagradável: caminhamos para um fundamentalismo na política, que vai desaguar em 2018. Salve-se quem puder!         

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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