
Dezenas de jornalistas na coletiva não fizeram as perguntas certas. Foto Agência Brasil.
A crise política não dá tréguas nem no domingo. Na manhã de hoje (27 nov), o governo convocou entrevista coletiva de imprensa, em Brasília, diante dos escândalos que já custaram a cabeça de dois ministros e que ameaçam outros. Michel Temer, Renan Calheiros e o deputado Rodrigo Maia juraram de pés juntos que não vão admitir nenhum tipo de anistia a crimes eleitorais durante a votação das “10 medidas contra a corrupção”, prevista para a próxima terça-feira. Trata-se de um acordo entre o Executivo e o Legislativo. Uma sondagem de opinião pública feita pelo Planalto revelou o óbvio aos mandatários da República: há no ar uma indignação popular contra tamanha aberração, que pode transbordar para as ruas. Daí, resolveram dar alguma satisfação à plebe, na televisão ao vivo.
Só que o gesto de tolerância (“precisamos ouvir a voz das ruas”, nas palavras de Temer) não resolve o problema. Há várias dezenas de deputados e senadores com a corda no pescoço, espremidos entre a Lava-Jato e a delação premiada da Odebrecht. O “centrão” corrompido pelas empreiteiras, que soma 12 partidos, pode se rebelar e apresentar emendas ao texto proposto pelo Ministério Público e por 2,4 milhões de brasileirinhos, para salvar a própria pele. Como resolver? Rodrigo Maia, poucas horas antes, garantira aos seus pares que a votação da matéria na Câmara não seria nominal, de modo a proteger os nobres deputados do julgamento público. Voltou atrás. Agora ele ameaça: se houver emendas ao texto original do projeto de lei 5864, a votação será nominal, para expor aqueles que pretendem anistiar os crimes eleitorais cometidos nos últimos 20 anos.
Impressiona o fato de que os governantes venham a público para explicar o inexplicável. É claro que existe uma articulação entre o Planalto e o Congresso para barrar a Lava-Jato e quaisquer outras investigações futuras. Querem tirar o mandato de investigação de procuradores federais e se proteger atrás do foro especial. Nenhum cidadão comum do país tem tais privilégios. Na verdade, querem reescrever a Constituição de 1988, chamada de Carta Cidadã. A atuação teatral de hoje foi um espetáculo para a arquibancada, porque estão preocupados com a convocação de grandes manifestações populares para o próximo domingo, 4 de dezembro, que podem revelar a nudez do novo governo.

Renan, Temer e Rodrigo: explicar o inexplicável. Foto Agência Brasil.
Além do mais, Temer tentou explicar o imbróglio envolvendo Geddel Vieira Lima, ministro da articulação política, e Marcelo Calero, da pasta cultural. Geddel pretendia pressionar o outro para obter vantagens pessoais em um milionário empreendimento imobiliário em Salvador. Temer, supostamente grampeado por Calero, disse, singelamente, que estava tentando apenas mediar conflitos entre órgãos públicos. Mentira! Nem as crianças da escola pública acreditam nisso. Me impressiona não haver na coletiva de imprensa qualquer repórter que questionasse algo tão absurdo, como confundir a coisa pública com a privada. E Temer ainda declarou ser “indigno” gravar conversas com o presidente da República. Mas: e aquela conversa telefônica gravada pela Polícia Federal, entre Lula e Dilma, divulgada em horário nobre pelo Jornal Nacional? Também não ouvi nenhum jornalista questionar o presidente a respeito de tamanha seletividade.
O fato é o seguinte: na terça-feira, vamos ver quem está a favor de um Brasil livre de corrupção e desmando públicos. E, no domingo seguinte, vamos saber se as massas populares voltarão às avenidas da terra brasilis.