
Sob protestos, em Brasília, Câmara aprova proteção aos deputados investigados na lava-Jato. Foto Agência Brasil.
Com ampla maioria, os deputados destruíram o projeto de lei 5864, que pretendia aumentar as punições contra a corrupção política no país. A votação na Câmara, nas dobras da madrugada, acabou com as “10 medidas contra a corrupção”, iniciativa do Ministério Público Federal apoiada por 2,4 milhões de assinaturas populares. Foi mais uma demonstração de que essa gente legisla em causa própria, de modo a proteger os seus privilégios e manter a impunidade.
Enquanto os deputados tomavam coquetéis de champanhe no bar da Câmara, durante os intervalos da votação, do lado de fora 10 mil manifestantes enfrentavam a polícia, depredavam ministérios, faziam barricadas nas ruas e queimavam automóveis. O enfrentamento foi até a meia-noite e meia. O presidente Michel Temer não tardou a declarar que o “vandalismo” não seria tolerado. Qual dos vandalismos? Toda a Polícia Militar de Brasília estava mobilizada. E o Batalhão de Guardas do Exército na capital entrou em prontidão de combate.

Tropas de choque e 21 veículos depredados. Ministérios apedrejados. Foto Agência Brasil.
E foi também uma retaliação contra a Lava-Jato: “se vocês nos perseguem, nós aprovamos leis que nos mantêm livres” – essa frase não foi pronunciada por nenhum parlamentar, mas com certeza estava na mente dos que votaram na calada da noite. O presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), teve a coragem de dizer aos jornalistas que foi um resultado democrático e soberano. Mesmo tendo sido obtido à custa de desprezar a opinião da maioria dos brasileiros. Quem foi às ruas contra Dilma, o PT e a corrupção, deve estar pensando: o que fizemos com esse país, que agora é governado (e controlado) pelo “centrão”.
Objetivamente, aconteceu o seguinte:
1. Não foi aprovada nenhuma anistia ao caixa 2 de campanhas eleitorais. Isto era uma falsa questão, porque legislação penal não vigora sobre o passado. O caixa 2 foi tornado crime punível com prisão, quando antes estava limitado ao Código Eleitoral.
2. Corrupção vira crime hediondo, nos casos superiores a 8 milhões de reais, o que protege todos os deputados.
3. Enriquecimento ilícito de funcionários públicos deixou de ser criminalizado. E também ficou mais difícil para o judiciário sequestrar os bens adquiridos ilegalmente, com exceção do tráfico de drogas, que tem legislação específica.
4. Foi aprovada uma emenda que permite processar delegados de polícia, procuradores e juízes por “abuso de poder”. Ou seja: os investigados podem processar os investigadores. Deputados declararam à mídia que “a lei deve ser para todos”, mas não explicaram a manutenção do foro especial, que só beneficia a eles e a uns poucos mandatários. É um privilégio que eles não querem discutir. Estabeleceram ainda maior proteção à atuação de advogados, quando sabemos que muitos deles trabalham para o crime organizado e atuam nas operações de lavagem de dinheiro.
5. O artigo do projeto de lei que criava a figura do “reportante do bem”, alguém que denuncia corrupção pública e que pode obter recompensa por isso, sumiu das “10 medidas”.
6. Fica decidido que os acordos de leniência das empresas que praticam o crime de corrupção ativa (delação premiada da pessoa jurídica) não precisam da presença do Ministério Público nem de magistrados. Mais um golpe contra a justiça.
7. Também desapareceu do projeto o artigo que responsabilizava criminalmente os partidos políticos e os dirigentes partidários envolvidos com a bandalheira eleitoral. Os partidos, inclusive, poderiam ter o registro eleitoral cassado.
8. O MPF, na proposta original, tentou criar obstáculos à obtenção de habeas corpus nos crimes políticos. Era uma questão polêmica, inclusive porque não é possível alterar direitos constitucionais com projeto de lei. Neste caso, sou contra. O habeas corpus é uma barreira constitucional contra abusos do poder público. De todo modo, o artigo também sumiu.

Partidos de esquerda, movimentos sociais, índios e outros manifestantes. Nada impediu a votação na Câmara. Foto Agência Brasil.
Fica claro que os nobres deputados firmaram um pacto de proteção contra a Lava-Jato e futuras investigações do mesmo naipe, como as que podem vir da delação da Odebrecht. A Procuradoria Geral da República se apressou em dizer que retira o apoio, imediatamente, ao que foi aprovado na Câmara. Os procuradores da Lava-Jato convocaram uma entrevista coletiva de imprensa para afirmar o mesmo. Isto quer dizer, caros leitores: a banda podre do Congresso está viva e controlando as coisas.
O projeto aprovado na madrugada de hoje (30 nov) ainda tem que passar no Senado, onde o presidente da casa responde a 9 investigações no âmbito da Lava-Jato. Alguma esperança de barrar a farra-do-boi dos deputados?