
Presos de Manaus. Imagens da Agência Brasil.
O segundo maior massacre de presos da história brasileira, ocorrido em Manaus, no dia primeiro do Ano Novo, só se compara ao Carandiru, de triste fama, quando 110 detentos foram trucidados pela tropa de choque da PM paulista. Na capital amazonense, ocorreu um conflito entre facções criminosas ligadas ao narcotráfico. Dos 60 mortos, soma de cadáveres capaz de envergonhar qualquer país civilizado do mundo, a imensa maioria foi decapitada e incinerada, a ponto de não ser possível reconhecer os corpos. Na confusão provocada pela rebelião em dois presídios, 184 detentos aproveitaram para escapar. É – sem dúvida – a falência de um sistema carcerário que nos cobre de horror.
Diante da tragédia, que comoveu até o Papa Francisco, o presidente Michel Temer escolheu o silêncio. É a velha tática do governo federal: esse negócio de organizações criminosas é problema dos estados. Brasília quer distância desses conflitos sangrentos. Como se não tivesse nada a ver com isso. Temer deixou para seu Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, a inglória tarefa de dar explicações. E Moraes repetiu o velho discurso de quando era secretário da segurança de Geraldo Alckmin, em São Paulo. Essa história de facções criminosas é um mito criado pela imprensa. Basta ver que a maioria absoluta dos mortos não tinha qualquer vinculação “partidária”, como se ele não soubesse, nascido em terras do PCC, que a massa carcerária é a bucha de canhão das facções. Quem morre nos conflitos são os “civis”. As lideranças do crime organizado estão protegidas por forte esquema de segurança dentro dos presídios.

A barbárie contra os prisioneiros. Foto do DPF/BSA.
A autoridade pública, por razões óbvias, desdenha as facções criminosas. Reconhecer a existência delas seria o mesmo que admitir um “poder paralelo”, capaz de dominar o sistema carcerário e as quadrilhas que agem do lado de fora das grades. Em alguns casos, como no Rio de Janeiro, significaria reconhecer a existência de “territórios liberados”, sonho da luta guerrilheira latino-americana. Isto iria pressupor uma violenta reação do Estado, para se recolocar. Mas os danos colaterais são inadmissíveis eleitoralmente. Ficaríamos parecidos com a Colômbia. É melhor brincar de outra coisa. Por que não responsabilizar a superlotação carcerária? E por que não liberar algum dinheiro para criar novas vagas em cadeias? Um paliativo na crise. Uma espécie de band-aid para quem levou um tiro no fígado.
O Brasil tem algo parecido com 607 mil prisioneiros. É a quarta população carcerária do mundo. Deste total, perto de 40% são presos que ainda não sofreram condenação legal. São chamados de “provisórios. Mas não há como guarda-los, senão em presídios, por causa da gravidade dos delitos que cometeram. O sistema penal tem um déficit de 250 mil vagas. Pior: os criminosos profissionais representam apenas 10% do total de presos, mas exercem influência decisiva sobre o conjunto dos detentos. São eles que dão as ordens. Substituem a administração penal. Em São Paulo, calcula-se que 40 mil dos 70 mil detentos atendem às ordens do PCC. Um telefonema de um líder da organização criminosa, pelo celular ilegal nas cadeias, provoca um “salve geral”, uma revolta total. Foi assim em 2006, quando 40 mil prisioneiros atenderam à grande insurreição do PCC, tanto em São Paulo, quanto no Paraná e no Mato Grosso do Sul. Um levante de criminosos que se reproduziu nas ruas de São Paulo e provocou o caos. Houve centenas de mortos.

O Papa Francisco condena o massacre. Reprodução da Globo News.
De certa forma, cumprindo o papel institucional, os governantes fazem de conta que nada disso ocorre no mundo real. E não importa quantas decapitações e incinerações sejam mostradas pela mídia global. Não existem organizações criminosas no Brasil, até porque as nossas leis não tipificam ainda este tipo de crime. Falam vagamente sobre organizações criminosos, formação de quadrilhe e coisas mais. Só que o tal do “crime organizado” ainda não figura em nossas leis. E vamos fazer de conta que nada disso está acontecendo.