
O caos nos presídios brasileiros. Foto Agência Brasil.
Nos presídios administrados pela iniciativa privada no Amazonas, o governo pagava mais do que o dobro das despesas médias nacionais para manter um detento. O que isso quer dizer? Alguém (ou alguma empresa) estava ganhando com a diferença. E a privatização repercutiu positivamente? Não! Um chefe de facção criminosa morava em uma cela com ar condicionado, frigobar e televisão. As visitas aos líderes criminosos eram liberadas. Havia festas e churrascos na cadeia, inclusive com a presença de garotas de programa. É uma vergonha sem tamanho, agora aumentada pelo segundo maior massacre de presos da história do país. Um evento sangrento que ganhou o mundo e emocionou até o Papa. Aqui, no Patropi, o presidente diz que foi um acidente lamentável, como se o poder público não tivesse nada a ver com isso.
Na verdade, há uma guerra aberta entre as maiores facções criminosas do país, que se manifesta no desacerto de acordos comerciais no narcotráfico. O Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, romperam uma associação que durava há décadas. E o campo de batalha é o sistema penal, onde estão os líderes das organizações e seus sócios locais. Particularmente na região norte do país, a luta é mais intensa.
O Amazonas, por exemplo, tem fronteira física com a Colômbia, maior produtora mundial de cocaína. Por essa fronteira passam toneladas de drogas anualmente. Existe até uma rota conhecida como “Passagem do Solimões”, que se refere ao grande rio da região, por onde entra o produto ilegal colombiano, tanto a droga quanto o contrabando de armas de guerra, abastecendo os grandes centros urbanos brasileiros. Pela via fluvial do Solimões, em grandes barcaças, chegam os produtos milionários, comprados pelas organizações criminosas do sudeste do Brasil.

Imagem de uma cela comum. Vocês acham que Marcelo Odebrecht seria colocado aí?
Se você atravessar a fronteira com a Colômbia, na área da cidade brasileira de Letícia, poucos quilômetros adiante, vai se defrontar com um território produtor de coca e controlado pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARCs. Ali já ocorreram, inclusive, combates envolvendo o Exército do Brasil, que sofreu baixas, mas revidou fortemente e liquidou todo um grupo guerrilheiro. É uma terra de ninguém. Justamente para controlar o tráfico na região norte, tão vulnerável, as facções CV e PCC recrutam associados locais, como a organização Família do Norte, mais conhecida como FDN, que comandou o massacre de presos rivais em Manaus.
Pode ser que o presidente Michel Temer não saiba disso. Mas ele tem na equipe de governo uma pessoa muito bem informada. É o general Sérgio Etchegoyen, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. O general tem uma longa carreira ligada aos órgãos de inteligência militares. Conhece de trás para a frente tudo o que escrevi aqui. Etchegoyen assistiu a uma palestra que fiz, gravada em áudio e vídeo, para o curso de formação de oficiais do Estado-Maior das Forças Armadas, na qual descrevi minuciosamente, durante 6 horas, o rumo provável da questão do crime organizado no país. Ele sabe do que estou falando.

O general Sérgio Etchegoyen, chefe do GSI.
O general foi resistente a utilizar as Forças Armadas no combate ao narcotráfico. Isso me foi dito por um oficial que serviu com ele. Acreditava, como a maior parte dos militares, que o envolvimento dos uniformes verde-oliva na guerra urbana teria mais desvantagens do que resultados. Vendo hoje, com base nas operações nas favelas da Maré e no Complexo do Alemão, no Rio, tendo a dar razão a ele. Não mudou nada. Apenas expos os militares ao fogo inimigo, quase sem resultados. O negócio das drogas, apesar da intervenção militar, não sofreu nenhum dano considerável. Continua próspero e impune. A culpa é do consumidor de drogas, que está na elite da sociedade, contra a qual os blindados são ineficientes.
A inteligência militar, em matéria de combate ao narcotráfico, também tinha uma preocupação relevante. Como o traficante dispõe de milhões e milhões de reais em dinheiro vivo, poderia haver uma corrupção irrefreável. Sargentos, tenentes e capitães, em geral mal pagos, poderiam substituir os gerentes do tráfico nas favelas ocupadas. Basta dizer que um tenente do Exército, formado na Academia de Agulhas Negras, foi preso por ter roubado dois aparelhos de ar condicionado de um morador do Complexo do Alemão. Se algo tão banal ocorreu, que dirá lidar com os chefes do narcotráfico?
A soma de tudo isso cria um cenário sombrio para o país. Já somos o segundo maior mercado consumidor de drogas do mundo ocidental. E atingimos a marca de primeiro em uso do crack, a droga mais letal. Talvez o presidente Michel Temer deva se informar melhor sobre o tema, para não repetir a bobagem de que o massacre de Manaus tenha sido um “acidente pavoroso”. Por que não convida o general Etchegoyen para um almoço no Planalto?
Amorim, demais leitores. Aí está colocada a questão. A guerra aberta entre a bandidagem de um lado, No outro, correndo em paralelo o estado democrático avança aperfeiçoando-se como uma das legislações mais avançadas do mundo. São dois sistemas legais: o crime organizado com suas leis e tribunais; e constituição de direitos inalienáveis de outro. Haverá confronto? Ou o Brasil sairá dessa dicotomia pela educação de seu povo e consequente extinção da criminalidade? Grande abraço
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Estimado Carlos Amorim, sou seu ardoroso fã. Como sempre, muito bem informado e um texto primoroso. Agora, fica a pergunta: essa leniência das autoridade é mais do que ignorância e falta de vontade política, você não acha? Mas algo ainda me intriga. Você vê alguma relação como pano de fundo dessas divergências entre as facções criminosas e o aprofundamento das investigações e prisões da Operação Lava-Jato? Pergunto, pois em seus livros fica clara a conexão entre o poder público e o PCC/CV.
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Ola,
Nossos representantes governamentais estão no ”mato sem cachorro”, a segurança pública já e a segunda prioridade no país, sempre tem que esperar acontecer para depois alguém fazer alguma coisa, que DEUS abençoe o futuro do Brasil, fé na missão e força para os brasileiros que acreditam em uma melhoria.
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