
Violência nas ruas. Um país em guerra civil não declarada. Imagem da TV Brasil. ,
A Polícia Militar do Espírito Santo entrou em greve há três dias. Os policiais, responsáveis pela manutenção da ordem pública, querem aumento de salários e o pagamento de adicionais por ocupação de risco e porque trabalham à noite. A capital, Vitória, mergulhou num mar de violência: 54 homicídios desde o último sábado (4 fev); recorde de assaltos a mão armada; motoristas arrancados de seus carros em plena luz do dia; houve saques, tumultos e incêndios. A população se trancou dentro de casa. O governo estadual pediu socorro à Força Nacional de Segurança (FNS) e ao Exército. Mas o caos continua.
No Brasil, qualquer desequilíbrio em matéria de segurança pública vira desastre. Não temos uma política de segurança – e nossos governantes nunca se preocuparam com isso, a não ser nos períodos de exceção, quando se tratava de proteger o Estado e o capital. A garantia do cidadão nunca interessou a ninguém. A omissão do poder público foi o combustível para a crise, que se parece com uma guerra civil não declarada. O conflito armado no país mata ao menos 55 mil pessoas por ano. Mais do que no Vietnã ou igual à Síria. Com 10 mil morros por ano, a ONU classifica o enfrentamento como “guerra de baixa intensidade”. Até 20 mil vítimas por ano, é uma “guerra de média intensidade”. A partir deste patamar, é uma “guerra generalizada”
Em 1993, quando publiquei o meu primeiro livro sobre violência urbana e crime organizado (“Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado”, pela Editora Record), afirmei que o país estava às vésperas de um tipo peculiar de guerra civil, cuja motivação não era ideológica ou sectária. Estava focada na falta de oportunidades e na injustiça social. Alguns disseram que fui espalhafatoso e sensacionalista. Pelo menos um dos meus colegas de profissão, a quem prezo muito, me disse que estava ajudando a organizar a bandidagem, ao apresentar um retrato sem retoques do que é uma facção criminosa. Naquele ano, o número de homicídios, segundo o Mapa da Violência no Brasil, era inferior a 40 mil por ano. Vejam a que ponto chegamos.
Quase uma década mais tarde, em 2011, publiquei o terceiro volume da minha trilogia sobre o tema: “Assalto ao Poder”, pela mesma Editora Record. Na abertura deste trabalho, fiz outra afirmação muito criticada: “O crime organizado pretende a tomada do poder”. Os dois livros foram premiados pela Câmara Brasileira do Livro, com o Jabuti da categoria reportagem, o maior prêmio literário do país, uma espécie de Pulitzer tupiniquim. Vendo o país de agora, chego à conclusão de que o meu esforço profissional não teve qualquer consequência. Em um país de poucos leitores, nem os “especialistas” a serviço dos governos conseguiram tirar conclusões.
O problema generalizado da insegurança pública não pode ser atribuído apenas às forças de segurança. Não se trata de aprimorar as polícias e aumentar a repressão e o encarceramento. A violência urbana é um fenômeno social de largo espectro. Para lidar com a guerra civil brasileira não declarada, temos que convocar o meio acadêmico, a universidade que nos deve auxílio teórico e científico. É preciso notar o nexo histórico e encontrar soluções inclusivas. Não a repressão policial pura e simples. Quantos mais matarmos, mais teremos substitutos na escalada da violência. Entre os mortos por armas de fogo no país, a imensa maioria tem entre 13 e 29 anos de idade. Estamos jogando fora toda uma geração.
No Brasil, a cada ciclo histórico de desenvolvimento econômico com distribuição de renda, ocorre uma automática redução dos níveis de violência. Desconhecer os fatos é negar a verdade. Se quiséssemos matar todos os bandidos do país, não teríamos como fazer os procedimentos legais, nem onde enterrá-los.
Quem viver, verá!