
Juiz e acusador ao mesmo tempo.
A animosidade entre Moro e Lula, que pudemos ver nos vídeos do depoimento em Curitiba, é um péssimo exemplo para a justiça em nosso país. O juiz, em vez de ouvir o questionamento do Ministério Público e dos advogados, chamou para si a responsabilidade da acusação. Tornou-se magistrado e acusador ao mesmo tempo, ferindo os princípios de impessoalidade na magistratura. Fez perguntas sobre temas que não estavam afeitos ao processo, como relativas ao “mensalão”, já julgado pela Suprema Corte, e ao famoso sítio de Atibaia. Havia uma raiva contida pela ironia nas palavras de Moro.
Lula, por sua vez, também demonstrava grande irritação. Muitas das suas respostas foram ásperas e provocativas. Quando o juiz apresentou documentos sem assinatura e papéis cuja origem era desconhecida, o tom da ópera bufa subiu uma nota. Moro chegou a mostrar um contrato de Marisa Letícia, relativo à reserva de compra de um apartamento no prédio do Guarujá, onde havia uma rasura feita à mão. Pela troca dos números, um apartamento simples virava um triplex. Afirmou que a rasura havia sido periciada pela PF, mas o laudo não concluiu de quem era aquela letra. Ou seja: qualquer um poderia ter feito aquilo. Foi o que Lula perguntou: quem rasurou? Não havia uma resposta.
As provas na ação penal que trata do triplex são de uma pobreza impressionante. Tudo está baseado em delações premiadas e em papéis sem assinatura. Há também um email que diz que a ”dama” aprovou a reforma no imóvel e no sítio, incluindo uma cozinha de 140 mil reais. Moro insinuou que a tal “dama” seria Marisa Letícia. Seria mesmo? A inconsistência é de doer. Não estou discutindo aqui se Lula é ou não corrupto. Apenas levanto a questão da pobreza da ação penal.
Pelos recortes do depoimento que vimos na grande mídia, concentrados no embate entre réu e juiz, fica-se com a sensação de que Lula recebeu mesmo os tais 3 milhões de reais da empreiteira OAS, disfarçados no imóvel e nas reformas. Mas, do ponto de vista da materialidade dos crimes de corrupção, ocultação de bens e lavagem de dinheiro, o caso é bem fraquinho. Especialmente porque a venda do apartamento não se consumou. Isto, porém, não deve impedir a condenação do ex-presidente. E a cana vai ser dura, talvez uns 15 anos só na ação do triplex.
O juiz federal parece convencido de que Lula é realmente um criminoso. Só que isso não basta. Tem que provar. Além do mais, boa parte da opinião pública, bombardeada pela mídia, também acha que ele é um ladrão vulgar. A Lava Jato é uma unanimidade nacional. Ou seja: tudo indica a condenação do ex-presidente na primeira instância. E rapidamente, talvez até o fim de julho. Se a sentença for confirmada em segunda instância até junho do ano que vem, Lula não poderá ser candidato, mesmo liderando as pesquisas. Ou por causa disso. Seria uma festa para o setor conservador que está no poder.
No entanto, é preciso não esquecer que Justiça não é vingança e que o Direito está acima do dever.
Sobre Carlos Amorim
Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão.
Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano.
Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc).
Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes.
Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005).
A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações.
Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada.
Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.