
Intervenção militar no Rio: favelas e soldados. Faltou a faixa presidencial.
A primeira consequência da intervenção militar no Rio de Janeiro foi a de que o “vampiro do neoliberalismo”, da Tuiutí, saiu sem a faixa presidencial no desfile das escolas de samba campeãs do carnaval carioca. Autocensura? Medo de irritar os militares? Seja como for, a faixa que representava Michel Temer sumiu. De resto, a rotina de violência segue o curso normal. Caixas eletrônicos foram explodidos, cargas foram roubadas e o narcotráfico segue faturando milhões, vendendo cocaína para a burguesia.
Na zona oeste do Rio, em Bangu, um assalto em um bar lotado terminou com três mortos (inclusive um sargento da PM de folga) e quatro feridos a bala. Foi um balalhau espantoso. Em bairro residencial de classe média. O incidente mais grave desde a decretação da intervenção, na tarde da última sexta-feira (16 fev). Mas o crime avulso, o roubo vulgar, continua a pleno vapor. A venda de drogas, então, nem se fala.
Tocando o plano de marketing de quem garante que vai controlar a criminalidade no país, assim como teria controlado a recessão econômica, Michel Temer reuniu o Conselho Nacional de Defesa. Foi a portas fechadas. A única informação que vazou foi a de que a Secretaria de Administração Penitenciária do Rio, agora comandada por um general, iria reforçar a segurança nos presídios, para prevenir rebeliões das facções criminosas. E mais nada.
O decreto de intervenção – diga-se de passagem – não foi acompanhado de nenhum plano de ação. Incrível: deu-se ao general Walter Braga Netto, o interventor, um tempo para se informar da situação e estabelecer um diagnóstico sobre a crise de violência no estado. Afinal de contas, o general estava de férias e foi convocado às pressas. O cara precisa pensar um pouco. O crime organizado, especialmente relacionado ao narcotráfico em escala industrial, está instalado no Rio desde o início dos anos 1980.
No início, o crime organizado atendia pelo nome de Comando Vermelho. Depois de 10 anos, atendia pelo nome de CV/PCC. Agora as duas maiores organizações criminosas estão em guerra. Aliás, neste fim-de-semana, houve um acerto de contas entre as facções em um presídio do Ceará: dois líderes do CV foram trucidados. O PCC quer dominar todas as cadeias do país.
Precisamos de mais tempo para entender a situação?
Só para lembrar: o narcotráfico começa a se instalar no Rio no início dos anos 1980. O colombiano Pablo Escobar, chefe do Cartel de Medelín, chega à conclusão de que o Brasil, além de ser um corredor de passagem de drogas para a Europa e os Estados Unidos, poderia se tornar um importante mercado consumidor de cocaína. Escobar controla 60% da droga produzida no mundo. Para vender localmente, inicialmente no Rio, o megatraficante colombiano procura a primeira forma de crime organizado no país: a contravenção, as cinco famílias controladoras do jogo-do-bicho.
Os banqueiros do bicho temem se confundir com o tráfico, um dilema que também atingiu a Máfia Siciliana nos anos 1950. No entanto, imaginam que recusar propostas milionárias dos traficantes significaria perder o controle dos pontos de apostas. Encontram uma solução paliativa: decidem escolher um banqueiro menor, conhecido como Toninho Turco, do bairro de Bangu, para a operação de drogas. Ainda durante a ditadura militar. Toninho monta uma quadrilha de 91 homens e mulheres, 61 dos quais eram policiais e ex-policiais.
O Centro de Informações do Exército (CIEX), principal responsável pela desarticulação da resistência revolucionária contra o regime militar, acompanha o movimento. O resultado foi a Operação Mosaico, desencadeada pouco tempo depois, incluindo a Polícia Federal e algumas forças locais de segurança. Toninho Turco foi morto e a quadrilha desbaratada. O braço direito do bicheiro, um tenente da PM, foi apanhado em Lugano, na Suíça, em uma operação de lavagem de dinheiro.
Fracassado o projeto com os bicheiros, Pablo Escobar decide mudar o jogo. Aposta nos bandos que dominam as favelas e bairros pobre do Rio. E estes atendem pelo nome de Comando Vermelho, uma organização criminosa mais moderna e surgida nos conflitos sociais, de certa forma influenciada pela convivência entre presos políticos e comuns nos presídios do Rio.
A partir daí, todos já sabem o que aconteceu.