Crise de segurança no Rio começou com o fracasso das UPPs. O projeto inovador foi corroído pela violência e a corrupção.

mariano beltrame

José Mariano Beltrame, o “inventor” das UPPs. Foto com o BOPE.

                                   A crise de segurança no Rio começou com o retumbante fracasso do programa de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Criadas no primeiro governo de Sérgio Cabral (PMDB-RJ), e implantadas pelo delegado federal gaúcho José Mariano Beltrame, foram saudadas pela grande mídia como o fim do controle do tráfico em favelas e bairros pobres da região metropolitana da capital fluminense. Em um universo de cerca de 1.200 favelas, que abrigam um quinto da população, foram instaladas algo como 30 UPPs. Umas gotas no oceano. Mas a mídia batia tambores!

                                   O projeto prometia recuperar os territórios liberados do tráfico. Uma força de policiais militares foi organizada, usando boinas azuis, à semelhança dos capacetes azuis da ONU em áreas de conflito. Produziu grandes esperanças entre aqueles cariocas assolados pela violência, com farta cobertura midiática. Eu mesmo, nascido em Copacabana, percebi certo otimismo entre os meus conterrâneos. O crime organizado optou por um recuo tático, evitando conflitos e desaparecendo das áreas a serem ocupadas. Aliás, as operações policiais eram divulgadas com dias de antecedência, justamente para garantir que não haveriam choques armados. Tudo corria bem.

                                   O próprio Beltrame informava à imprensa que as UPPs, por si só, não resolveriam o problema. Era preciso que o poder de Estado entrasse nas favelas ocupadas, melhorando as condições básicas de sobrevivência: saúde, educação, saneamento, transporte. A polícia compareceu – mas o Estado ficou devendo, até porque os governantes não estão nem aí para o povo pobre. Resultado óbvio: o projeto afundou, naufragado em águas escuras, desmoralizando a força pública, fortalecendo a presença dos traficantes, gerando a crise atual.  

                                   Além do mais, a força destacada para as UPPs cometeu todos os erros que vemos há décadas. Violência gratuita, maus tratos aos moradores, revistas humilhantes até nas mochilas das crianças, assédio sexual às mulheres, corrupção em relação ao tráfico. Na ocupação do Complexo do Alemão, transmitida ao vivo para todo o mundo pela TV-Globo (o JN ganhou o prêmio EMI por causa disso), verificou-se, pouco mais tarde, que moradores foram vítimas de abusos e violação de direitos. Um tenente do Exército, formado pela Academia de Agulhas Negras, simplesmente roubou dois aparelhos de ar condicionado da casa de um favelado. Está sendo processado pela Justiça Militar.

                                   Em 70% das UPPs, houve denúncias de abusos. E o caso mais emblemático é o sequestro, tortura e morte do pedreiro Amarildo, na favela da Rocinha. Amarildo era suspeito de envolvimento com o tráfico. Em outro caso exemplar, foram encontradas drogas e armas em uma UPP. Ou seja: um modelo inovador com a velha polícia violenta e corrupta. Não podia dar certo. Mas Sérgio Cabral, surfando na onda das UPPs, foi reeleito. Agora está preso, condenado a décadas de cadeia por crime organizado, roubo, lavagem de dinheiro. Mariano Beltrame pediu demissão antes disso – e sumiu debaixo de um silêncio impressionante. Talvez reapareça como candidato a Câmara Federal este ano.

                                   Hoje sabemos que o Rio foi saqueado por seus próprios governantes. E dá para especular que as UPPs foram um golpe eleitoreiro. Agora também dá para imaginar que a intervenção militar, sem qualquer planejamento, é outro golpe publicitário.

                                   Quem viver, verá!     

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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