Para tentar se reeleger na presidência da Câmara, Rodrigo Maia faz acenos a Bolsonaro. Oferece colocar em votação, já em janeiro, o projeto de lei que facilita a venda e o porte de armas de fogo.

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Rodrigo Maia: vai vender a alma? Imagem da TV Cultura.

                                    Rodrigo Maia (DEM-RJ) quer continuar presidindo a Câmara dos Deputados, que o torna o terceiro homem na sucessão ao Planalto. Para tanto, precisa pacificar o “centrão” e se aproximar do PSL, o crescente partido bolsonarista. Como moeda de troca, deseja oferecer ao capitão colocar em votação o projeto de lei que flexibiliza o Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003. E isso já em janeiro. Com o gesto generoso, Maia atende a uma das principais propostas de campanha de Bolsonaro: armar a população contra o crime. Em um país em que matamos 63.880 pessoas no ano passado, parece que o projeto dá início à guerra civil que os radicais tanto esperam.

                                   O projeto de lei 3722/2012, do deputado Rogério Peninha (MDB-SC), já foi aprovado em uma “comissão especial” da Câmara. Mas vem sendo mantido em banho-maria por Rodrigo Maia. Agora parece ter chegado a ocasião mais oportuna, em troca da qual Maia e o “centrão” esperam se beneficiar com cargos e vantagens. É o famoso toma-lá-dá-cá que Bolsonaro jurou extinguir. Se a lei for aprovada, o que muda?

1.      A idade mínima para a compra de armas de fogo cai de 25 para 21 anos. O comprador não poderá ter antecedentes criminais, mas fica dispensado o exame psicológico para saber se o sujeito pode ter uma arma nas mãos.

2.     O registro da arma na Polícia Federal se torna permanente, enquanto hoje vale por apenas 3 anos. O proprietário ainda tem que comprovar atividade profissional e residência fixa. Mas poderá adquirir várias armas de diferentes calibres (revólveres, pistolas, carabinas e rifles), com a munição regulada em cotas anuais.

3.     Para obter o porte de arma (ou o direito de sair armado na rua), terá que apresentar uma justificativa à Polícia Federal. Mas isto também pode ser “flexibilizado” durante a votação, porque muitos deputados da “bancada da bala” acham que, se o comprador cumpriu as exigências na aquisição do armamento, fica dispensado de novas obrigações para obter o porte.

4.     O artigo 78 da nova lei revoga expressamente o Estatuto do Desarmamento e cria o Estatuto de Regulamentação das Armas de Fogo.

Ao contrário do que pensam alguns otimistas, este não é um povo ordeiro e pacífico. Os fatos históricos e a epidemia de violência desmentem a tese. Em números absolutos, somo o país que mais mata violentamente no mundo, a cada ano. Sessenta e tantos mil homicídios, 40 mil desaparecidos e outras dezenas de milhares no trânsito, que também é uma forma de violência. Somos o segundo maior consumidor de cocaína em pó do planeta, o primeiro em crack. O narcotráfico é uma praga incontrolável, envolvendo particularmente as elites do país, incluindo os altos escalões da República, como já afirmou Fernando Henrique Cardoso, em entrevista a O Estado de S. Paulo, durante o segundo mandato dele.

                                   As facções criminosas são uma realidade assustadora, controlando o sistema penal e organizando a atividade criminal nas ruas. Elegem representantes pelo voto dos mais carentes e corrompem a polícia. Governam comunidades pobres onde vivem milhões de brasileiros. Contra esse estado de coisas não vemos políticas públicas. Um ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo, durante o “levante” do PCC, em 2006, declarou à imprensa que quem sustenta o crime organizado é “a burguesia e a pequena-burguesia”. Ou seja: a elite econômica e a alta classe média.

                                   Se o crime organizado está nos altos escalões da República – vide as denúncias da PGR contra Lula, Dirceu, Temer e dezenas de parlamentares e ministros-, como resolver o problema armando a população? O bandido carrega armas todo o dia. Alguns assaltantes realizam até 10 ações por dia. São experientes, corajosos, muitas vezes por causa de drogas e álcool. Em 70% dos casos de crimes violentos, drogas e álcool estão presentes. Como o cidadão comum vai enfrentar esse tipo de agressão?

                                   De outra parte, precisamos examinar quem se beneficia com a escalada bélica proposta por Bolsonaro. Certamente, a indústria de armamentos. Aqui temos 3 delas: a Taurus (revólveres, pistolas e metralhadoras), a CBC (fabricante de munição) e a Imbel (produtora de armas militares). Na bolsa de valores, após o crescimento da candidatura do capitão do PSL e seus filhos agitados, as ações da Taurus se valorizaram 140% este ano, segundo o site Negócios. O capital estrangeiro correu para comprar. A aprovação da nova lei nos coloca em uma posição parecida com a dos Estados Unidos, onde a venda de armas é quase liberada. Mas resulta em atos terroristas e massacres nas escolas.

                                   Em um país repleto de contradições sociais, marcado pela desigualdade, o que será de nós?

    

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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