Capitão mandou dizer: vai libertar o país do socialismo e do politicamente correto. A qual socialismo se refere? Nunca tivemos regimes socialistas no país. Nem com o maluco do Jânio – nem com o sindicalista João Goulart. Nem com Lula. E o que é “politicamente correto”?

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No dia da posse. Imagem TV Brasil;

                                   Já com a faixa de seda cravejada de diamantes no peito, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que iria libertar o povo brasileiro do socialismo e do “politicamente correto”. Salvo algum engano, nunca fomos socialistas. Nem na beira – nem no fundo. O maluco do Jânio Quadros condecorou Ernesto “Che” Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul, quando, provavelmente, não sabia o que estava fazendo. Renunciou. Jango não condecorou ninguém. Mas visitou a China comunista e o governo dele foi chamado de “República Sindicalista”. Foi derrubado.

                                   Os governos petistas distribuíram renda como nenhum outro, mas foi o período de maior lucratividade dos bancos. Ah, sim: o PT também abandonou reivindicações históricas da esquerda, como a reforma agrária e a democratização dos meios de comunicação. Os movimentos sociais foram esquecidos. A que socialismo o presidente se refere?

                                   Talvez tenha cometido mais um dos seus enganos semânticos. É possível que estivesse se referindo aos socialistas e aos comunistas, pessoas físicas e partidos políticos. Anunciava uma cruzada contra a liberdade de opinião? Pode ser. Tanto que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que tem assento ao lado de Bolsonaro no Planalto, já na primeira reunião ministerial, avisou que iria demitir todos os funcionários com “ideologia antagônica” ao Novo Regime. E deu um número: 300 funcionários comissionados só na Casa Civil. E exortou os demais ministros a fazer o mesmo.

                                   Uma coisa é demitir os comissionados, que são regidos por contrato – outra coisa é demitir funcionários públicos concursados. É como meter a mão num vespeiro aguerrido e organizado. Collor quis fazer isso e se danou todo. O funcionalismo público é a maior força sindical do país. Uma greve teria consequências cem vezes piores do que o locaute das transportadoras, em maio do ano passado, que paralisou o país. O PIB brasileiro teve um encolhimento de 0,5% por causa da paralisação dos caminhoneiros.

                                   Então, o que Bolsonaro pretende fazer contra socialistas e comunistas? Vai tentar cassar os registros eleitorais de PCdoB, PCB e PSB, fora uns esquerdistas barulhentos como o PSOL, o PCO e o PSTU? Ou tudo isso não passa de um discurso radical para o marketing político do capitão. Parece que se aproxima do ditado popular: cão que ladra não morde. Aliás, Bolsonaro tem sido seguidamente desmentido por seus auxiliares. É como se houvesse um governo imaginário na cabeça do capitão – e outro na equipe técnica do Planalto. Salve-se quem puder!

                                   E a questão do “politicamente correto”?

                                   Afinal, o que é isso? Politicamente correto é negro, índio, quilombolas, comunidade LGBT e outras siglas exóticas, cotas raciais etc. Bolsonaro já se manifestou contra tudo isso. A questão das reservas indígenas foi entregue ao Ministério da Agricultura, cuja titular preside a frente parlamentar ruralista na Câmara. É como colocar a raposa cuidando do galinheiro. Dois dias após a posse de Bolsonaro, ocorreram dezenas de invasões de reservas ambientais, por conta de madeireiros, garimpeiros e produtores agrícolas. Bolsonaro reclama que 25% do território nacional são de reservas indígenas e quilombos. Na verdade, são áreas de proteção ambiental, onde há reservas indígenas. Temos ainda 3,5 milhões de quilômetros quadradas de matas virgens. A Amazônia, chamada de pulmão do mundo. Trinta anos atrás, eram 4,5 milhões de quilômetros quadrados de florestas. Já perdemos um bom pedaço. Agora vamos perder mais.

                                   A questão da cidadania foi entregue a uma pastora evangélica. Ela diz que os meninos devem vestir azul e as meninas deve vestir rosa. Parece algo dos tempos da inquisição do século 17. De uma forma ou de outra, o discurso radical do Novo Regime parece que vai se reduzir às questões morais e religiosas, com base no fundamentalismo evangélico. Mas em matéria econômica e social, vai ser muito parecido com o governo Temer. As mesmas velhas fórmulas liberais já conhecidas.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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