Racha na FDN, a maior organização criminosa do norte do país, é o motivo do massacre de presos em Manaus. A disputa é pelo controle do tráfico de drogas na famosa “Conexão Solimões”, uma das mais importantes rotas do tráfico.

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Presos armados dentro de presídio em Manaus. Como? Corrupção.

 

Em apenas dois dias, 55 presos foram executados nos presídios de Manaus. Dois anos antes, 56 mortes já haviam ocorrido nas mesmas condições. Isto soma um Carandiru, o maior massacre de presos já ocorrido no mundo em apenas um dia (2 de outubro de 1992). Preso no Brasil não vale nada. Além da superlotação (faltam 270 mil vagas nos presídios), 40% dos detentos estão atrás das grades sem julgamento. São chamados de “provisórios”, como provisória é a vida deles sob a guarda do Estado . Boa parte deles nunca viu um juiz. Trata-se de um dos sistemas penais mais injustos do planeta, especialmente em um país onde a justiça tem enorme dissimetria de classe: pobre vai preso, rico tem recursos infinitos, a ponto de prescrevem as penas.

Para quem pode pagar bons advogados, a justiça brasileira tem quatro instâncias de julgamento. Fato único no mundo. Na verdade, quem ocupa o cárcere é pobre, preto e favelado. O famoso PPF do jargão policial. Para enfrentar as duras condições carcerárias, surgem as facções criminosas. Os presos se juntam, criam uma organização, dão um nome a ela e se erguem contra o sistema. Depois disso, é fácil: controlam as visitas, corrompem os guardas, intimidam os vizinhos de cela. Todas as organizações criminosas brasileiras surgiram dentro da cadeia, seguindo o exemplo pioneiro do Comando Vermelho (CV) na década de 1970. Elas se expandem para fora por meio de familiares, advogados e celulares clandestinos. Não é à toa que as facções envolvem a própria família dos apenados.

A Família do Norte (FDN) surgiu já nos anos 2000, associada ao Comando Vermelho. Logo depois foi possível detectar a presença do PCC paulista na região, recebido como sócio no empreendimento da “Conexão Solimões”. Mas diferenças comerciais quebraram a antiga sociedade entre CV-PCC, iniciada em 1993, quando o grupo paulista foi criado, no presídio de Taubaté, jurando lealdade aos vermelhos. A FDN, ao longo do tempo, desenvolveu fortes laços com as FARCs colombianas, a última guerrilha das Américas, negociando drogas e armas na fronteira, um negócio milionário iniciado pelo megatraficante Fernandinho Beira-Mar (CV).

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Armas da FDN apreendidas às margens do Solimões. Imagem da Polícia Civil do Amazonas.

 

A partir do grande racha, começou a violência nos presídios do Amazonas, especialmente em Manaus. A FDN agora opera como uma organização independente e ataca os integrantes do PCC. A independência do grupo também derramou sangue. As duas maiores lideranças da facção criminosa estão em guerra, mesmo depois de terem sido transferidas para presídios federais de segurança máxima, onde supostamente estariam isoladas. Os massacres de Manaus, ordenados de trás das grades, revelam o total desinteresse dos governantes em relação à questão carcerária. Preso não dá voto. Construir presídios para diminuir o déficit de vagas custa caro demais para um país quebrado.  Os políticos não entendem que as deploráveis condições das cadeias têm relação direta com o aumento da violência nas ruas.

O Estado não consegue dar as respostas certas para o problema. E a matança vai continuar.

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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