Bolsonaro não sabe o que faz e morre pela boca. Mas quem acha que o governo vai cair amanhã está redondamente enganado.

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Bolsonaro desdenha da tragédia. Imagem do Portal do Cerrado.

                                Quem acha que o Bozo já era, engana-se. Jair Messias Bolsonaro, eleito pelo voto livre e direto em 2018, tendo recebido aproximadamente 57 milhões de sufrágios (do total de 140 milhões de eleitores do país) é um presidente legítimo. Não há como negar. Representa justamente isso, mais ou menos 40% do país religioso, ultraconservador, onde as desigualdades sociais e econômicas são aceitas como uma espécie de vontade de Deus. Um país ao Sul do Equador onde supostamente existe uma “democracia racial”, mentira historicamente consagrada no Patropi. Aqui, pobre é pobre por vontade divina. Rico é rico, idem.

                                   Antes, havia casa grande e senzala, como se fosse uma coisa natural. Depois, sobrados e mocambos. Agora, condomínios e favelas. Como se fosse obra típica de um povo que miscigenou o europeu mais atrasado de todos, com o índio indolente e o negro preguiçoso. O próprio vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, chegou a descrever a gêneses do brasileiro nesses termos, em palestra pública que teria sido divulgada fora de contexto. Portanto, a eleição de um tenente do Exército processado pelos próprios pares por terrorismo (ou tentativa), que passou 28 anos na Câmara dos Deputados, sufragado pelo Rio de Janeiro, tendo apresentado apenas 2 projetos que não foram aprovados, tornou-se o maior mandatário da Nação.

                                   Olhando historicamente, parece a tragédia de sempre. Bolsonaro sofreu um atentado, levou uma facada na barriga. Tinha apenas 10 segundos de tempo na propaganda eleitoral gratuita. Não foi a nenhum debate na televisão. Desmoralizou todos os marqueteiros do país. A eleição dele lembra a de Jânio Quadros, cujo lema também era o combate à corrupção. “Varre, varre, varre vassourinha”. Era o mote da campanha eleitoral do paulista que ficaria poucos meses no poder. Meu pai, funcionário de carreira do Banco do Brasil, dizia: “Esse maluco vai resolver o Brasil”. Foi eleito contra tudo e contra todos, mas não resolveu nada.

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As ruas não estão mais desertas como há uma semana. Imagem O Globo.

                                   Bolsonaro e Jânio são parecidos. O tenente, promovido a capitão após a baixa mais ou menos desonrosa, foi escolhido como o Messias que traz no nome próprio. O brasileiro tem essa mania de querer um salvador da Pátria, apesar de que essa coisa não existe. Venceu a eleição contra o PT de Fernando Haddad, por quase 10 milhões de votos. Vitória inquestionável. Mas Bolsonaro não sabia o que fazer em seguida.

                                   Declarou que não entendia de economia e nomeou o banqueiro Paulo Guedes como ministro da área. Hoje (8 abril) o presidente do Bradesco disse à imprensa que o PIB do Brasil pode encolher ao menos 4 por cento. Ou seja: uma catástrofe! Por outro lado, Guedes quer utilizar as reservas cambiais do país (387 bilhões de dólares duramente conquistados por FHC e Lula) para pagar títulos da dívida pública. Ou seja: dinheiro para os bancos. Paulo Guedes não nega as origens no sistema financeiro. Agora, com a pandemia, a equipe econômica do governo não consegue nem distribuir 600 reais para o povo. Criou tamanho aparato burocrático, que a mesada não vai chegar a quem precisa. O pior obstáculo é que o sujeito tem que ter o CPF limpo, mas o país tem 60 milhões de inadimplentes com o CPF queimado.

                                   Bolsonaro se recusa a aceitar que o coronavírus é uma ameaça para o brasileiro. (Em números de hoje: 800 mortos e 15 mil contaminados.) Ele contraria a opinião de todos e já foi chamado de “o homem mais perigoso do mundo” por um jornal suíço. Fez pronunciamentos na televisão estimulando as pessoas a romper a quarentena, insinuando que emprego é mais importante que a vida. Virou garoto propaganda de um remédio (cloraquina) que é produzido por uma das empresas de Donald Trump, segundo denunciou o The New York Times.  

                                   Para completar, Bolsonaro teve uma crise de ciúmes de seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e ameaçou demiti-lo. No bate-rebate, o médico se tornou mais popular que Lula, Luciano Huck e o próprio Bolsonaro. Estabelecida a confusão, o segmento militar do governo, liderado pelo general Braga Netto, teve que intervir para reduzir os danos à imagem do próprio presidente e emprestar firmeza ao governo. Ao mesmo tempo, Congresso e STF ameaçam derrubar qualquer decreto para pôr fim à quarentena.  

                                   Mas, retomando a frase que inaugurou este artigo, se engana quem acha que o Bozo já era! Ele tem apoio de uma parte significativa da classe média e de uma fatia expressiva dos evangélicos. É sustentado por grande número de empresários do varejo, apesar de que as grandes empresas estão se afastando ou já se afastaram dele. O presidente do Bradesco diz que o país vai para a depressão econômica – e o presidente da GM diz que as empresas vão quebrar por falta de liquidez. Muitos economistas afirmam que a crise é alimentada pela ausência de harmonia no executivo e pela falta de juízo do presidente.

                                   Mas, anda assim, o sistema prefere esse modelo enlouquecido à volta das esquerdas, a menos que o lucro capitalista seja ameaçado. Paulo Guedes e Bolsonaro continuam, com ajuda do Congresso, a cultivar planos contra os trabalhadores e pela redução dos direitos. Se puderem, farão outra Constituição.

                                   Apesar da tragédia da pandemia, a população demonstra sensibilidade com a posição de Jair Bolsonaro. A quarentena está sendo rompida espontaneamente, porque as pessoas precisam comer. E o plano de emergência do governo parece fadado ao fracasso.  Simples assim.                     

Sobre Carlos Amorim

Carlos Amorim é jornalista profissional há mais de 40 anos. Começou, aos 16, como repórter do jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Trabalhou 19 anos nas Organizações Globo, cinco no jornal O Globo (repórter especial e editor-assistente da editoria Grande Rio) e 14 na TV Globo. Esteve no SBT, na Rede Manchete e na TV Record. Foi fundador do Jornal da Manchete; chefe de redação do Globo Repórter; editor-chefe do Jornal da Globo; editor-chefe do Jornal Hoje; editor-chefe (eventual) do Jornal Nacional; diretor-geral do Fantástico; diretor de jornalismo da Globo no Rio e em São Paulo; diretor de eventos especiais da Central Globo de Jornalismo. Foi diretor da Divisão de Programas de Jornalismo da Rede Manchete. Diretor-executivo da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, onde implantou o canal de notícias Bandnews. Criador do Domingo Espetacular da TV Record. Atuou em vários programas de linha de show na Globo, Manchete e SBT. Dirigiu transmissões de carnaval e a edição do Rock In Rio 2 (1991). Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão. Ganhou o prêmio da crítica do Festival de Cine, Vídeo e Televisão de Roma, em 1984, com um especial sobre Elis Regina. Recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1994, na categoria Reportagem, com a melhor obra de não-ficção do ano: Comando Vermelho – A história secreta do crime organizado (Record – 1994). É autor de CV_PCC- A irmandade do crime (Record – 2004) e O Assalto ao Poder (Record – 2010). Recebeu o prêmio Simon Bolívar de Jornalismo, em 1997, na categoria Televisão (equipe), com um especial sobre a medicina em Cuba (reportagem de Florestan Fernandes Jr). Recebeu o prêmio Wladimir Herzog, na categoria Televisão (equipe), com uma série de reportagens de Fátima Souza para o Jornal da Band (“O medo na sala de aula”). Como diretor da linha de show do SBT, recebeu o prêmio Comunique-se, em 2006, com o programa Charme (Adriane Galisteu), considerado o melhor talk-show do ano. Em 2007, criou a série “9mm: São Paulo”, produzida pela Moonshot Pictures e pela FOX Latin America, vencedora do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor série da televisão brasileira em 2008. Em 2008, foi diretor artístico e de programação das emissoras afiliadas do SBT no Paraná e diretor do SBT, em São Paulo, nos anos de 2005/06/07 (Charme, Casos de Família, Ratinho, Documenta Brasil etc). Vencedor do Prêmio Jabuti 2011, da Câmara Brasileira do Livro, com “Assalto ao Poder”. Autor de quatro obras pela Editora Record, foi finalista do certame literário três vezes. Atuou como professor convidado do curso “Negócios em Televisão e Cinema” da Fundação Getúlio Vargas no Rio e em São Paulo (2004 e 2005). A maior parte da carreira do jornalista Carlos Amorim esteve voltada para a TV, mas durante muitos anos, paralelamente, também foi ligado à mídia impressa. Foi repórter especial do Jornal da Tarde, articulista do Jornal do Brasil, colaborador da revista História Viva entre outras publicações. Atualmente, trabalha como autor, roteirista e diretor para projetos de cinema e televisão segmentada. Fonte: resumo curricular publicado pela PUC-RJ em “No Próximo Bloco – O jornalismo brasileiro na TV e na Internet”, livro organizado por Ernesto Rodrigues em 2006 e atualizado em 2008. As demais atualizações foram feitas pelo autor.
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