
Abatido, Moro pede demissão e deixa uma saia justa para o governo. Imagem Portal Senso Incomum.
Foi um discurso de 40 minutos. Diante de uma pequena multidão de jornalistas e funcionários, que se acotovelavam no auditório do Ministério da Justiça e Segurança Pública, com pandemia e tudo, o agora ex-ministro Sérgio Moro pediu demissão lançando graves acusações contra o presidente Jair Bolsonaro. Afirmou que o chefe do executivo quer o controle político da Polícia Federal, de modo a receber informações detalhadas sobre inquéritos e investigações.
Moro assegurou que o presidente está particularmente preocupado com a ação criminal aberta pelo Supremo Tribunal para apurar a organização e o financiamento das manifestações do dia 19 de abril, quando pequenos grupos de protesto pediram intervenção militar, a volta do AI-5 e o fechamento do Congresso e do STF. Entre esses manifestantes, segundo a denúncia, estariam políticos com mandato, lideranças da direita ultraconservadora e empresários que pagaram as despesas. O próprio Bolsonaro participou, discursando sobre um carro na porta do QG do Exército, em Brasília.
O ex-ministro, ao justificar o pedido de demissão, disse também que o presidente acompanha com atenção a CPI que apura o uso de fake news na campanha eleitoral de 2018, com desdobramentos até hoje. Essa investigação pode envolver Carlos Bolsonaro, que seria o coordenador do esquema conhecido como o “Gabinete do Ódio”, de onde teriam partido as notícias falsas.

O delegado Maurício Valeixo. Imagem Os Divergentes.
Sérgio Moro também explicou que foi surpreendido pela demissão do diretor-geral da PF, delegado Maurício Valeixo, publicada em edição extra do Diário Oficial na madrugada de hoje (24 abril). Pior: negou que tenha assinado a exoneração junto com o presidente, como saiu no DO. E desmentiu que o delegado tenha pedido demissão, como foi publicado. “Com essa atitude ele deixa claro que não me quer no cargo”.
Ou seja: Moro caiu atirando, deixando muito danificada a imagem de um governo eleito com a bandeira de combate à corrupção e da “nova política”. O xerife da Lava Jato, que prendeu Lula, deu a entender que sai de Brasília decepcionado com o que viu recentemente, especialmente com a conduta do presidente. “Não vou trair a minha biografia.” – disse Moro, lançando aos microfones a frase que pode significar a entrada dele na corrida eleitoral para 2022.
O ex-ministro se lamentou de ter abandonado 22 anos de magistratura para entrar no governo Bolsonaro. E revelou o que teria sido um segredo: em conversa com o presidente e com o general Augusto Heleno, ao aceitar o convite para o ministério, pediu que fosse concedida uma pensão para a família, “se algo de mal me acontecer”. Tudo isso é extremamente irregular – e não necessariamente tem abrigo nas leis do país. O controle externo da atuação da Polícia Federal, por parte do presidente, com certeza é ilegal e viola a independência da corporação.
O perfil autoritário e personalista de Jair Bolsonaro, que se comporta como uma espécie de monarca, pode explicar toda essa confusão. Ele tem ciúmes dos próprios colaboradores, como aconteceu com Mandetta, na Saúde, que virou estrela da pandemia. O mesmo com Moro, que é considerado mais popular do que o presidente. Antes disso já tinha tratado bastante mal o gaúcho Onyx Lorenzoni, que também andou aparecendo muito. O capitão desautorizou generais.
Mas há no tabuleiro uma outra questão política importante: isolado no Congresso e no judiciário, afastado da maioria dos governadores, sob críticas do segmento militar, o presidente optou pelo retorno à “velha política”. Foi buscar apoio no “centrão”, oferecendo cargos no governo em troca de votos na Câmara e no Senado. Os novos interlocutores estão justamente nos partidos que concentram a maior parte das acusações de corrupção, nos quais alguns dos integrantes são ícones da bandalheira parlamentar e protagonistas da Lava Jato e do Mensalão.
Em Brasília, muitos observadores da cena política acreditam que o “centrão”, em troca do apoio ao capitão, reivindica uma reforma ministerial. Quer espaço no governo. Já se fala na volta do Ministério do Trabalho, que seria entregue ao PTB de Roberto Jefferson. E agora surge a própria vaga de Moro, que pode ser entregue aos novos aliados.
Ministros da Suprema Corte, ouvidos pela colunista Mônica Bergamo, da Folha, enxergam ao menos dois delitos nas acusações de Sérgio Moro: o presidente teria cometido o crime de falsidade ideológica (ou fraude) e advocacia administrativa, que significa “patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário.” A OAB promete estudar o discurso de Moro.
Fernando Collor de Mello, recentemente comentou: “já vi este filme, e não acaba bem”.