Nunca antes na história deste país um presidente da República havia feito um pronunciamento tão grotesco quanto a fala de Jair Messias Bolsonaro após o pedido de demissão do ministro Sérgio Moro. Nem Jânio Quadros, que era patético por si só. Nem João Goulart, que muitas vezes dava a entender que não conhecia muito bem o país que presidia. Nem Fernando Collor, enredado em tramas que rolavam sobre as tramas. Nem Dilma Rousseff, que tropeçava nas palavras. O pronunciamento de Bolsonaro foi o ápice da ópera bufa atualmente encenada no Patropi.
Em cadeia nacional de rádio televisão, às cinco horas da tarde da última sexta-feira (24 abril), sob holofote poderoso da mídia brasileira e internacional, o presidente desprezou o discurso escrito e resolveu improvisar. Foi um desastre. Durante 45 minutos de peroração, sacudida por vigoroso panelaço, disse coisas inacreditáveis. Exemplos simples: revelou que a sogra praticou estelionato ao falsificar documento público para reduzir a idade em 3 anos; disse que a avó da mulher dele, Michele, era traficante de drogas; disse ainda que o “filho 04” havia comido metade das mulheres do condomínio onde vive a família, no Rio, lançando uma névoa de suspeitas sobre a honra de todas as mulheres que moram no conjunto de casas à beira-mar. Mais estranho: afirmou que recebera um cheque de 40 mil reais do Queiroz, depositado em uma conta que não sabe qual.
Um festival de asneiras, quando supostamente a intenção do pronunciamento era rebater as acusações graves feitas a ele por Sérgio Moro. O ex-ministro, na véspera, havia garantido: Bolsonaro queria controlar politicamente a Polícia Federal, para ter acesso prévio às investigações e inquéritos. E isto é crime previsto no ordenamento jurídico do país. O nome técnico é advocacia administrativa, no Código Penal, quando um funcionário público usa o cargo em benefício próprio ou de terceiros. Bolsonaro, segundo Moro, estava preocupado com as conclusões da CPI das fake news, em curso no Congresso, e com uma investigação criminal autorizada pela Suprema Corte contra os organizadores e financiadores de manifestações bolsonaristas contra a democracia.
O presidente, diante de gigantesca audiência, disse que Sérgio Moro era um oportunista barato (perdoem a tradução livre), porque teria condicionado mudanças na cúpula da PF em troca de uma indicação para o STF, em novembro, um dos melhores empregos do país. Não há dúvidas de que qualquer juiz gostaria de ser ministro da corte maior. Mas Bolsonaro não apresentou provas disto. Enfiou uma faca na barriga do ministro mais popular do governo, chamando o sujeito de chantagista (perdoem, mais uma vez, a tradução livre). Bolsonaro se comunica em curioso idioma, que, vez por outra, precisa de tradução. Diante das câmeras, empregou um adjunto adverbial de modo nunca visto: “escrotizado”. O corretor automático de texto do meu computador, baseado no Dicionário Aurélio, não reconhece.
Finalmente, Jair Bolsonaro resolveu ler o discurso escrito, provavelmente preparado pela assessoria, e aí a confusão de tom e de ênfase piorou. Não batia com a parte improvisada. Era sóbrio e distanciado. No conjunto da obra, “o samba do criolo doido”. Ah, sim: foi impactante a presença do ministro Paulo Guedes sem sapatos, sem gravata, sem paletó e com uma grande máscara. Ontem de manhã, lendo o artigo do Elio Gaspari na Folha, fiquei impressionado com o título: “Bolsonaro sonha com o fim do mundo”. É claro! Se o mundo acabasse, não seria lembrado pela patetice, nem teria adversários vivos.
Nota: a foto acima é de Carolina Antunes/PR